• Manuel Pizarro, Transplantação em Portugal: um caso de sucesso [hoje no Público]:
- 'A transplantação de órgãos é uma actividade de profundo conteúdo humanístico e representa um enorme avanço da ciência médica.
A transplantação realiza-se com dois objectivos principais. Desde logo, para salvar vidas humanas, nos casos do coração, do fígado ou dos pulmões. Noutras situações, como acontece com o rim ou com o pâncreas, pretende-se melhorar, de forma radical, a qualidade e a duração da vida dessas pessoas.
No domínio da transplantação, Portugal é um caso de sucesso. Nos últimos anos, a colheita de órgãos aumentou de modo muito significativo. A par de Espanha, somos, desde 2009, o único país do mundo com mais de 30 dadores de órgãos por milhão de habitantes.
O número de transplantes de órgãos aumentou cerca de 50% entre 2006 e 2009, mantendo-se estável, desde então. Em 2010, foram realizados quase 900 transplantes de órgãos: 573 do rim, 245 do fígado, 50 do coração, 15 do pâncreas e dez dos pulmões. A lista de espera para transplante renal começou, finalmente, a descer em 2008 e essa tendência manteve-se nos anos seguintes.
Todas as comparações de qualidade indicam o sucesso do programa de transplantação português, com resultados comparáveis ou superiores aos dos restantes países desenvolvidos.
Neste contexto, é com surpresa e preocupação que se podem encarar as medidas mais recentes do Ministério da Saúde neste domínio.
Primeiro, foi a decisão de diminuir em 50% (!) os incentivos para a actividade de transplantação. Esses incentivos eram pagos aos hospitais e permitiam custear os elevados gastos em recursos humanos e técnicos que estão envolvidos. Todos percebemos que, face à situação financeira e orçamental do país, algum corte teria aqui que ser feito. Mas fica por explicar que, num cenário de redução entre os 5 e os 15% em vários sectores da saúde, a redução tenha sido muito superior nesta área específica.
Mais impressionante ainda foi a forma como o senhor ministro da Saúde se referiu a este problema, reconhecendo, sem aparente preocupação, que pode ocorrer uma diminuição do número de transplantes.
Regressemos ao essencial. Parte significativa da transplantação é realizada para salvar vidas. Quero acreditar que não são esses os casos em que a redução da actividade deixa o senhor ministro indiferente.
Resta, assim, a transplantação do rim. Mas, neste caso, há uma outra informação relevante: é que o transplante renal não só melhora a qualidade de vida, como, pasme-se, permite poupar recursos ao Serviço Nacional de Saúde.
De facto, numa primeira fase, há um custo acrescido com a transplantação do rim. Mas o rim transplantado tem uma sobrevida média de perto de 12 anos e a despesa inicial é compensada ao fim de cerca de três anos pela poupança conseguida no tratamento de substituição renal (hemodiálise ou diálise peritoneal).
É verdade que da redução dos incentivos e das declarações do Governo não resulta directamente a redução da transplantação em Portugal. Mas o risco existe e a perturbação causada ficou bem visível na digna demissão dos responsáveis da Autoridade dos Serviços de Sangue e Transplantação.
A importância da transplantação, para os doentes e para o país, exige outra ponderação e uma atitude de apoio bem diversa. Esperemos que seja essa a opção a prevalecer.'
1 comentário :
Fala quem sabe...e bem.
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