• António Bagão Félix, Um segundo memorando por interposto FMI [ontem no Público]:
- ‘(…) qual a natureza deste documento? Uma proposta de segundo memorando, com tudo o que isso transporta de reconhecimento de insuficiência ou até de fracasso do primeiro? Um documento não-oficial, embora oficiosamente já com o selo do Governo? Um contributo apenas interno, mas que se "deixou" sair para ver no que dá?
Este não é o método adequado para fortalecer a unidade da coligação e favorecer o consenso social possível. É, aliás, um "cardápio" que tornaria como definitivas medidas do mesmo ou maior calibre do que as que o Governo tem defendido como constitucionais, argumentando com o seu carácter transitório.
Neste repertório de indistintos "cortes de talho" na despesa, há, naturalmente, pontos que merecem ser adoptados. Outros são bem mais controversos. Limito-me aqui à Segurança Social (SS) e ao volume de pessoal.
Parte-se da premissa de que a despesa com pensões é igual a qualquer outra despesa. Não é verdade. O regime previdencial é submergido num sistema social opaco, assistencial, unilateral. Fala-se do seu desequilíbrio, o que é falso. Compara-se o nível de despesa face à UE usando valores de 2010 e ignorando dois anos de forte austeridade. Minimizam-se os impactos das reformas já feitas. Critica-se o carácter de menor redistribuição entre rendimentos no sistema contributivo de pensões, como se fosse esse o seu objectivo. Não perceberam (ou não lhes foi explicado) que na SS não se devem misturar realidades com funções distintas: o regime previdencial que confere direitos em função de uma lógica contratual e os regimes assistenciais e não- contributivos onde, aí sim, se faz uma redistribuição em favor dos mais fragilizados. Se acham que o Seguro Social é uma "excrescência" digam-no claramente: acabava-se com a TSU, tudo seria financiado por impostos e todos os benefícios seriam sujeitos a condição de recursos. Agora não culpem os pensionistas das regras que existiam e existem e não queiram retroagir efeitos devastadores sobre pessoas que já não têm alternativa de mudança. O Seguro Social não é uma guerra entre ricos e pobres. Essa "guerra" deve fazer-se na progressividade fiscal e nas prestações sociais de carácter não- contributivo.
Bom seria que estudos como o do FMI descessem da macrovisão para a vida das pessoas. Por exemplo, um pensionista de 1000 € mensais poderia ter uma redução nominal da sua pensão de 50%! Há limites em nome da dignidade humana. Como no desemprego, em que se quer passar de um regime de protecção (passível de aperfeiçoamento) para a quase indigência.
(…)
O relatório ignora, ainda, que parte do problema se agravou pela espiral recessiva do remédio e que se o Estado social (a redistribuição) é função da economia (a criação de riqueza), o contrário também é verdadeiro. Ao retirar-se rendimento disponível às classes média e baixa, diminui-se drasticamente o consumo de bens quase todos cá produzidos. Logo, agrava-se a recessão e o desemprego.
E também nada se escreve sobre juros, o que é lógico num relatório de um credor privilegiado. Mas, sabendo-se que a quase totalidade do défice coincide com o valor dos juros, bom seria que o nosso Governo tivesse uma atitude mais activa de maneira a tentar baixar o custo implícito da dívida soberana. Por exemplo, negociando a possibilidade de trocar dívida possuída por credores a taxas mais altas por dívida a custos inferiores, como fez a quase proscrita Grécia.
Por fim, apesar do estado de emergência, não há mandato político para este putativo segundo memorando. Sob pena de os escrutínios eleitorais serem cada vez mais uma treta.’
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