segunda-feira, outubro 25, 2010

Testemunho de um ex-primeiro-ministro (revisão da matéria dada)

            “Este é o tempo da Assembleia da República e dos partidos nela representados e o partido que apoia o Governo deve manifestar toda a abertura para analisar as propostas apresentadas pelos diferentes partidos. É isso que se espera”.

Ao ouvir esta declaração do Presidente da República, veio-me à memória o relato que Cavaco faz, na sua Autobiografia Política, dos tempos em que liderou um governo minoritário. Essas palavras já constam de um post do CC, com o título Testemunho de um ex-primeiro-ministro, valendo a pena reproduzi-lo de novo:




    A minha intuição dizia-me que uma atitude defensiva face aos obstáculos criados pela Assembleia da República não compensava. Procurava então contra-atacar e tornear as dificuldades criadas. Alertava o País e acusava a oposição de obstrução sistemática e de querer impedir o Governo de governar. A oposição, por seu lado, acusava o Governo de arrogância, de seguir a táctica de guerrilha com a Assembleia e de manipular a opinião pública contra ela. [...]

    Face à acção dos partidos visando descaracterizar o orçamento [...], o Governo procurou dramatizar a situação, convicto de que isso jogava a seu favor. A seguir ao “Telejornal” do dia 8 de Abril fiz uma comunicação ao País através da televisão. Denunciei as alterações introduzidas na proposta do orçamento apresentado pelo Governo, as quais se traduziam em despesas públicas desnecessárias, aumento do consumo e benefícios para grupos que não eram os mais desfavorecidos da sociedade portuguesa. Procurei mostrar aos Portugueses como era errado e socialmente injusto forçar o Governo a decretar do preço da gasolina, uma clara interferência da Assembleia na área da competência do Executivo, que ainda nunca antes tinha sido feita. Para tornear as dificuldades criadas e para os que objectivos de progresso propostos pelo Governo pudessem ser ainda alcançados, anunciei na televisão um conjunto de medidas compensatórias visando, principalmente, contrariar o excesso de despesa e de consumo induzido pelas alterações feitas pela oposição. O meu objectivo, ao falar ao País sobre o orçamento, era também o de passar a mensagem de que o Governo atribuía grande importância ao rigor na gestão dos dinheiros públicos.

    A mensagem de que a Assembleia obstruía sistematicamente a acção do Governo passou para a opinião pública. O Governo, sendo minoritário, surgia como a vítima e acumulava capital de queixa: queria resolver os problemas do País e a oposição não deixava. A oposição não percebeu que, tendo o Governo conseguido evidenciar uma forte dinâmica e eficácia na sua acção, a obstrução ao seu trabalho não a beneficiava. O PS revelava dificuldade em ultrapassar os ressentimentos pelo desaire sofrido nas eleições de Outubro de 1985 e o seu comportamento surgia-me como algo irracional. O Governo e o PSD procuravam tirar partido da situação e alertavam a opinião pública para as estranhas convergências entre o PS e o PCP na Assembleia da República.
      Aníbal Cavaco Silva, "Autobiografia Política. Vol. I" (Temas e Debates, 2002, pp.144-145)

1 comentário :

Anónimo disse...

Memória em: edição de 11/08, Público