• António Correia de Campos, Um Governo que governe [hoje no Público]:
- ‘No domingo, 6 de Outubro, o ministro Mota Soares notificava os portugueses de um novo corte de cem milhões, através de redução nas pensões de sobrevivência. Argumentava com o caso de um pensionista com cinco mil euros de pensão a quem faleceu o cônjuge também pensionista de topo, que passaria a acumular, por inteiro, duas pensões de elevado montante. Na manhã seguinte, o mesmo ministro reduzia o odioso exemplo a uma pensão de quatro mil euros, mantendo a errada versão da sobrevivência paga a 100%. De nada valeu a mentira grosseiramente construída. Ao longo da semana, o pânico instalava-se. Os tenores parlamentares e comentaristas do Governo viraram o bico ao prego, atribuindo à oposição, e sobretudo ao PS, a culpa da emotividade gerada. O montante da sobrevivência já fora, porém, corrigido para 50%. Este episódio indecoroso enlameia o ministro e o Governo, pela ignorância, precipitação, insensibilidade e pela completa falta de previsão dos efeitos da poção mágica que, como aprendizes de feiticeiros, estavam a manipular. O ministro demonstrou ignorar o que era a pensão de sobrevivência, julgando que o seu montante era igual ao da pensão em vida. O ministro precipitou-se a antecipar um corte altamente impopular, por razões tão incompreensíveis e irracionais que se duvida do seu estado de espírito, no momento. Tanta pressa para se antecipar em quê e a quem? O ministro não conhecia nada do que falava: que se desconta em separado para velhice e sobrevivência, que, na função pública, o eterno cepo de marradas, a pensão de sobrevivência só surgiu nos anos setenta, tendo sido consultados os contribuintes para saber se a desejariam remir retroactivamente, o que muitos fizeram. O ministro omitia ainda que, sendo ambos os cônjuges contribuintes, no fundo estamos sempre perante uma dupla contribuição para um simples benefício. Tão insensível se mostrou ao problema que não foi capaz de imaginar a tempestade que desencadeava. Finalmente, pela cabeça do ministro nunca havia passado a ideia de que, como bem salientou Manuela Ferreira Leite, ao transformar uma pensão contributiva num benefício de acção social individual, se viola a relação sinalagmática entre contribuição e benefício, destruindo a filosofia da nossa Segurança Social.’
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