quarta-feira, abril 08, 2009

Perigo abstracto, disparate concreto




Foi interessante o debate quinzenal, embora só o tenha podido acompanhar pela rádio (o que não me permitiu deliciar com os trejeitos do líder da bancada parlamentar do PSD). O momento que mais me prendeu a atenção terá sido aquele em que se digladiaram José Sócrates e Paulo Rangel.

Sócrates recordou que o Governo criminalizou a corrupção no sector privado, instituiu a responsabilidade das pessoas colectivas em casos de corrupção e afirmou-se disponível para combater todos os fenómenos de “enriquecimento ilícito”, desde que seja respeitado o Estado de direito — e não mandado para banhos, juntamente com a democracia, como alvitrou a Dr.ª Manuela.

Sem ser jurista, Sócrates pôs o dedo na ferida — não pode haver inversão do ónus da prova e tem de se respeitar a presunção de inocência, consagrada na Constituição.

A isto, Paulo Rangel contrapôs a jurisprudência do Tribunal Constitucional, dizendo que a criação de um crime de “enriquecimento ilícito”, com inversão do ónus da prova, é admissível por estar em causa um crime de perigo abstracto.

Ora, se bem me lembro das lições de direito criminal, um crime de perigo é aquele em que a consumação se dá sem lesão do “bem jurídico” protegido pela norma. Por exemplo, conduzir sob o efeito de álcool ou de estupefacientes é um crime de perigo, porque quem o fizer é punido, mesmo que não cause acidente nenhum.

E julgo que é um crime de perigo abstracto, porque mesmo que o condutor seja o único a circular é ainda punido, por tal como dizia o meu instrutor de condução. O perigo presume-se “inilidivelmente”.

O pequeno lapso do Dr. Rangel é que nada disso se passa no “enriquecimento ilícito”. Se o “enriquecimento ilícito” for… ilícito, não estamos a falar de perigo nenhum. Estamos a falar de um dano que pode ter resultado de um crime de corrupção, de tráfico de influências, de tráfico de droga ou de outra actividade criminosa. Crime de perigo é que não há.

Mas para se provar que o enriquecimento é ilícito, não se pode inverter o ónus da prova, sob risco de inconstitucionalidade. Por isto, talvez não fosse má ideia o Dr. Rangel fazer uma revisão dos seus conhecimentos, para não perder debates jurídicos com um engenheiro.

6 comentários :

CS disse...

Excelente post. E o desespero por aquelas bandas é tal que estão deseperadamente agarrados a essa meta eleitoral de eleger Durão Barroso, porque não devem ter mais nenhuma vitória previsível.

E entretanto as intrigazinhas de Passos Coelho e Manuela vão agindo na descridibilização ainda maior do partido ao apresentarem propostas conflituantes:
http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/04/divisoes-do-psd-as-propostas-de-passos.html

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

«Não pode haver inversão do ónus da prova e tem de se respeitar a presunção de inocência, consagrada na Constituição.»

Falta aqui a expressão «regra geral», que faz toda a diferença. Não faltam casos específicos em que se pode e deve inverter o ónus da prova - desde logo aqueles em que essa inversão não afecta a presunção de inocência.

O princípio geral faz todo o sentido: o ónus da prova cabe a quem acusa porque provar uma negativa é geralmente difícil e numa sociedade civilizada não podemos correr o risco de condenar inocentes. Por isso, se o Miguel Abrantes for acusado de ter assassinado alguém, não se lhe pode exigir que prove não o ter feito.

O mesmo não se passa com o enriquecimento: se é lícito, essa licitude pode sempre ser provada. Logo, a sua ilicitude pode ser presumida sem que com isto se corra o risco - este, sim, inadmissível - de condenar um inocente.

A posição do PS nesta matéria é hipócrita: enche a boca com os grandes princípios, não para obter justiça, mas para perpetuar a injustiça. Mas não pense José Sócrates que passou despercebido aos cidadãos mais atentos o facto de nesta legislatura ter feito tudo para favorecer a corrupção e nada para a combater.

Paulo disse...

Este Dr. "Javali" Rangel deve ser um perigo ...à mesa.

ribeirinho disse...

Neste país plantado à beira mar inundado de especialistas para tudo o que se queira.É á vontade do freguês.

Por metro quadrado deve haver mais especialistas que em qualquer parte do mundo.É um fenomeno portugues.

Esta é a realidade nacional.

Um povo de especialistas que na sua maioria são autenticas nodoas obtusas que caiem no ridiculo, de incompetentes e corruptos. Aqui chegamos ao PSD, que representa bem todo essa gama de especialistas.

Anónimo disse...

No dia em que Rangel valer dinheiro, o homem vai para trocos.

Zé Boné

Anónimo disse...

O José Luiz Sarmento é que acertou na mouche. Sem tirar nem pôr, explicou claramente a vexata quaestio do ónus da prova que os politiqueiros que nos desgovernam se esforçam por desvirtuar para continuarem a enganar o Zé pagante e a encher os bolsos. Pelos vistos quem tem de rever urgentemente os seus conhecimentos jurídicos é o Miguel Abrantes que, de tão entretido que tem andado na propaganda, parece uma mula com palas que só o deixam ver em frente... Veja lá se não é você, que enche a boca com as lições de direito criminal que recebeu dos seus mestres, quem perde os debates jurídicos com um professor ( com diploma, não é como o outro...)
Provavelmente não aceita, mas mesmo assim aqui vai um conselho grátis: abra os olhos e veja o atoleiro a que os que tomaram o PS de assalto conduziram este país. Em corrupção, já chegámos ao Brasil!
Ass. Socialista que "jamé" voltará a votar no PS, pelo menos enquanto esta corja não for corrida. E como eu há muitos outros.