- “Face ao aumento brutal da dívida externa portuguesa, já não é a primeira vez que surgem vozes a advogar a descida dos salários nominais como forma de fazer a nossa economia ganhar de novo competitividade e poder vir a reentrar num caminho de crescimento sustentável do ponto de vista da balança de pagamentos (…).
Considero que a descida dos salários nominais, mesmo que fosse legalmente possível, seria uma má solução. Não só porque não resolveria o problema do desequilíbrio externo como porque iria provavelmente criar ou agravar outros desequilíbrios já existentes.
Em primeiro lugar, não seria solução. O problema básico da nossa economia, no que respeita às relações com o exterior, é que a nossa estrutura produtiva, devido em grande parte à adesão à moeda única, se especializou demasiado na produção de bens não transaccionáveis, já que a política de convergência nominal seguida para possibilitar a adesão tornou muito mais rendível a produção de bens não-transaccionáveis. E portanto o que há a fazer é dar incentivos que discriminem positivamente a produção de bens transaccionáveis e levem os empresários a investir na produção deste tipo de sectores, preterindo os não-transaccionáveis.
Ora uma redução geral de salários não iria fazer nada disto. As margens de lucro iriam aumentar para ambos os tipos de produção e portanto não haveria qualquer discriminação positiva para os transaccionáveis. Desta forma, os ganhos de competitividade que resultariam dos menores custos salariais seriam insuficientes, pois não seriam complementados pela obtenção de maior rendibilidade relativa dos sectores transaccionáveis face aos não-transaccionáveis.
Em segundo lugar, a descida dos salários poderia agravar ou criar novos desequilíbrios. Com efeito, dado o grande endividamento das famílias e das empresas, uma redução dos salários nominais iria provocar uma redução geral de preços que levaria as dívidas, em termos reais, a subirem e consequentemente a pôr em causa a solvência de muitas famílias e empresas (…).
Por outro lado, a redução dos salários iria originar também uma redução das receitas da Segurança Social, o que, ou faria surgir um saldo negativo no sistema, ou obrigaria a uma redução nominal das pensões de reforma. Dois caminhos que, pessoalmente, aconselharia a não trilhar.”
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