domingo, março 15, 2015

«Haverá um critério normativo inconstitucional
se, expirado o prazo legal para o reexame,
o arguido se mantém preso no segundo seguinte»

• Fernanda Palma, O segundo seguinte:
    «Segundo Ronald Dworkin (filósofo do Direito norte-americano falecido recentemente), há casos que não se resolvem só pela interpretação semântica da lei, reclamando a integração num conjunto coerente de valores por juízes "hercúleos". Um exemplo: quem assassinar a pessoa de que é herdeiro, herdará se a lei nada disser? O princípio de que o crime não pode aproveitar ao criminoso impõe a resposta negativa.

    No caso Sócrates, está agora em causa, para além da competência do tribunal, se é legal a manutenção do arguido em prisão preventiva sem que o juiz de instrução tenha proferido despacho de reexame no prazo máximo de três meses. E questiona-se se tal prazo pode ser violado para dar ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório, pronunciando-se sobre novas provas carreadas pelo Ministério Público.

    A ausência de decisão no prazo para o reexame da prisão preventiva não mantém em vigor, por inércia, a decisão anterior. O caráter imperativo do artigo 213º do Código de Processo Penal indica que se trata de um prazo de garantia. Se o tribunal não confirmar a decisão inicial findos três meses, gera-se um vazio que só pode significar que não existem condições processuais para manter a prisão preventiva.

    Não vale o argumento de que a não decisão do tribunal se justifica pelo contraditório e, em última análise, pelo interesse da defesa. Com efeito, o contraditório é uma garantia da defesa, essencial para uma decisão justa. Porém, a impossibilidade de ser exercido no prazo de três meses não dispensa o tribunal de reexaminar atempadamente a prisão preventiva, sem prejuízo de considerar no futuro novas provas.

    A tese de que o exercício de direitos justifica, sem o reexame obrigatório, a manutenção da prisão preventiva não se integra no sistema de valores constitucionais. Haverá um critério normativo inconstitucional, por violação da natureza excecional da prisão preventiva, na base das decisões de adiamento das quais decorra que, expirado o prazo legal para o reexame, o arguido se mantém preso no segundo seguinte

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