quinta-feira, janeiro 05, 2012

O passado recente da democracia portuguesa

Francisco Assis, Cavaco Silva e o precário equilíbrio da democracia [hoje no Público]:
    ‘Foi há nove meses apenas e, no entanto, parece que já passou uma eternidade. Aníbal Cavaco Silva transformou o momento da sua investidura presidencial no acto fundador de um novo ciclo político na vida nacional. Tudo se resumiu a um discurso proferido com solenidade e frieza. O seu conteúdo, de uma violência rara, não permitia a subsistência da mais leve dúvida - o Presidente da República não só deixara de confiar no Governo em funções como o nomeava publicamente como um objecto político pernicioso, que carecia de ser removido no mais curto espaço de tempo possível. Nas entrelinhas percebia-se uma animosidade inultrapassável em relação ao primeiro-ministro. Já dias antes, na hora da vitória, Cavaco trocara a celebração magnânima do sucesso pela proclamação irada do ajuste de contas. No Parlamento, no instante solene da tomada de posse, foi mais longe, afirmando-se como líder de oposição ao Governo do país. Aquelas palavras duras, secas, assassinas, não permitiam outra leitura. Passou a haver um antes e um depois.

    José Sócrates reagiu pacatamente, insinuando incompreensão das consequências de tão evidente declaração de guerra. Estou certo que compreendeu tudo, mas optou por colocar a a razão de Estado acima dos seus impulsos particulares. Este homem, agora tão impudicamente vilipendiado, soube, como poucos, permanecer acima dos acontecimentos sem tergiversar na obediência a uma ordem de prioridades que lhe parecia correcta. Por isso agiu dessa forma. Hoje estou convencido que fez mal. Dever-se-ia ter demitido nessa mesma noite, alegando a evidência daquela tarde. Não o fez pelas melhores razões institucionais, desvalorizando os pequenos cálculos eleitorais que são o horizonte de vida dos políticos medíocres. Nesta atitude houve uma grandeza que sobrelevará historicamente os pequenos gestos ofensivos em que se compraz uma certa miséria nacional. Não é isso que agora nos ocupa.

    Assumindo-se como chefe da oposição de facto, Cavaco condenava a oposição parlamentar à escolha entre o radicalismo ou a irrelevância. Pedro Passos Coelho, imbuído de um sentido de responsabilidade que deve ser lembrado, hesitou; o aparelho do PSD não teve dúvidas. Ao que consta, Marco António, não o romano, mas o de Gaia, assumiu-se como porta-voz de uma inquietação que mais não era do que a expressão do instinto de sobrevivência. A partir daí, o líder do PSD, sob pena de ser visto como um ser pusilânime e como tal imprestável para a função exercida, só tinha um caminho a seguir - derrubar o Governo. O que fez na primeira oportunidade que lhe surgiu, contando, aliás, com a prestimosa ajuda da extrema-esquerda parlamentar. Com a rejeição do PEC IV estava consumado o acto iniciado no dia da investidura do Presidente da República. Um discurso derrubou o Governo de Portugal. Outros tempos se seguiriam.’

7 comentários :

Anónimo disse...

Esta é a verdade, só a verdade e nada mais que a verdade.

praianorte disse...

A analise aos contecimentos decorridos tempos atras, estão na linha do meu pensamento e por isso não poderia deixar de estar de acordo.

Cavaco trouxe para a politica o pior lado do ser humano,a intriga, o odio e a ambição perniciosa. Sem ele Portugal estaria muito bem.

Anónimo disse...

as palavras da verdade são simples, como se constata. Assis sempre foi um modelo de serenidade, homem de convicções, defensor da honra dos amigos. Ao contrário de Seguro, que compactuou com tudo o que acima se escreveu.

Fernando Romano disse...

Aleluia! Aleluia! Aleluia!

Seja benvindo Dr. Francisco Assis!

Assim mesmo é que se enxofra. Já tardava.

O comportamento da malandragem nacional tem que ser desmascarado, todos os dias, para que não fiquem impunes.

O Presidente da República foi de uma hipocrisia medonha, mesmo anti-patriótica. Este homem tem sobre ele as maiores responsabilidades da tragédia que vivemos hoje, quando foi primeiro ministro e agora como Presidente da República.

Na sua "entourage" foresceram gangues de gatunos, novos-ricos com os dinheirames da UE, uma clientela insaciável, corrupção estruturada, conspiração contra a democracia e liberdade de imprensa.

O escândalo BPN devia levá-lo a demitir-se (pelo menos a não recandidatar-se) pelas ligações perigosas que mantém com essa gente sem escrúpulos.

José Sócrates foi erigido como inimigo principal de todas essas camarilhas, porque ele surpreendeu tudo e todos com o seu pragmatismo, com a sua ambição, com a sua política de esquerda (de esquerda sim senhor!), com a facilidade como se movimentava na política internacional - outra classe! -, com a rutura que tentou fazer com o Portugal dos pequeninos, o Portugal da caridade, o Portugal reacionário. E também com a qualidade ímpar de alguns dos seus ministros: o da Economia, da Ciência, as da Educação (grandes Mulheres!), também o das Finanças, o do Trabalho e Segurança Social, da Saúde.

Há uma conspiração avassaladora em marcha contra Portugal, os portugueses e a democracia e o P. da República está aí na primeira linha. Lembremo-nos das peripécias do email Presidência da República/jornal "Público"/J.M. Fernandes/F. Lima.

O PS não tem que ter vergonha dos últimos seis anos. Bem pelo contrário. AS bandeiras que empunhou nesse período devem continuar a ser desfraldadas, acompanhadas das justas acusações aos que trairam Portugal e os portugueses.

José Sócrates foi um Diamante na política portuguesa. É preciso dizê-lo e repeti-lo bem alto. Não devemos ter vergonha e cobardia de defender os nossos melhores. E ele foi o melhor!

Carlos Fonseca disse...

Francisco Assis pôs o dedo na ferida que constituiu o comportamento terrorista do sonso de Boliqueime.

Só falta agora agir em conformidade e subscrevendo a iniciativa dos seus camaradas de partido para que o Tribunal Constitucional fiscalize as inconstitucionalidades do Orçamento.

À palavra, deve seguir-se a acção.

Carlos Fonseca

Anónimo disse...

Sócrates foi sempre muito cordial com o Sr. Silva. Aquando da história das escutas em que o Presidente da República insinuava estar a ser 'espiado'pelo Governo , Sócrates amparou-lhe a queda. Mal, na minha modesta opinião. Cavaco devia ter sido obrigado a retratar-se e a provar tudo e , em seguida demitir-se.Depois, nos discursos de vitória e de tomada de posse, Cavaco voltou a atacar e, devia ter sido confrontado com a demissão do Governo e ter tido que enfrentar o FMI com os seus amigalhaços do PSD, banqueiros,'merceeiros, economistas, jornalistas, comentadores e outros. Este PR ficará para a História como um simples Sr. Silva ou , como o próprio afirmou, um "mísero professor".

José Neves disse...

De acordo: cavaco silva é o primeiro responsável pela actual situação do nosso país.
E uma coisa ainda vamos saber um dia, ou Sócrates escarrapachará um dia na cara do cavaco: é que o "desconfiado" de Boliqueme,de certeza conhecia todos os passos e diligências que Sócrates estava fazendo e dos acorddos conseguidos junto dos altos responsáveis europeus. Copntudo ele, o professor mais auto-convencido que existe, não podia deixar tamanho triunfo à conta de Sócrates. Os mediocres auto-convencidos não suportam ao lado quem os suplanta anos-luz.
E deste modo, o complexado e desconfiado cavaco, e um desconfiado é sempre facilmente "levado" por qualquer esperto lima,jmf ou outros iguais, tinha de "matar" a figura que emitia uma sombra milhentas vezes maior que a sua pequenez e miserabilismo moral e intelectual.
Certamente Sócrates teria pensado na sua demissaõ nesse dia de rancor, Soares também já o disse que devia ter-se demitido imediatamente.Ainda assim, nesse momento Sócrates foi grande e magnânimo pondo o interesse geral acima do seu próprio interesse político.
Cada dia que passa o povo, vai percebendo que com Sócrates e sem a troika o país estaria hoje muito melhor e passando por menores sacrifícios. São cada vez mais gente com responsabilidades diversas que aqui e ali vão, sem medo, afirmando e confirmando isso mesmo.
ocrates foi grande sombra que