domingo, dezembro 28, 2014

«A liberdade individual é um assunto público que a todos diz respeito,
por ser a base de um Estado que reconhece
a essencial dignidade da pessoa humana»


• Fernanda Palma (professora catedrática de Direito Penal), Cultura carcerária:
    «Está a tomar-se consciência de que vivemos numa cultura que vê na prisão a solução de todos os problemas individuais, sociais e políticos. A ideia de que reina a impunidade gera decisões difíceis de aceitar, como a prisão preventiva aplicada à avó de Alice (menina levada pelo pai ilicitamente para a Bélgica), que foi agora substituída por "prisão domiciliária".

    Perante as dúvidas que estes casos suscitam, é falacioso o argumento de que juristas ou leigos não devem fazer comentários por não conhecerem os processos. Uma vez que os processos não são públicos e estão sujeitos ao segredo de Justiça na maior parte das situações, valeria no nosso Direito uma regra de legitimação secreta da prisão preventiva.

    Ora, tal regra não tem sentido num Estado de direito democrático, porque a liberdade de qualquer pessoa não é assunto privado, nem se inscreve numa pura relação bilateral dessa pessoa com o Estado. A liberdade individual é um assunto público que a todos diz respeito, por ser a base de um Estado que reconhece a essencial dignidade da pessoa humana.

    De acordo com este princípio, consagrado no artigo 1º da Constituição, a tutela de direitos económicos e sociais não legitima restrições essenciais à liberdade. Todavia, perpassa pela nossa sociedade uma discussão constitucional a propósito do Direito Penal e há quem sustente que certos ideais de purificação ética justificam uma cultura punitiva.

    Esta discussão tem de ser assumida e legitimada. O que os intérpretes das leis não podem é reclamar a utilização de certos critérios e dar-lhes um conteúdo completamente diverso. É isso que parece suceder com a "perturbação do inquérito", que é pressuposto das medidas de coação e justifica, em casos extremos, a proibição de entrevistas públicas de arguidos.

    Terá cabimento, no caso da avó de Alice – já para não falar no caso de Sócrates –, entender que os contactos com a comunicação social podem comprometer a aquisição, a conservação ou a veracidade da prova? A personalidade do agente e a sua atitude perante o Direito, as leis e as instituições judiciárias serão o critério de uma previsível perturbação do inquérito?

    Em certos momentos, a falta de esperança coletiva abre espaço a uma visão autoritária e purificadora do Estado. Fórmulas inocentes da doutrina servem então de alçapões à cultura carcerária. E podemos ser confrontados com as infinitas acusações provisórias, absolvições temporárias e recursos nunca decididos de que nos deu conta Kafka no Processo

14 comentários :

Anónimo disse...

Cristalino. E este não é um problema que diga respaito aos cidadãos, aos politicos em geral e ao PS em particular?
Em nome de que insidiosa e tenebrosa ideologia totalitaria foi formulada a já celebre frase " à politica o q é da politica, à justiça o q é da justiça"?
Esta frase com tamanha incompreensão do que é um regime democratico, só é admissivel, como exemplo negativo, pela cobardia que encerra, do que não deve ser um politico. Que isto seja sequer admitido por um lider da oposição é um cedência total e a confissão de uma rendição.
Vai para o poder para não afrontar os corporativismos e os verdadeiros poderes que desequilibram e controlam este pobre país. Uma governação de turno, mais à esquerda claro. mas sem reformar o q interessa, as verdadeiras fontes de poder.

Anónimo disse...

é um bocado surreal isto ser publicado no cm, não é?

Anónimo disse...

Até posso concordar, mas então porque é que existe pena de prisão? Se a prisão não resolve nada, nenhum crime, excepto os de sangue, deveriam ter pena de prisão....
ou a prisão só é má quando é para os amigos?

Anónimo disse...

A cultura da irresponsabilidade dos juizes está a destruir o Estado de Direito.

Anónimo disse...

Quem, por medo ou outro insidioso interesse, se recusar a discutir os atos de poder dos juízes, está a legitimar e abrir espaço para as maiores arbitrariedades.

Corvo Negro disse...

Ó senhor "Anónimo" das 09:56 da tarde, o artigo refere-se a prisão preventiva e não a prisão punitiva. Não percebeu ou não quis perceber? Será que o Sócrates já foi julgado e condenado sem ser na praça pública?

Anónimo disse...

Gostava que este texto fosse lido por Sócrates.
Fernanda Palma uma mente superior que orgulha os portugueses de bem.

Que bom seria se tivéssemos assim uma Presidente da República!!!!!!!

Célia disse...

Faço minhas as palavras do Corvo Negro. A iliteracia no seu melhor.

Anónimo disse...

Sejamos claros : ao fim de 40 anos acordamos para perceber que nada mudou nesta justiça preguiçosa, bacococa e sinistra de Salazar. Ainda é a justiça de Salazar, agora com os filhos e netos dos juizes que a Salazar, com gosto, serviram.
Uma justiça cheia de gente cega, mal formada e sofrendo de complexo de superioridade, descobriu há poucos anos que podia também aliar-se à politica para aumentar o seu peso e o seu poder, fazer e desfazer quem não lhe agradasse pelo simples uso do rumor e do segredo de justiça.
E Socrates teve o atrevimento de desagradar muito aos senhores juizes. Está a paga-lo bem caro agora.
Estes juizes, corporativos até à medula, apenas interessados nos seus umbigos e prebendas, perderam toda a réstia de dignidade, ética e vergonha que tinham ao aliar-se aos partidos mais corruptos do espectro partidário- PPD e CDS- para recuperarem as prebendas que Socrates lhes tinha tirado.
Com Socrates seriam obrigados a trabalhar. Com Passos a boa vida continua.
Percebe-se bem que o motivo para colocar Socrates em preventiva nada mais é do que uma vingançazinha fácil e obscena.
Esta gente é capaz de tudo. Estão de facto a viver na impunidade. Até um dia...

Anónimo disse...

Finalmente, com os tristes acontecimentos do processo José Sócrates e com todo o trauma que este provoca na sociedade, começa a haver uma discussão de fundo (ainda tímida) sobre o estado da Justiça, a sua impunidade e pretensa superioridade institucional e moral, coberta pêlos políticos cobardes com a capa da "apoliticidade" e outros conceitos absurdos e mistificatórios. O que verificámos é haver uma função de soberania à solta, sem controlo democrático, com a comunicação social populista a olear-lhes os caminhos ínvios. O que temos pela frente é um aparelho disfuncional e inimputável, formado por corpos corporativos dirigidos por gente vingativa ao máximo, que encontraram no actual caldo politico o campo para servir um justicialismo sinistro. Alvos escolhidos a dedo, omissões e protelamentos cirúrgicos, vitimas de perseguições e condenações exemplares, métodos à margem da lei. Justicialismo que converge quando lhes é dado poder: numa Joana Marques Vidal, de boa cepa,num Juiz Carlos Alexandre, super-homem da instrução criminal, numa Maria José Morgado, procuradora messiânica e já ridicula, chefe de uma equipa da boa-vontade. Uma ministra radical, maluca e caótica. Todos juntos nas rédeas do comando, assim tornados perigosos para a sociedade e os cidadãos. Como foi possível? Que politica vai ser posta em marcha pelo PS para começarmos a inverter esta complexa situação? Como separar o trigo do joio? Como começar a desbancar toda uma geração de digentes (aliás várias gerações)e de altos quadros vitalícios da Justiça, motivados por uma ideologia saudosista, viciada em praticas autocráticas, convergindo com dirigentes e quadros vitalícios anquilosados mas activistas, formados no PC e na extrema esquerda, todos eles sedentos de poder e de vingança, todos radicalmente seguros de serem os portadores da verdade e os senhores legítimos da punição exemplar. Que horror!

Anónimo disse...

Teorizar sobre a justiça portuguesa, procurando princípios, objetivos, metodologias, virtudes, malefícios, é, no caso José Sócrates, entregar o ouro aos bandidos. José Sócrates é um preso político e os responsáveis pela sua prisão são figuras da extrema direita portuguesa. Ponto final.

Zé de Faro disse...

Um amigo meu,dotado de lucidez, caráter e dignidade, dizia-me há dias:«mas onde anda o PS? O Seguro ainda lá está?Será preciso por o António Costa a ler as crónicas do patriota Fernão Lopes? Então prendem o Mestre de Avis, metem-no na cadeia de Évora, e o POVO de LISBOA não se levanta? A pátria portuguesa vive, de novo, momentos de rude, apagada e vil tristeza.

Abraham Chévre au Lait disse...

Os Tribunais Plenários existiram! Eu estive lá! Cruzo-me,na rua,com juízes que lá serviram! Esses criados do Salazar tem descendência!Basta olhar-lhes para a cara,ver onde põem as mãos e o modo como apoiam os pés no solo!São animais doentes,precisam de cuidados e nunca de lugares de destaque|

José Pires disse...

A questão da prisão preventiva assume contornos ainda mais preocupantes no caso do motorista de Sócrates. É que, pese embora a costumada opacidade da justiça portuguesa, a ideia que fica (e que, aliás, é propalada pela imprensa "próxima da investigação) é a de que o motorista ficou preso preventivamente apenas para "falar" (contra Sócrates, é evidente) e logo que "falou" foi premiado com a ida para casa. Ora, isto na minha terra chama-se tortura, proibida pelo art.º 25.º, n.º 2 da Constituição.