domingo, setembro 09, 2012

O pensamento liberal e "pós-moderno" sobre a televisão pública

• Estrela Serrano, O pensamento liberal e "pós-moderno" sobre a televisão pública [hoje no Público]:
    ‘É pública e notória a inexistência de um pensamento estruturado e coerente por parte do Governo sobre o serviço público de rádio e televisão, como, aliás, se prova pelas sucessivas declarações do primeiro-ministro e do ministro Miguel Relvas quando afirmam, o primeiro, que é preciso saber o que se entende por serviço público de televisão e o segundo, que é preciso aprofundar o conceito. Também as declarações do consultor do Governo para as privatizações, António Borges, revelam a mesma ignorância, com a agravante de ter sido ele a anunciar a concessão do serviço público de televisão a privados como o modelo mais "vantajoso" do ponto de vista das suas contas de merceeiro.

    O debate sobre a televisão pública centra-se, entre nós, essencialmente nos seus custos, alegadamente excessivos, sendo esta a questão que mais claramente separa os que estão contra a existência do serviço público de televisão ou, os mais radicais, contra a sua prestação pelo Estado, e os que defendem que ele deve ser prestado pelo Estado através de uma empresa de capitais públicos. Mas o argumento dos custos do serviço público é uma cortina de fumo que esconde opções ideológicas não assumidas e por isso nunca discutidas. Quem está de boa-fé sabe que a RTP está em vias de sanear as suas finanças e tornar-se auto-sustentável, financiada, como as suas congéneres europeias, por uma contribuição paga pelos cidadãos. O que inspira os detractores do serviço público são, pois, questões meramente ideológicas, vagamente inspiradas no pensamento liberal e "pós-moderno", porém sem reflexão e coerência.

    O pensamento liberal e "pós-moderno" sobre a televisão pública, subjacente às posições de defensores da privatização ou da concessão do serviço público, assenta em algumas premissas: a primeira baseia-se no argumento de que os consumidores podem, hoje em dia, organizar e programar o que pretendem ver e ouvir, não se justificando qualquer intervenção do Estado na televisão; a segunda, ao contrário do modelo de televisão pública europeu que valoriza determinados produtos culturais, os quais devem ser protegidos, apoiados e regulados pelo Estado, defende que esses julgamentos são baseados em critérios tradicionais de gosto e de hierarquias culturais que já não têm validade, não existindo justificação plausível para que alguns produtos culturais continuem a ser apoiados. Decorre desta premissa que, não existindo hierarquia de valores, não há razão para não dar ao público o que ele quer, pelo que não existe qualquer justificação para que algumas empresas de televisão tenham apoio do Estado e outras não.

    A visão liberal e "pós-moderna" da televisão pública representa um salto ideológico que questiona valores e fundamentos do modelo de televisão pública tal como o conhecemos na Europa e implica a perda total de apoio por parte do Estado. É uma visão que defende o consumismo sem "zonas" protegidas da procura do lucro como único objectivo. A fronteira tradicional entre "arte e cultura" e comércio desaparece, dando lugar a formas de expressão comercial da cultura. Trata-se de uma visão do sistema televisivo que torna ainda mais clara a importância da manutenção de "espaços" públicos preservados da procura desenfreada de lucro, onde possam ter acolhimento conteúdos e obras criativas não exclusivamente orientados para o mercado.’

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