sexta-feira, dezembro 04, 2015

A moção de desconfiança


• Pedro Silva Pereira, A moção de desconfiança:
    «O debate do programa de Governo do PS ficou marcado por dois erros estratégicos da direita: a insistência absurda na pretensa ilegitimidade do Governo apoiado pela maioria parlamentar e uma desastrada moção de rejeição, que esvaziou totalmente o apelo a uma moção de confiança.

    Manda a verdade que se diga, antes de mais, que a nova maioria de esquerda passou com distinção o seu primeiro teste parlamentar. O que estava em causa, naturalmente, não era tanto saber se na votação final a maioria mantinha uma fidelidade sem falhas aos acordos assinados - nessa matéria, tudo correu como esperado.

    A incógnita dizia respeito a outra coisa: a atitude dos diferentes partidos signatários ao longo do debate. E aí, tem de reconhecer-se que a maioria deu provas de uma coesão notável, indo muito além da convergência nas críticas à política do Governo anterior (como seria próprio de uma maioria apenas negativa). De facto, foram abundantes os sinais de solidariedade activa com o Governo do PS e o seu programa, não faltando sequer os aplausos de todos os partidos de esquerda ao novo primeiro-ministro. Quem apostava tudo em encontrar sinais de divisão e divergência, enganou-se nas contas. A tal ponto que, no final, o deputado do CDS, Telmo Correia, não escondeu a sua desilusão: “Já nem o PCP pergunta pelas nacionalizações, nem o Bloco de Esquerda pela reestruturação da dívida”, lamentou. O deputado Passos Coelho foi mesmo mais longe: “A maioria negativa transformou-se em maioria positiva”, reconheceu na sessão de encerramento. E, por uma vez, tinha razão.

    Se do lado da maioria e do Governo as coisas correram francamente bem, a coligação de direita caiu na sua própria armadilha em consequência dos dois erros fatais que cometeu.

    O primeiro erro foi a insistência obsessiva no argumento da pretensa ilegitimidade do Governo. Além de cansativo, esse argumento tem três problemas insanáveis. Em primeiro lugar, é falso: o Governo, devidamente empossado pelo Presidente da República, é obviamente legítimo porque tem o apoio claro da maioria parlamentar que é determinada pela vontade democrática dos portugueses, expressa nos resultados eleitorais.

    Em segundo lugar, é um argumento incompreensível em termos europeus: hoje, são várias as democracias parlamentares europeias em que as soluções de governo não são lideradas pelo partido mais votado nas eleições (é o que sucede, por exemplo, na Dinamarca, Bélgica, Luxemburgo, Letónia e Noruega). Em terceiro lugar, é um argumento desastroso para as eleições presidenciais, porque das duas, uma: ou coloca a direita em inevitável rota de colisão com o seu próprio candidato presidencial ou pretende arrastá-lo para uma posição suicidária que levaria a transformar as eleições presidenciais num verdadeiro plebiscito ao Governo.

    O segundo erro estratégico da direita não foi menos evidente: a apresentação de uma moção de rejeição do programa do Governo esvaziou de sentido os insistentes apelos à apresentação de uma moção de confiança por parte do Executivo. Como é óbvio, não pode vencer um debate quem vai para ele com duas estratégias contraditórias. E o certo que a moção de rejeição, anunciada para funcionar como uma “clarificadora” moção de desconfiança, se tornou naquilo que não queria ser: uma boa oportunidade para a nova maioria afirmar, de forma clara, a sua confiança no Governo do Partido Socialista.

    Contas feitas, o Governo sai deste debate com mais do que um programa validado e a plenitude de funções que decorre da investidura parlamentar. O que obteve foi muito mais do que aquilo que pediu: a confirmação de um apoio claro por parte da nova maioria.»

3 comentários :

Jose disse...

O que é dito é que a falta de confiança no acordo saiu diminuída.
Ainda bem, pois essa é a única e acertada estratégia: encostar o PS à esquerda.

Não caiu o muro - Saltaram o muro.
Assim o quiseram, assim terão. Amanhem-se do outro lado.
Avante!

Anónimo disse...

Muito bem dito Pedro Silva Pereira.Que continue sempre a esclarecer-nos. Os tempos obrigam a contraditórios lúcidos, fundamentados, rigorosos e claros.Por quem sabe. Não deixe passar nada,nunca.

Anónimo disse...

Oh José, meu idiota, quem saltou o muro para o lado esquerdo foi o povo que votou maioritariamente à esquerda. Nem mais nem menos.
Aprende a fazer contas e a contar deputados. Nem nas novas oportunidades te safavas.