Atropelamento e fuga |
• Pedro Silva Pereira, O atropelamento das expectativas:
- ‘Ao dizer que receia os efeitos de um “choque de expectativas” quando for conhecida toda a extensão da austeridade prevista no Orçamento para 2014, o que o primeiro-ministro verdadeiramente está a dizer é que teme as consequências políticas e económicas do desfazer das ilusões quando se perceber que ele próprio e o vice-primeiro-ministro andaram outra vez a enganar os portugueses.
Passos Coelho tem boas razões para estar preocupado. Ele sabe que todos nos lembramos de o ver anunciar o início de um novo ciclo glorioso de investimento e crescimento económico, tal como sabe que nos lembramos de ouvir Paulo Portas garantir, no final da última avaliação da ‘troika', que o Orçamento para o próximo ano não traria mais austeridade. Só que, sabendo isso, Passos Coelho sabe também que é outra a verdade que consta do Orçamento para 2014: mais um pacote de violenta austeridade, que ameaça seriamente recolocar a economia portuguesa numa trajectória de recessão.
Em bom rigor, não se trata aqui, propriamente, de um "choque" de expectativas. Choque haveria se determinadas expectativas colidissem com outras de sinal contrário - mas não é esse o caso. Aqui, as expectativas não colidem com outras, colidem, isso sim, com os próprios factos da política de austeridade do Governo. Dito de outra forma, porventura mais sugestiva, o que acontece é que as expectativas positivas que foram postas a circular pelo próprio Governo vão ser pura e simplesmente "atropeladas" pelas medidas de austeridade do Orçamento para 2014.
Pede o primeiro-ministro para não se falar neste assunto no "debate público" - como eu o compreendo! E espanta-se até por se continuar a falar do impacto de medidas de austeridade ainda não implementadas mas que, por já terem sido objecto de anúncio público, se deviam já ter por "descontadas". Mas o que deve ser motivo de espanto é este conceito, absolutamente extraordinário e inovador, de medidas "descontadas" - como se uma medida depois de anunciada não devesse ser discutida ou como se o seu impacto social e económico não devesse ser ponderado em conjugação com as medidas adicionais que o Governo vai continuamente anunciando.
Bem pode, pois, o primeiro-ministro dirigir apelos ao "debate público" para que ninguém denuncie o desvio colossal que separa as ilusões que desde o início vendeu aos portugueses e as consequências desastrosas da sua política de austeridade. A verdade, também aqui, impõe-se por si própria: a ameaça para as expectativas dos portugueses não vem dos críticos da política do Governo, vem de uma estratégia de empobrecimento e de uma política de austeridade fracassadas e que se desenvolvem em perigosa "contra-mão" com o que foi prometido aos portugueses quando se tratou de lhes caçar o voto.’
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