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O acórdão pode ser lido na íntegra aqui (via Luís Baltasar). Eis uma viagem guiada ao documento:
- «O M°P° é, como sabemos, o dono do inquérito!
Ser o dono do inquérito não significa que se pode tudo, mesmo fazendo coisas sem qualquer fundamentação legal. O nosso processo penal tem que ser democrático não só nos seus princípios, por isso é que se trata de um processo de direito constitucional aplicado, mas sobretudo no exercício constante da sua prática, da sua legis artis.
O M°P° terá de indicar minimamente as razões pelas quais no caso concreto se deverá afastar a regra e optar-se pela excepção da sujeição do inquérito ao segredo de justiça.»
- in p. 40, em itálico
- «Outro dos problemas que pode gerar, não menos importante, para além de um eventual boicote à investigação criminal, é o de afastar de forma grave o arguido do conhecimento dos factos incriminatórios que lhe são imputados, fazendo com que jogue um jogo no escuro e na ignorância, não se podendo defender de forma eficaz e adequada.»
- in p. 42, em itálico
- «É pena que entre nós não exista a cultura de que uma acusação será mais forte e robusta juridicamente, e, sobretudo mais confiante, consoante se dê uma completa e verdadeira possibilidade ao arguido de se defender.
E que não seja vítima dos truques e de uma estratégia do investigador.
0 mesmo se diga do conhecimento cabal dos factos e das provas que lhe são imputados em sede de investigação, não fazendo com que o segredo de justiça sirva de arma de arremesso ao serviço da ignorância e do desconhecido.
A virtude e as razões do segredo de justiça não podem ficar prisioneiros de uma estratégia que o transforme numa regra quando o legislador quis que fosse uma excepção por isso e que revogou o sistema legal anterior que blindava o inquérito sempre ao regime de segredo de justiça.
Mas o legislador democrático, com a legitimidade que tem, quis conscientemente que a regra não se transformasse em excepção.»
- in p. 43, em itálico
- «É o que diz o M°P° para justificar o seu pedido.
Confesso que nunca tínhamos visto um pedido de prorrogação de segredo de justiça, como medida cautelar, baseando-se num outro processo que está a correr os seus termos no Tribunal da Relação.
Não foi isto que o legislador pretendeu quando alterou o regime jurídico do segredo de justiça, nem esta invocação cautelar se enquadra no espírito e na letra da lei.»
- in p. 47, em itálico
- «Ou existem razões plausíveis de direito que mexem com a investigação, designadamente, que a publicidade poderá com prometer a investigação, a aquisição e conservação das provas atenta a natureza das infracções cometidas e a qualidade dos intervenientes, sendo o segredo imprescindível para a realização de diligências, ou não faz qualquer sentido, sendo ilegal, abrir esta “auto-estrada’ de um segredo, sem regras e sem “portagem”.
E o que é grave é que esta “auto-estrada” do segredo, sem regras, passou sem qualquer censura pelo Sr. Juiz de instrução, desprotegendo de forma grave os interesses e as garantias de defesa do arguido, que volvido tanto tempo de investigação, desde 2013, continua a não ser confrontado, corno devia, com os factos e as provas que existem contra si.
Razões de ordem cautelar desacompanhadas de razões objectivas e concretas que possam comprometer o êxito da investigação, não servem de todo.»
(…)
«É muito pouco ou nada depois de tanto segredo de justiça e de tanto tempo em investigações, mesmo que se considere que são complexas e por vezes morosas, até face à cooperação internacional.
Mas nada justifica que uma investigação que iniciou em 2013 se tenha mantido todo o tempo em segredo.
Este é outro pecadilho da promoção causadora da prorrogação do segredo justiça: a ausência de fundamentação.
De facto o M°P°, aponta justificações genéricas, vagas e indeterminadas para formular o seu pedido.
Nestas justificações cabe tudo e não cabe nada.»
- in p. 48, em itálico
- «Quer a promoção do M°P°, quer o despacho do Sr. Juiz de instrução, não cumpriram os ditames legais porque para além de não se encontrarem fundamentados, assentam num pressuposto errado que fere a lei e os princípios gerais de direito, a intenção cautelar para justificar a prorrogação por mais três meses do prazo do segredo de justiça.»
- in p. 49, em itálico
- «Como advertia o nosso Padre António Viera, “quem levanta muita caça e não segue nenhuma não é muito que se recolha com as mãos vazias”.»
- in p. 50, a bold
2 comentários :
O acórdão, dizendo respeito aos direitos da defesa e à sua eventual liberdade, tem aplicação imediata.
"Quem levanta muita caça e não segue nenhuma não é muito que se recolha com as mãos vazias".
Gostei. Grande Padre António Vieira.
Boa, Senhores Juízes!
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