terça-feira, março 03, 2015

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a prisão preventiva

• Alberto Pinto Nogueira, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a prisão preventiva:
    «(…) A prisão preventiva é outro instrumento do processo penal que olho de soslaio. É uma medida excepcional. Deve ser substituída por outra menos gravosa sempre que o processo já não a exige.

    (…)

    Uma auditoria revelaria situações significativas. Com esforço, descortinamos os “fortes indícios” da prática de um crime grave nos fundamentos dos despachos que a decretam. Despachos baseados em factos concretos ou em abstracções que repetem as disposições legais. Demonstração precisa e factual de perigo concreto de fuga, de continuação da actividade criminosa, de perturbação da investigação. Ou mera afirmação palavrosa desses princípios legais. Também revelaria como se encarou a prisão preventiva. Medida coactiva excepcional a aplicar em última instância. Ou o princípio constitucional da presunção de inocência já está a ser beliscado.

    (…)

    Quando estão em causa pessoas com relevância política ou social, a coisa é buliçosa. Vira espectáculo. Os jornais informam e julgam. Sentenciam culpas e inocências, com a mesma singeleza. Saciam a nossa ignorância.

    Nesta página, decretam que o arguido vai estar preso pelo menos mais dez dias. Na seguinte, vai estar preso mais três meses. Graças a “fonte ligada ao processo”! É a narração do facto antes do facto.

    Decretam a inutilidade de um recurso sobre a prisão preventiva. No reexame do despacho anterior em recurso, o juiz de instrução atenderá a novos factos. O Código de Processo Penal diz que não, que a revisão dos pressupostos não inutiliza o recurso. Mas os juízes da Relação podem entender o contrário. Teorizam contra a lei. Está bem. O jornal quer o homem preso preventivamente.

    O rigor exigiria reflexão. O recurso no Tribunal da Relação deve ser decidido no prazo legal de 30 dias, desde que o processo aí chegou. Prazo “ordenador”, dizem os juristas. A lei diz 30. Podem ser 60 ou 90. Causa perplexidade. A lei diz uma coisa, o aplicador diz e faz outra. Não a cumpre. Sem consequências.

    O prazo da lei é “ordenador ”. Orienta intervenientes processuais, magistrados e advogados! Trinta não é 30! É assim-assim, conforme a gente quer. Podem decidir muito depois do prazo da lei. O prazo não é obrigatório: “o que se não faz num dia, faz-se no outro dia”. Aritmética não é aritmética. É conveniência.

    Não é assim quando se trata de prisão preventiva. De liberdade. O prazo não é “ordenador”. É para cumprir. A Constituição da República e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem o determinam. Trinta são 30 e não outra coisa. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem está cansado de o dizer. Só o percebemos quando condena o Estado português. A Constituição da República e a Convenção Europeia deveriam sustentar a interpretação da lei comum! Estão acima na hierarquia das leis. Muito acima do Código de Processo Penal.

    O preso/recorrente que espere. Preso. Trinta dias, mais 30, ou mais 30. O prazo de decisão é incerto. Está na lei para estar. Não para cumprir. A liberdade do preso é uma coisa do Estado!»

Sem comentários :