quinta-feira, outubro 09, 2014

Há algures um haríolo

Ontem no Diário Económico

No dia 28 de Julho, o Expresso Diário noticia a existência de imparidades adicionais que viriam a elevar os prejuízos do BES no primeiro semestre para cerca de três mil milhões de euros. Na noite de dia 30, a CMVM anuncia que os prejuízos do BES atingiam 3,6 milhões de euros. Entre 30 de Julho e 1 de Agosto, o BES perdeu 65,4% do seu valor em bolsa, com a cotação das acções a cair de 35 para 12 cêntimos.

Sucederam-se os acontecimentos:
    • No dia 31 de Julho, o Governo muda a lei para permitir a resolução, diploma publicado no Diário da República no dia seguinte;
    • Ainda a 1 de Agosto, o Banco de Portugal avança com a resolução e a CMVM suspende a negociação das acções do BES;
    • No dia seguinte, Marques Mendes comunica ao país, de forma pormenorizada, o plano gizado pelas autoridades;
    • Finalmente, a 3 de Agosto, o governador do Banco de Portugal aparece na televisão para confirmar e comentar a comunicação de Marques Mendes, o oráculo do Governo.

Nunca se deveria permitir que a realidade estragasse uma boa história. Acontece que tudo leva a crer que, durante estes estes, houve fugas de informação que permitiram que a «boa história» só tivesse sido contada a alguns grandes investidores (e só a estes), que assim puderam pôr a salvo as suas aplicações. É do que desconfia a CMVM.

Mas, diz-se, não há crimes perfeitos — e assim parece. É que, a 30 de Julho, a Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia noticiava a decisão de avançar com a resolução do BES. Foi neste ínterim que a praça de Lisboa esteve a saque — sem que a CMVM tivesse sido informada. Veja-se a prova de que, antes sequer da divulgação dos resultados semestrais do BES, já a Direcção-Geral da Concorrência publicitava na Internet a intervenção no BES que só seria formalmente comunicada quatro dias depois:


Ontem, João Galamba aproveitou as audições do governador do Banco de Portugal e da Miss Swaps para os questionar acerca das contradições do processo de resolução do BES:

O governador do Banco de Portugal e a Miss Swaps negaram na Assembleia da República que Bruxelas tivesse sido previamente informada da decisão tomada de avançar com a resolução. Mas Carlos Costa teve o cuidado de frisar que o Banco de Portugal não se corresponde com a Direcção-Geral da Concorrência, chamando assim implicitamente a atenção para a circunstância de o Ministério das Finanças ser o interlocutor daquele serviço da Comissão Europeia.

Durante a manhã de ontem, um porta-voz de Bruxelas, metendo os pés pelas mãos, veio afirmar que, de facto, este departamento da Comissão Europeia começou a «monitorizar» a situação do BES a 30 de Julho, apesar de o pedido de intervenção ter chegado no dia 3 de Agosto. Esta bizarra comunicação autodestrói-se: a CMVM só divulgou os resultados do BES na noite de 30 de Julho, o que levaria à conclusão de que, até pela diferença horária, em Bruxelas ou se fazem turnos de 24 horas ou ninguém dorme.

Sob o título de É mentira!, uma peça do Diário Económico desmonta hoje a inaceitável cedência da Comissão Europeia às pressões do Governo português para esconder a trapalhada da resolução do BES. Eis um extracto:
    «A Comissão Europeia mentiu de forma descarada sobre o processo de notificação europeia que antecedeu a resolução do BES no dia 3 de Agosto na reacção à manchete do Diário Económico de ontem. A primeira notificação chegou a Bruxelas, à direcção-geral da concorrência, no dia 30 de Outubro, dois dias antes da suspensão das acções do BES, ou seja, a Comissão não está a desmentir o Económico, está a mentir aos milhares e milhares de investidores que perderam centenas de milhões naquelas 48 horas.

    A resposta da Comissão não é apenas uma mentira, é um insulto à inteligência e não convence ninguém, sobretudo os que acreditaram que o mercado de capitais português é um sítio bem frequentado. Já desconfiávamos, ficamos agora a saber que as próprias autoridades europeias também têm pouco respeito pelos que aforram através de investimento em acções ou obrigações. Serão especuladores, portanto, sem direitos.

    A Comissão deu cobertura às iniciativas do Governo e do Banco de Portugal, mas escolheu o pior caminho para as fazer. É claro que houve uma notificação preliminar à Comissão no dia 30 de Julho, é também claro que a aprovação formal ocorreu no dia 3 de Agosto. O que nos disse, afinal, a Comissão? Depois da resposta de Carlos Costa, segundo a qual alguém deveria dar explicações sobre as datas que estão no 'site' da Comissão, depois da ministra das Finanças 'atirar' a responsabilidade e as respostas sobre o dia 30 para Bruxelas, lá veio o favor: a Comissão, por auto-recreação preventiva, decidiu notificar-se a si própria na quarta-feira, dia 30 de Julho, por uma decisão que jura não conhecer, a intervenção do Estado no BES no domingo seguinte, dia 3 de Agosto. Portanto, adivinhou, e pena é que os milhares e milhares de investidores que perderam milhões também não tivessem adivinhado que a Comissão iria 'apadrinhar' a resolução do banco.

    Prefiro acreditar - e acredito - na tese de que a Comissão Europeia está a mentir, e a prestar-se a este lindo papel. A alternativa é pior, a falta de respeito pelo Estado português, pelos portugueses e pelos investidores, portugueses e estrangeiros. A data de 30 de Outubro não surge do nada, não surge de uma informação oficiosa, está num documento oficial da Comissão Europeia que o Económico revelou na edição de ontem. Ou seja, para acreditar na tese da Comissão, que deixa tantas e tantas perguntas por responder, tenho também de acreditar que Portugal voltou a ser um espaço de experimentalismo europeu. Só nos faltava mesmo uma Comissão Europeia que toma a liberdade de interpretar o que se deve seguir à apresentação dos prejuízos de um banco privado. (…)»

E assim continuam à espera de resposta várias questões:
    • A Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia divulga publicamente uma decisão que não havia sido tomada?
    • Luís Marques Mendes andou escondido na mala de mão da Miss Swaps enquanto decorria o processo de resolução do BES?
    • Os grandes investidores que deram à sola a tempo recorreram a bruxarias?
    • Quem é responsável pela ocultação de informação ao mercado?

11 comentários :

Anónimo disse...

Pergunta:
A CMVM não pode multar a comissão?
A CMVM não pode multar o governo?

Anónimo disse...

A pergunta eé ou deveria ser:
O que anda a fazer a filha do amigo do nosso PR, que chegou a PGR?

Anónimo disse...

A CMVM não pode multar o Banco de Portugal?
A CMVM não pode multar (ou mandar prender) Marques Mendes?
A CMVM não pode multar (ou mandar prender)Miss Swaps?
O Banco de Portugal não pode multar a CMVM?
O Banco de Portugal não pode multar Marques Mendes?
O Banco de Portugal não pode multar a Comissão Europeia?
O Banco de Portugal não pode apelar para o BCE?
Não existem policias nem justiça em Portugal?

Evaristo Ferreira disse...

Este é o tempo dos chacais e dos pantomineiros. Tanto é em Lisboa como é em Bruxelas, ou não estivesse la Durão Barroso. Este é o tempo dos escroques, dos embusteiros e dos Incompetentes. A União Europeia anda ao sabor da timoneira Merkel. Portugal esta repleto de incompetentes e de irresponsáveis ao mais alto nível. Por que chegámos aqui? Não sei bem, talvez seja por causa da explosões solares... Este é tempo do delírio capitalista. Vai levar muito a ser ultrapassado.

Anónimo disse...

Não, não existe JUSTIÇA em Portugal.

Há muito tempo que as corporações andam a fazer jogos politicos e perseguições partidárias.

Aquilo a que se chama justiça em Portugal tem 2 pesos e 2 medidas.

É impressionante ver como o presidente do sindicato até vem dizer que os juízes do TC deviam passar pelo presidente da república das bananas.

O país está cheio de emplastros. Que se sabem coçar para dentro

Anónimo disse...

A filha do amigo não é irmã do outro? Sim aquele que queria acusar o Sócrates por atentado ao Estado de Direito.

Tá-se mesmo a ver o estadinho de direito que temos...

Corvo Negro disse...

Esta história sobre a pseudo falência do BES está muito mal montada e pior contada. Aos poucos o fio começa a ligar as meadas, e a certeza certezinha é que nesta "vendetta" alguém lucrou muitos milhares de milhões, muitos mais que os acionistas perderam, basta relembrar que o BES fechou o ano de 2013 (com contas certificadas pelo Banco de Portugal) com um total de ativos de 86,2 mil milhões de Euros.

Anónimo disse...

"Os grandes investidores que deram à sola..."?

Diga-se "os grandes especuladores", que isto de comprar e vender acções na bolsa não é investimento nenhum!

Antigamente dizia-se "jogar na bolsa", isso sim era a designação correcta. E jogar pode ser perder ou ganhar...

Isto não desculpa actuações criminosas de quem esteve na origem do descalabro das acções e da informação privilegiada aos "jogadores" tubarões, que se salvaram.

Anónimo disse...

Onde se pode continuar a ver o debate aqui inscrito e continuado da intervenção de João Galamba?

José Pires disse...

À questão"Luís Marques Mendes andou escondido na mala de mão da Miss Swaps (...)?", temo que a resposta possa ser afirmativa. O tamanho do homem permite-lhe isso, mesmo que a mala seja uma pequena bolsa.

Anónimo disse...

Bom trabalho de síntese. Excelente POST do CC. Parabens