domingo, outubro 12, 2014

“Se os tanques Boxers se mantêm de pé
é graças à laca da ministra da Defesa”


• Teresa de Sousa, Baralhar e dar de novo:
    « (…) Na sexta-feira, a ortodoxa Finlândia (o país que mais deu dores de cabeça a Bruxelas em matéria de contribuição para os resgates) viu o seu “triplo A” ser reduzido para um “duplo A” pela Standard & Poor’s. Já só restam a Alemanha e o Luxemburgo. Vale a pena lembrar o que disse em 2011 o actual primeiro-ministro finlandês, Alexander Stubb, agora às voltas com uma inevitável recessão, citado pela Reuters: “Os princípios darwinistas devem aplicar-se à zona euro e as economias mais fortes devem ter a decisão final sobre a maneira de dirigi-la”. Agora lembra que a crise na Ucrânia e o abrandamento da economia russa trocaram as voltas à economia finlandesa. (…)

    2. Vale, aliás, a pena começar pela Alemanha, que esta semana andou nas bocas do mundo por duas razões mais ou menos inesperadas. A primeira, quase hilariante pelos seus contornos, foi o estado das suas Forças Armadas. A questão foi debatida no Bundestag a partir de um relatório a que os jornais tiveram acesso, que as descreve como um desastre. Meia dúzia de exemplos: só um dos seus quatro submarinos funciona; só 70 dos seus 180 tanques Boxer estão em condições operacionais; apenas sete da sua frota de 43 helicópteros da Marinha podem voar, etc. É irresistível reproduzir um título de um jornal alemão, citado pela Reuters: “Se os tanques Boxers se mantêm de pé é graças à laca da ministra da Defesa”. Úrsula von der Leyen é criticada por gostar mais de se deixar fotografar do que de tratar da Bundeswehr. Médica e mãe de sete filhos, quer ser a sucessora de Angela Merkel na CDU. Judy Dempsey, do Carnegie Europe, recordava há dias que a Alemanha está a ter dificuldades para trazer os seis soldados no Afeganistão de volta a casa porque os aviões estão avariados. Dos 56 há apenas 24 operacionais. A analista também lembra que a Alemanha viu-se obrigada informar a NATO de que não consegue arranjar os aviões pedidos para patrulhar a fronteira dos Bálticos. Os exemplos são infindáveis. Para um país a quem toda a gente pede que assuma maiores responsabilidades internacionais, não é o que se estava à espera. A redução do orçamento da Defesa para 1,3 % do PIB pode ser uma explicação. A falta de prioridades é outra. Talvez valesse a pena explicar aos alemães que as despesas com a defesa têm de aumentar num mundo cada vez mais caótico, incluindo à volta das fronteiras da Europa.

    A segunda questão que irrompeu no debate alemão tem a ver com a economia. Marcel Fratzscher, director do DIW (Instituto Alemão para a Investigação Económica), conselheiro habitual do Governo, acaba de publicar um livro sobre “A Ilusão Alemã”, que aponta para as fragilidades de uma economia que se apresenta como o modelo a seguir. As infra-estruturas de transportes estão envelhecidas e ninguém as repara. O desemprego baixo deve-se aos “mini-jobs” mal pagos e em part-time. O investimento caiu para 17 por cento e cada vez mais as grandes empresas preferem investir fora da Alemanha, por exemplo nos EUA. A produtividade cresceu muito pouco nos últimos anos (entre 2007 e 2002, 0,3%, para 0,5 na Dinamarca, 0,7 na Áustria, 0,9 no Japão ou 1,5 nos EUA e 3,2 na Coreia). Os salários continuam a perder valor real. Só exportar, exportar, exportar torna a economia alemã particularmente vulnerável a cada desaceleração da economia europeia e mundial. O director do DIW lembra que a Alemanha está em condições de se financiar a custos baixíssimos e era o que devia fazer para estimular a economia. O último sinal de alarme foi a queda inesperada das encomendas à indústria de 5,7% no segundo trimestre. Como escreve o Telegraph, “a Alemanha apenas parece saudável porque as outras economias europeias estão moribundas.” (…)»

3 comentários :

Rosa disse...



Excelente texto de Teresa de Sousa! E muito útil para desmistificar o "colosso" alemão!...

Anónimo disse...

Há uma espécie de mistério subjacente a isto tudo e que merecia transformar-se num "study case"... Porque razão sempre que uma crisezita do liberalismo (e agora estamos com uma crisezona e a história repete-se), a resposta das Democracias é ainda mais liberalismo??? Como vêem a presente grande crise resultou em mais governos liberais e num enfraquecimento da social democracia e do socialismo democrático. A Social Democracia e o Socialismo Democrático têm que se reinventar não para se parecer com a direita (tipo Blair) mas para ser mais atrativa aos olhos dos cidadãos...

Anónimo disse...

Já dizia o outro "Não tenhamos dúvidas: se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou. A mudança necessária exige ruptura com a actual maioria e a sua política.» Assim é, mas mais fácil de dizer do que de fazer. Os agentes da mudança estão dispersos e frágeis, necessitam de uma onda de fundo da opinião publica, e de forte e desassombrada liderança.
Sobre os políticos alemães, holandeses, finlandeses, etc etc etc,? pois querem que a "classe politica, assente em várias gerações, aquela que actualmente domina a europa e esta agarrada à dinâmica dos lugares institucionais, faça mea culpa e deixe de pensar como pensa, aplicando outras politicas ou atenuando e corrigindo a sua politica na dose e sentido? AhAh Ah! Não é assim que o mundo gira. Eles irão de vitória em vitória até à derrota final, arrastando-nos a todos e selando a grande decadência da europa. E quando isso acontecer, o rei vai nu. No seu autismos militante, não vão perceber o que afinal aconteceu. Continuarão a dizer que a austeridade não foi suficiente e a "reforma do estado" não foi levada até ao fim.