domingo, dezembro 14, 2014

Riqueza e crime

• Fernanda Palma, Riqueza e crime:
    «Se o crime de "enriquecimento ilícito", que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional, num acórdão em que apenas um dos seus treze juízes votou (parcialmente) vencido, estivesse previsto no Código Penal, a investigação dos processos mediáticos com que se confronta o sistema judicial estaria facilitada? E a decisão seria, previsivelmente, mais justa?

    Em casos de corrupção, fraude fiscal e branqueamento, a primeira dificuldade da investigação criminal pode ser descobrir o dinheiro e o seu proprietário. Ora, nessa perspetiva, a existência de um crime de enriquecimento ilícito pouco ou nada adiantaria. A maior dificuldade situa-se num estádio anterior, em que é necessário desvendar o circuito do dinheiro.

    Neste domínio, é oportuno recordar uma afirmação muitas vezes repetida mas frequentemente incompreendida: o Direito Penal é o último recurso da política criminal do Estado. Para prevenir a criminalidade económica e financeira, é essencial, antes de tudo, fiscalizar com eficácia a atividade bancária e financeira e extinguir os paraísos fiscais.

    Por outro lado, as penas propostas para o crime de enriquecimento ilícito (até três ou até cinco anos de prisão, no caso de funcionários) não eram, nem poderiam ser, tão severas como as cominadas para a corrupção, a fraude fiscal ou o branqueamento agravados. Nestes crimes, as penas podem ter o limite máximo de oito ou até de doze anos de prisão.

    Assim, o crime base de enriquecimento ilícito não admitiria escutas telefónicas nem prisão preventiva. E ao enriquecimento agravado, cometido por funcionário, só seria aplicável prisão preventiva no caso de se contemplar uma exceção ao regime geral, que reserva tal medida de coação aos crimes puníveis com pena de prisão de limite superior a cinco anos.

    Por conseguinte, o novo crime reprovado pelo Tribunal Constitucional não parece constituir o meio adequado para reforçar a luta contra a corrupção. No entanto, a objeção decisiva à criação desta nova incriminação continua a ser a presunção de inocência, associada à exigência de tipificação da conduta incriminada – e não só de uma sua possível consequência.

    A luta contra o enriquecimento ilícito passa pela previsão de deveres de declarar rendimentos e a sua proveniência, cuja violação pode ser punida com sanções idênticas às que se preconizavam para o novo crime. E, aliás, o "enriquecimento lícito" também pode resultar de condutas que merecem ser incriminadas, como a gestão danosa no setor privado.»

1 comentário :

Anónimo disse...

A investigação não estaria facilitada mas o ruído mediático sim, e este é que é relevante para uma direita fascista ou para uma esquerda estalinista.
Boas festas.