• Rui Pereira, Justiça sem segredo:
- «Há uma lei certa e sabida que dispensa explicações metafísicas: a violação do segredo de justiça não existe ou passa despercebida quando estão em causa cidadãos anónimos. Mas quanto mais mediático é o processo e notório é o arguido, tanto mais provável se torna a violação do segredo. Por exemplo, o processo-crime contra o ex-primeiro-ministro José Sócrates prova-o categoricamente. Para além de fonte inesgotável de notícias, ele é responsável pelo quase silêncio que rodeia o chamado processo dos "vistos dourados", em que são arguidos altos dignitários do Estado.
Os acontecimentos mais recentes em torno da "Operação Marquês" confirmam outra regra menos óbvia: em geral, as violações do segredo são irrelevantes na perspetiva do "bem jurídico" protegido pela norma incriminadora, que é, muito precisamente, o êxito da investigação criminal e a descoberta da verdade material. Na esmagadora maioria dos casos, as notícias referem-se a factos – reais ou putativos – que são do sobejo conhecimento dos sujeitos do processo. Está aí em causa, apenas, o chamado "segredo externo", isto é, o conhecimento por parte de terceiros.
Esta constatação transporta-nos para outra questão mais complexa: para que serve o dito segredo externo e qual deve ser o seu âmbito, num sistema que consagra, desde a Reforma de 2007, a publicidade como regra e o segredo como exceção? Um segredo orientado apenas para o exterior do tribunal pode, por vezes, preservar o bom nome do arguido, antes de um julgamento incerto. Todavia, é necessário cumprir o dever de informar. Como reagiriam, afinal, os portugueses à detenção de um ex-primeiro-ministro, se tal detenção não fosse acompanhada de nenhuma explicação?
Talvez o segredo de justiça seja um segredo de polichinelo, cuja violação é impossível evitar. Isso não deveria ser difícil, uma vez que tal violação é um crime que pode ser cometido por qualquer pessoa e não só por magistrados, advogados ou polícias. Sempre foi assim, e a Reforma de 2007 clarificou-o em nome da eficácia. Mas vale a pena repensar a questão: será que podemos equiparar, em sede de ilicitude e de culpa, quem decreta ou tem o dever de guardar o segredo (e o viola) a quem tem o dever de informar e até mesmo o direito de desconfiar do sistema de justiça?»
2 comentários :
Ao que chegámos! O correio da manha ainda vai chamar este artigo em sua defesa.
Neste artigo, o dr Rui Pereira evoca importantes questões, mas quando toca a tomar posição, prefere colocar um ponto de interrogação, criando ambiguidades.
Evidentemente, longe de mim querer rivalizar com o dr Rui Pereira sobre direito, limito-me a tentar ser pragmático, terra-a-terra.
Antes de mais, aproveito para dizer que, na minha opinião, preferia que ele (como outros) se abstivesse de participar no circo anti-socrático do Correio da manha, de que é colaborador regular, e na CMTV onde provavelmente assentou arraiais. É evidente que não estou a compará-lo com um tal Álvaro Beleza (desde há mais de 20 anos nunca compreendi, mesmo não sendo exigente, o que ele tem de comum com o PS), que na mesma cadeira teve uma actuação que considero verdadeiramente indigna, numa das abjectas emissões televisivas que têm passado. É claro que, quanto à inoportuna, a meu ver, colaboração, poderia citar também João Soares e Gabriela Canavilhas, não fosse, no caso desta senhora, a oportunidade de elogiar a sua habitual postura e elevação, e em particular a introdução crítica que fez na emissão em que participou. Infelizmente, e apesar de não se ter deixado impressionar com os "ataques" dos outros três interlocutores, insistentemente empenhados em querer arrastá-la para a cumplicidade na desinformação e baixeza, o resultado que estes, como habitualmente procuraram foi atingido: ataque cerrado a Sócrates, na presença de um membro eminente do PS.
Voltando ao artigo : desde há longos anos que se assiste a repetidas e impunes violações do segredo de justiça, "segredos" que aterram nos media como a m. numa ventoínha, violações seguidas de doutas discussões sobre o direito e dever de informar e proclamações sobre a santidade do mensageiro. Se isso acontece é porque quem poderia resolver o problema não está interessado em confrontar o direito de informar com o direito a não ser vítima dessas violações e intromissões abusivas e insultuosas na vida alheia, seja ela de quem for.
Uma informação caluniosa não deixa de o ser por vir de um jornalista. Este, como acontece com qualquer cidadão, deveria ser obrigado a fazer prova do que diz, e não se refugiar cobardemente em fontes, nem sequer no facto de tal calúnia já ter sido publicada por outro.
Será que um jornalista tem o direito de dizer qualquer coisa do género : « O primeiro-ministro roubou uma maçã no supermercado. Tenho testemunhas do facto. Mas nunca poderei revelá-las, ao abrigo do meu direito de não revelar as fontes. » ? Se sim, então conclui-se que um jornalista tem o direito de caluniar impunemente. Ok, se é nesse país que vivemos.
Mas se eu fizesse aqui essa afirmação, seria obrigado, se a ela dessem importância, a prová-la para evitar uma condenação.
O jornalista (como de resto qualquer outro...) deve ter o direito de não revelar as fontes. Mas deve ter (como de resto qualquer outro...) a obrigação de provar o que diz.
Ora a violação do segredo de justiça é um crime. A reprodução desse crime não pode deixar de ser um crime. A frequente condescendência e parcialidade dos procuradores e juízes não é desculpa para não resolver o problema clarificando a lei, tanto quanto for necessário.
É certo que daí em diante os tablóides enfrentariam algumas dificuldades... Mas a violação do segredo de justiça na praça pública teria os dias contados, e muitos jornalistas renitentes poderiam abancar em Évora, mas do outro lado do portão.
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