sábado, dezembro 23, 2006

A palavra aos leitores – Ainda o anacrónico parecer do sindicato dos juízes [2]

Outro leitor escreve o seguinte comentário a propósito do parecer subscrito pelos juízes José Mouraz Lopes e Pedro Soares de Albergaria:

    “Devo dizer que a mim tanto me dá que os gays sejam ou não contemplados na dita norma (que, suspeito, nunca foi lida pelo abrantes). O que me surpreende é descobrir no nosso abrantes um Rawls ou um Dworkin. Então, supõe o nosso abrantes que até 2004 era constitucional a discriminação em função da orientação sexual? E supõe que pelo facto de um valor ser protegido pela Constituição daí decorre, necessariamente, a criminalização do comportamento que o viole? E supõe ainda que, como o alarido agora verificado, se a norma em causa fosse inconstitucional, sendo vigente há 24 anos, nunca a questão tenha sido suscitada?
    Como se vê, o nosso arrogante e atrevido abrantes (e bem assim a sedenta alcateia que o persegue, qual macho alfa) supõe erradamente muitas coisas. Por isso, talvez não fosse má ideia guardar o neurónio para questões mais simples, do tipo correcção bem humorada (mas nem por isso menos mesquinha) de erros ortográficos.
    Boas festas e desejo-lhe que o Pai Natal lhe ofereça um daqueles livros tipo "Aprenda os Seus Direitos em 10 Lições".
    Abraço,
    PS: Claro que agora, você ou algum da tribo, me pode arrasar qualificando-me como magistrado.”


Caro Anónimo:

Nada me move contra os magistrados. Ser magistrado o autor deste comentário não o desqualifica. O que o desqualifica é a ignorância jurídica.

Até 1982, eram mais do que muitas as discriminações sexuais no Código Penal. O estupro e a violação, por exemplo, só poderiam ser cometidos contra mulheres. Todos estes crimes eram vistos como crimes contra a moral e não crimes contra a liberdade.

Com o Código de 1982, verificou-se um progresso. Com o Código de 1995, eliminaram-se quase todas as discriminações. Mas mantiveram-se algumas. Por exemplo, aquela que distingue os actos heterossexuais dos actos homossexuais com adolescentes (apenas se exigindo o abuso de inexperiência nestes últimos — cf. artigos 174.º e 175.º do Código Penal).

O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre isto e considerou a discriminação inconstitucional. A ideia de que não ter havido um julgamento de inconstitucionalidade sobre outros crimes prova que tudo está bem é, desculpe a franqueza, sobretudo se V. for magistrado, tola.

Se uma norma do Código Penal fixar um crime de violência doméstica que apenas abranja as uniões de facto heterossexuais, haverá uma inconstitucionalidade por omissão. Esta questão, se calhar, nunca foi colocada, mas aposto consigo, se quiser quebrar o anonimato, que se um dia o for se concluirá pela inconstitucionalidade.

E, para finalizar, pergunto-lhe como anónimo (e ao Juiz Pedro Soares de Albergaria, que o pode ajudar nesse passo difícil): apresente um só argumento a favor da sua posição extraído do Direito Constitucional, para me convencer de que pode haver uma menor protecção das uniões de facto homossexuais no Código Penal.

PS — Não seja mesquinho, partilhe a sua ciência com os leitores do CC. Eu, ao contrário do que o meu caro magistrado diz, sou tudo menos mesquinho. Tenho a certeza de que, graças à minha lição gratuita, o Juiz Albergaria nunca mais se esquecerá do significado das palavras “destorcido” e “distorcido”. Portanto, em vez de mostrar rancor, deveria estar-me grato. Mas eu já estou habituado à ingratidão. É o que acontece a quem faz bem sem olhar a quem.

10 comentários :

o sibilo da serpente disse...

Caro Miguel Abrantes, desejo-lhe um Bom Natal. Um abraço ido do Porto do cr

Anónimo disse...

Quer queiram quer não, o Miguel é um bulldozer. Boas-Festas Miguel!

Cleopatra disse...

Qdo é que eu posso vir aqui serenamente, numa postagem a isso destinada, desejar um bom Natal, retribuindo assim a simpatia que me fez????

Anónimo disse...

Aqui venho, sempre com a vontade de aprender com quem sabe, não me custa nada admitir que sou um zero neste emaranhado de leis.

Boa consoada para o Miguel e para todos aqueles que aqui postam.

Por mim, vou estar com a familia, num natal catolico, é o que se chama tolerancia

ZeBonéoaparvalhado

Paulo Cunha Porto disse...

Gostaria de desejar a Esta Casa e aos Respectivos familiares um Mais do que Feliz Natal.

Anónimo disse...

Arrasador!

Dogofilo disse...

Bem zurzido! Bem dito!
Mas hoje é um dia de paz. Por isso aqui ficam os meus votos de um Feliz Natal na companhia dos seus.

Anónimo disse...

Meu caro Miguel Abrantes, quero daqui tão perto, desejar-lhe um Natal cheio de boas prendas e que não esmoreça na luta contra o despotismo que reina na nossa justiça.
Um abraço
kavako

Anónimo disse...

O nosso Rawls continua imparável. Como devia saber, um dos hábitos que mais tolda o raciocínio é o de ler apenas aquilo que se quer ouvir. Agora apresenta como paradigma das suas certezas a decisão do TC se debruçou sobre a constitucionalidade dos artigos 174.º e 175.º do CP. Por isso, para abalar um pouco essas certezas (coisa em que não confio demasiado), recomendo-lhe a leitura de "Abuso Sexual de Menores" (Coimbra Editora, 2005), de António Araújo. É um livrinho de mais de 300 páginas onde, de forma fundamentada, se coloca em causa aquela decisão. E talvez seja a única obra que versa exclusivamente uma decisão do TC.
Não é meu hábito escrever em blogues e muito menos na Véspera da Noite de Natal, mas estava receoso de que não estivesse em tempo de sugerir-lhe que encomendasse mais esta obra ao Pai Natal. É sempre melhor que aprender Direito Constitucional através da "Caras" ou da "Maria".
Um abraço, Bom Natal e amigos como sempre.

Miguel Abrantes disse...

Agradeço e retribuo as Boas Festas.