- ‘O discurso que o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho proferiu na semana passada, na cerimónia do 40.º aniversário de uma empresa privada do sector educativo à qual esteve ligado profissionalmente, não teve como único efeito colocar a palavra "piegas" no léxico político. A sua intervenção, transmitida em directo na televisão como se se tratasse de um discurso de Estado, teve ainda o mérito de projectar o nome da Pedago a nível nacional, assim como o do seu fundador e os "do Ricardo e do Miguel", pessoas cuja notoriedade o primeiro-ministro julgou suficiente para não ter de as identificar de forma mais precisa.
O directo de 25 minutos na televisão nacional, com amplas referências elogiosas à empresa e evocações dos obstáculos maldosamente colocados à sua frente pelo Estado que teve de ultrapassar (não ocorreu a Passos Coelho que estava ali a representar precisamente o Estado), teve um impacto considerável na projecção do grupo: o Google encontra mais de duzentas referências à Pedago nas notícias publicadas em Portugal nos últimos dias e todas elas se referem a esta presença do PM.
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Mas a substância do discurso de Pedro Passos Coelho também merece um comentário. Para o PM, o país é como uma escola e a escola é um modelo do que o país devia ser. Uma escola exigente, à antiga, uma escola que não existe para educar mas para ensinar, com um mestre-escola à frente, uma cartilha debaixo do braço e os alunos de bibe atrás. Da janela do alto, o director espreita. O mestre-escola exorta os alunos: "Estão a olhar para nós, dêem o vosso melhor". Na alegoria de PPC os cidadãos são os alunos e os bravos dirigentes do PSD são os seus professores. Os alunos (nós) estamos habituados a preguiçar e a ser tratados com benevolência ("os alunos, coitadinhos, sofrem tanto para aprender") mas o Governo, com firmeza e exigência, com justiça mas com a intransigência de um pai disciplinador, vai habituar-nos a trabalhar e vai ajudar-nos a cumprir o nosso destino, sem tergiversações. Há outros personagens neste sonho freudiano: há uns que querem ficar agarrados ao passado, que se andam sempre a lamentar, que não fazem mas fazem de conta que fazem; outros que nos querem atirar ao chão e há, finalmente, uma figura paterna, na sombra, a quem temos de mostrar que somos responsáveis, que somos trabalhadores, empreendedores. "Se queremos que olhem para nós com respeito, temos de olhar para nós próprios com respeito". Há por todo o lado olhares severos que nos julgam, que julgam Pedro Passos Coelho. Há em todo o discurso de Pedro Passos Coelho um adolescente nas suas primeiras calças compridas, apostado em mostrar que já é crescido, que se vai portar bem, que vai tomar conta dos irmãos, que vai suportar os rigores da responsabilidade, que não vai ser piegas, que não vai ceder, que vai seguir à risca o seu modelo, que vai ser um pai severo perseverante.
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Um ponto positivo sobre o homem que se senta na cadeira de S. Bento: se Passos Coelho aponta um único caminho, sem estados de alma, sem grande consideração pelas queixas e contestações, piegas todas, não me parece que o faça por querer esmagar as alternativas. Penso que sinceramente não as vê. Todo o seu ser se concentra em mostrar que merece aquelas calças compridas.’
2 comentários :
Muito bem escrito. Parabéns.
Pior que um PM mentiroso é um PM fanático.
O mentiroso sabe que está a mentir e percebe que por vezes a realidade o ultrapassa e terá de arrepiar caminho.
O fanático é pura e simplesmente cego.
Portugal está condenado ao fracasso com este governo.Por mais força e vontade que o dito ponha no programa que quer cumprir, a realidade não se molda ás vontades nem pactua com alienados.
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