Saraiva, o pequeno grande arquitecto do outrora mui luminoso Sol, descreve — na Tabu, pp. 72-73 — o seu percurso no ensino elitista do Estado Novo, procurando dar elementos ao leitor para perceber uma questão pertinente: como é um sobrinho de um ministro da Educação do marcelismo se forma em arquitectura e termina a sua vida a aviar linguados para a Newshold? O próprio sobrinho parece ainda não ter uma explicação cabal: “tive a noção plena de como a vida é aleatória.” Leia-se a prosa:
- ‘Na Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde me formei em Arquitectura, tinha duas cadeiras que, no mesmo ano, eram dadas pelo mesmo professor. As cadeiras eram Estereotomia e Teoria de Sombras e Perspectivas. Na Estereotomia apreendiam-se coisas como o desenho das pedras ou o corte das madeiras numa construção: o porquê de uma determinada forma, os sistemas de encaixe, a função de cada peça no conjunto da obra. Na Teoria de Sombras e Perspectivas - como o nome indica -, estudava-se tudo o que se relacionava com sombras, focos de luz e sua incidência, projecções de uns sólidos sobre outros, e ainda as regras dos vários tipos de perspectivas.
O professor era um arquitecto de nome Vítor Manuel Piloto, um profissional da velha guarda, convencional, académico, da escola de Raul Lino, que repetia ano após ano monotonamente a mesma sebenta.
No ano em que frequentei aquelas cadeiras, as provas orais eram em dias sucessivos. Sem tempo para me preparar convenientemente para ambos os exames, estudei afincadamente para o primeiro e abandonei o segundo à sua sorte. A ideia era causar uma boa impressão num dia — e ganhar 'crédito' para o dia seguinte.
Lá compareci na data aprazada para o primeiro exame, subi ao estrado e o velho professor mandou-me desenhar a giz, no quadro preto, uma elipse. Lá desenhei com a mão tremer, numa pilha de nervos (as provas orais para mini eram um suplício) - e, quando acabei, o professor disse-me:
- - Isso não é uma elipse!
- - Sim, é uma elipse...
- - Não, não é uma elipse. Isso é um ovo! — atirou o velho mestre.
A coisa começava mal. E como 'o que torto nasce tarde ou nunca se endireita', o resto do exame foi uma lástima. No fim, fiquei convencido de que chumbava.
Quando terminavam os exames, os alunos esperavam à porta da Escola, no Largo da Biblioteca Pública, ao fundo da Rua Ivens, ao Chiado. Normalmente as notas demoravam meia hora a ser afixadas. Mas daquela vez esperei uma hora, duas horas — e só então apareceu a pauta. Olhei para ela, sem grandes esperanças, mas tive uma boa surpresa: tinha passado, embora com um medíocre 10. Mais tarde alguém me diria que a nota fora muito discutida — e só não me tinham chumbado por eu ser sobrinho do ministro da Educação (o meu tio José Hermano Saraiva).
Fui para casa pensando: 'Se isto correu tão mal numa cadeira em que eu sabia a matéria, como será amanhã, em que não sei nada?'.
Estive quase a desistir. Mas acabei por ir: não tinha nada a perder. No dia seguinte, subi outra vez ao estrado e o professor disse-me:
- - Desenhe uma parábola...
Pus-me a desenhar, afastei-me para olhar, apaguei e refiz o desenho, voltei a apagar uma parte, dei uns retoques finais — a parábola ficou impecável.
- - Muito bem! — comentou o professor, satisfeito. E adiantou: — Agora trace uma recta assim e assim...
- - Agora faça isto...
- - E agora o que dá a intersecção desse sólido com a parábola?
Olhei para o homem como boi para palácio. Não fazia a menor ideia do que me perguntava. Então o mestre voltou-se para mim como um pai compreensivo e, num tom completamente diferente do usado no dia anterior, disse-me:
- - Une aquele ponto com aquele, não é?
Respondi que sim.
- - E agora o que faz?
Eu voltava a não saber minimamente o que responder. Mas o professor ajudava:
- - Então, agora faz isto tal e tal, não é? E depois une aqueles dois pontos...
Enfim, do princípio ao fim do exame ele disse-me tudo. Eu limitava-me a fazer no quadro o que o mestre ia dizendo, sem perceber sequer o que estava a fazer.
No fim, quando veio a pauta, à frente do meu nome aparecia um luzidio 17! Aí tive a noção plena de como a vida é aleatória.
(…)’
7 comentários :
um sobrinho aldrabão que não percebia nada de sombras e perspectivou uma hiperbole chamada sol em forma de ovo paranóico que teria sido um sucesso se o tio ainda fosse ministro. a falta que um pai fez a este co-adaptado do fascismo.
E pelos vistos, ainda é aleatória....
Não é? Pequeno grande arquiteto...
Tu lá sabes...
Porque é que no CC temos de gramar com merda desta, hã? Não há critérios higiénicos?...
Muitos estão desejosos que este tempo volte... parece que já faltou mais!
Reparem que o homem teve o bom senso de sacar o diploma, mas de não o usar, profissionalmente.
Assim, masturbando-se apenas com o que escreve, pode chatear uns ou fazer rir outros com as palermices que escreve. Mas ao menos não mata ninguém.
Já viram o que era este fulano a projectar edifícios?
O proto-arquitecto era familiar de uma figura ministrial.
Se houve coisa que a vida não foi naquele dia foi aleatória.
Aparentemente até hoje o arquitecto continua a ser demasiado estupido para o perceber.
E nós temos agora a prova de que essa nódoa, com a idade que já deve ter, ainda não interiorizou correctamente as noções de "vida", de "noção plena" e, sobretudo, o significado do substantivo "aleatória"!
"Aleatória" é a última coisa que se poderia concluir da sorte que esse idiota chapado sempre deve ter tido em tudo na sua vida!
Embora duvide de que algum de nós a quisesse para si. Lá morrer, morreremos todos, sem dúvida, mas ao menos alguns de nós conseguirão não morrer ignorantes, como este pobre arquitonto...
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