‘Num despacho de 46 folhas, datado do passado dia 9, Varela Martins, procurador de Cascais, considerou “despropositadas” e “abusivas” as conclusões dos inspectores da Polícia Judiciária, da Inspecção Geral da Administração do Território e até das Finanças. Todos eles consideravam que a Câmara Municipal de Cascais havia sido lesada na permuta de terrenos com o empreiteiro Américo Santo, tanto mais que os terrenos permutados, e que deviam servir para a construção de habitação social, no âmbito do Plano Especial de Realojamento (PER), acabaram por ser sujeitos a venda livre e portanto resultaram num lucro indevido para o empresário e num prejuízo efectivo para a autarquia.
Varela Martins entende não haver qualquer crime nessa realidade, embora dê como certo o prejuízo sofrido pela autarquia e o lucro do empreiteiro. “A sensação que dá é que o lucro é proibido. (…) A. Santo conseguiu que subempreiteiros fizessem as obras a preços reduzidos, ganhando um lucro”, explicou então o procurador, dizendo que as conclusões da PJ “não fazem qualquer sentido”. Isto porque, na sua opinião, dispensar determinadas obras de concursos públicos até nem é muito grave. “Conhecendo-se o sistema de concursos públicos, morosos e caros, tenho sérias dúvidas de que a câmara pouparia se deles se socorresse”, diz.’
Já repararam na gravidade desta afirmação? A legislação nacional exige a realização de concursos públicos, as directivas comunitárias são claras a este respeito, há recomendações de organizações internacionais para que se adoptem “procedimentos abertos” (ou seja, transparentes), a própria Constituição fala em defesa da concorrência.
Mas há um procurador em Cascais que tem sérias dúvidas da eficácia dos concursos públicos — permitindo-se, para além do mais, divagar acerca da ética do lucro. Este procurador também tem a cobertura do Procurador-Geral da República, como sustenta António Cluny, quando afiança que Souto Moura os defende, mesmo quando não concorda com determinados aspectos (o que todos já suspeitávamos)?
Esta situação revela que há um poder judicial que, em parte, está amputado. No fundo, colocando de lado os artifícios, o sistema actual faz com que cada um dos magistrados do Ministério Público seja ele próprio um juiz, porque tem o poder de mandar arquivar um processo, impedindo que o caso chegue a tribunal. Portanto, absolve sem ter legitimidade constitucional para o efeito.
1 comentário :
"Portanto, absolve sem ter legitimidade constitucional para o efeito."
Eu conheço um blog que, umas vezes acusa, condena e pune e outras vezes olvida ou desculpa e justifica (consoante a cor dos intervenientes) mas agora não me lembro do nome...
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