• Miguel Sousa Tavares, Sinais de deriva [hoje no Expresso]:
- ‘Para os gurus liberais que nos governam, menos Estado significa desfazer-se de tudo o que pode implicar no futuro a existência de uma política económica que não seja apenas ditada pelo que eles chamam a livre concorrência. Foi assim que o BPN foi privatizado com o Estado a pagar, em lugar de receber que a fatia pública da Cimpor foi privatizada, com prejuízo; que a ANA e a TAP vão ser descartadas a preço de saldo; que a construção naval vai acabar com a liquidação sumária dos Estaleiros de Viana, por onde não passa a tão apregoada “aposta no mar”. Foi para tornar o Estado inoperante em sectores estratégicos que, ao contrário do que fazem países como a França ou a Alemanha, o Governo se apressou a desfazer-se das golden shares que lhes restavam e assiste de braços cruzados à óbvia cartelização das petrolíferas e ao abuso de poder da EDP, aliás subsidiada à socapa. E é por isso que avança na privatização de sectores que, nem sequer sendo deficitários, prestam serviços públicos essenciais, que a mais elementar prudência recomendaria que não fossem privatizados ou concessionados em regime de monopólio, como são os correios e a água. E é por isso, enfim, que o Governo acaba de se atolar no pântano da privatização da RTP, cujo interesse público escapa a todos e onde apenas é claro o interesse particular do Governo em seguir avante: tudo o resto é uma trapalhada absoluta, com cenários alternativos que se contradizem uns aos outros, sucessivos grupos de trabalho e consultores contratados, cujo único resultado é demonstrar a sua total ignorância sobre o que seja um serviço público de televisão e o próprio mercado do audiovisual português e a sua absoluta impreparação e incompetência para se ocupar do assunto. Pudemos assim assistir, estarrecidos, à lição de cátedra do liberal Borges propondo, sem vergonha, oferecer uma estação e um canal público a um qualquer amigo privado e ainda lhe dar 140 milhões por ano. Privatização? Reajustamento? Poupança? Não, apenas despudor. O fundamentalismo ideológico que determina a política seguida não reconhece qualquer razão de interesse público e já nem sequer se sustenta na racionalidade económica. É por isso que o Governo foi tão lesto a reduzir os contratos de trabalho e a sua protecção jurídica a quase nada, como se ter trabalho fosse um privilégio em si mesmo, mas não ousa encarar de frente o poder da EDP — nem para defender os consumidores nem para diminuir os custos de produção das empresas.
A querida troika veio encontrar uma execução orçamental em que nenhuma das célebres reformas prometidas e esperadas avançou (eu rio-me da ignorância deles quando oiço os alemães dizer que Portugal não tem outro caminho senão continuar com as reformas). Em que a dívida pública aumentou e o défice estabelecido para este ano nem por intervenção divina será cumprido. Em que 300.000 pessoas perderam o emprego e dezenas de milhares de empresas faliram e muitas mais vão falir porque a banca não empresta um tostão a ninguém — e até o mais assanhado esquerdista sabe que, sem crédito, não há economia que possa funcionar. Em que 19 das 20 empresas do PSI-20 se mudaram para melhores residências fiscais e os que ficaram estão a ser exterminados por um governo ‘liberal’ que tornou tão insustentável a carga fiscal que em lugar de recolher mais dinheiro o perdeu. E em que, finalmente, toda a poupança na despesa pública foi conseguida com cortes de salários, mantendo intacta a superstrutura que arruína o país e os maus hábitos de proteger com dinheiros públicos os amigos do costume.
Um ano e meio decorrido, depois de ter aceitado os sacrifícios impostos com uma resiliência que todos reconhecem, os portugueses têm o direito de esperar que o Governo e a troika lhes digam o que correu mal e porquê, e o que vai ser mudado ou revisto. E não adianta virem com desculpas sobre a conjuntura externa, porque esta é a mesma maioria que não aceitava essa explicação ao governo anterior. Não adianta virem dizer que a situação era bem pior do que esperavam, pois que nos juraram que conheciam bem a situação e estavam preparados para governar (e ainda esperamos provado “desvio colossal”...). Supondo que, quer o Governo quer a troika, não tenham a humildade de reconhecer que falharam no diagnóstico e na solução, é de esperar, pelo menos, que não venham, simplesmente, propor-nos mais do mesmo. Estamos pobres e descrentes, todavia ainda não estúpidos de todo.’
4 comentários :
MST à liderança do PS já.
Tudo isto já deveria ter sido dito por Seguro! será que ainda está de férias ou a amizade que tem por Passos lhe manieta a língua?
O Seguro é muito simpático...mas isto não vai com simpatias, porra.
o PS tem de mudar de estrategia, isto é ,de liderança.
O Seguro, não pode fazer o papel de Troca o Passo junto da Angela - e é que faz junto daqueles que vão ao pote de merda
Nem o Pai morre nem a gente almoça de sopas de cavalo cansado.
Valha-me Deus, estamos no bom caminho a 20% de desemprego
Doa a quem doer e fogo à peça
Gosto de MST também pela sua frontalidade e independência de pensamento.
Excelente texto de opinião!
Muitos nem imaginam a coragem que é preciso ter nestes dias que vivemos para escrever artigos como este de MIguel Sousa Tavares. Pode até não ser uma questão de coragem, apenas uma questão de caráter, de formação e identificação com o coletivo nacional. Não vou felicitá-lo, o que até parecia mal. É a sua obrigação.
Mas há quem a não cumpra e ande por aí em reuniões a dois, esquivando-se a qualquer acompanhamento, para poder melhor manobrar o partido e a opinião pública, num esoterismo cabalístico saloio e anti-democrático, como se haja neste momento alguma coisa sobre o nosso País e o nosso povo que deva ser escondido...
Há por aí muita gente que deve meter na sua cabeça que só lhes resta demitir-se, como única saída honrosa, por respeito pelos portugueses. A necessidade impõe urgência!
-Este governo.
-O líder do maior partido da oposição.
-O líder do CDS-PP
Num momento difícil e de aguda controvérsia política, um ex-Primeiro Ministro demitiu-se para evitar "que o País caísse num pântano" - suas palavras.
Com esta gente Portugal aprofunda a tragédia. E não pensem estes agentes sobre os quais recaem responsabilidades, que são dignos de compaixão porque se enganaram, porque cometeram o crime por desconhecimento. Eles sabiam bem o que esteve em jogo com o PEC IV, e conheciam de ginjeira a situação que adviria da sua recusa. Eles conheciam bem a natureza da crise e suas consequências.
Os outros partidos não mencionados estão embriagados e feridos de tantas traições; do interior desses partidos, ninguém espere nada de novo.
Eles já não pensam no povo. Eles estão acagaçados com a tarefa que têm em mãos - exige inteligência, competência e que se curvem perante o povo. Eles estão noutra.
No Presidente da República nem é bom falar: temos ali um imbróglio do caraças!
Continuo a dizer: É IMPERIOSO REGRESSAR ÀS ALAMEDAS DE PORTUGAL. E há um partido a quem cabe essa tarefa. Um dia destes o povo sai à rua e não sabemos quem está à cabeça.
A democracia está à rasca. E sem democracia não venceremos a crise.
É preciso defender a democracia, aprofundá-la. Mais democracia, sempre mais democracia! E ela reforça-se também na rua!
Estamos a assistir ao contrário.
(mais um desabafo...)
Enviar um comentário