segunda-feira, julho 28, 2008

Segredo de justiça e outras histórias

No país em que a Inquisição durou até mais tarde, não é de estranhar que as propostas de Cravinho sejam acolhidas tão calorosamente. Em que assenta o êxito destas propostas? Eu acho que assentam em três pilares essenciais:
    1.º Entende Cravinho que é decisivo criar um crime de riqueza inexplicável para punir a corrupção;
    2.º Entende também Cravinho que, nos casos de corrupção, o segredo de justiça deveria durar para sempre e, se calhar, não deveria haver prescrição nunca;
    3.º Entende, finalmente, Cravinho que os políticos são especialmente suspeitos e que nunca se pode presumir a sua honestidade.
Quanto ao primeiro pilar, importa perceber que o tal crime de riqueza inexplicável constitui um sofisma para tornear as dificuldades da investigação e da prova. Não duvido de que alguns corruptos fossem punidos dessa forma indirecta, mas estou certo de que à mistura seriam também punidos alguns inocentes.

Imagine-se que, para ultrapassar as dificuldades do caso Maddie, se puniriam os pais pelo crime do desaparecimento inexplicável. Deixaria de ser necessário provar o homicídio e todos ficávamos contentes por a culpa não morrer solteira.

Relativamente ao segundo pilar, importa lembrar que os prazos do “segredo interno”, ao fim dos quais as partes podem consultar o processo, são uma garantia de que este não se converte numa perseguição arbitrária.

Além disso, os prazos para a criminalidade complexa, que inclui a corrupção, podem ser prorrogados. O que não se admite é que, à boa maneira da Inquisição, o processo se arraste ilimitadamente, sem o arguido saber de que é acusado e como se pode defender.

Em relação ao terceiro pilar, Cravinho mostra bem o que pensa, ao criticar o presidente do Tribunal de Contas por dirigir uma comissão especialmente criada para o combate à corrupção. Afirma que fazem parte de tal comissão inspectores-gerais que estão na dependência do Governo. Admita-se que, por isso, essa comissão claudicava: há alguma norma que impeça o Tribunal de Contas de tomar em mãos a tarefa de apurar os factos?

5 comentários :

Luis M. Jorge disse...

Que engraçado, Miguel, você não tocou nas questões fundamentais colocadas pela entrevista de Cravinho:

- Uma comissão governamental pode ter membros do tribunal de contas sem afectar a independência destes? Será que o governo se pode colocar fora do âmbito de acção da autoridade que cria para combater a corrupção (supondo que a criaram para isso)?
- não é um pouco estranho (para não dizer vergonhoso) que a obrigatoriedade de registo das procurações irrevogáveis atinja apenas os imóveis? então os corruptos só se deixam corromper por vivendas e apartamentos, é?
- não acha esquisito (para não dizer ridículo) que a tal comissão não tenha ninguém a trabalhar a tempo inteiro ou parcial, e que fique obrigada a recrutar os seus "combatentes contra a corrupção" na bolsa de mobilidade da função pública?

Finalmente, não acha um bocadinho rasca que o PS, em vez de responder directamente às questões colocadas por Cravinho tivesse posto a mãozinha na anca e preferisse a conversa barata de "não receber lições de ninguém?"

O que é que se passa Miguel? Também lhe apetece desconversar?

Anónimo disse...

Cravinho ficou amnesio do seu passado, depois de ir pata o bird.
Até então, o que fez e propos para acabar (?) com a corrupção. Paliativos srs.. Como governante e deputado que medidas tomou? ZERO.
E vai daí, descobre que o país está repleto de corruptos.
Seria mais honesto da parte dele,denunciar os nomes de pessoas e instituições que utilizam a corrupção. à que chamar os bois pelo nome e não meras opiniões de esplanada.

Anónimo disse...

No tempo em que Portugal tinha muito dinheiro


Arquivo Municipal de Lisboa)
Nesse tempo o país nadava em divisas, não se sabia o que era o défice comercial, as contas públicas tinham sido postas na ordem e o Estado amealhava dinheiro. Esse tempo foi á muito, muito tempo.

Que saudades que temos todos desse tempo de fartura e transparência das contas públicas, quando os reembolsos do IVA e do IRS era feito a tempo e horas, sem retenções abusivas para compor os défices orçamentais a apresentar a Bruxelas. Era um tempo em que João Cravinho nem se preocupava muito com a corrupção, António Borges, que migrou no sentido inverso ao de Cravinho, vivia tranquilamente em Londres, sem ter que se preocupar com o buraco nas trocas comerciais ou com o endividamento dos portugueses, que nem sabiam o que era o cartão Visa ou o crédito bancário, até tinham dificuldades em gastar o dinheiro.

Era um tempo em que Portugal tinha dinheiro para pagar submarinos a pronto, Ferreira Leite, a senhora que em boa hora foi escolhida para ministra das Finanças desse tempo, nem pestanejou ao assegurar que havia dinheiro com fartura para que os nossos almirantes pudessem andar debaixo de água. Manuela Ferreira Leite estava tranquila, os submarinos seriam pagos a pronto, não comprometeriam as contas de futuros governos e, portanto, nem era necessário pedir a opinião do partido que poderia suceder no governo. Aliás, nesse tempo as sondagens não eram fiáveis e portanto nada apontava para uma alternância.

A fartura era tanto que o governo juntou-se em Óbidos para anunciar uma chuva de investimentos na investigação, aliás, o dinheiro era tanto que ainda neste verão caíram uns aguaceiros de euros em Lisboa.

Era mesmo um tempo de fartura, um tempo em que o Aznar chegava de manhã e à tarde já Ferreira Leite tinha posto de lado o dinheiro necessário para construir um TGV em cada canto e outro a passar pelo meio, com destino a Badajoz. E nem pestanejou, havia dinheiro com fartura, o TYV era um negócio fiável e como havia dinheiro com fartura nem os candidatos à sucessão de Barroso poderiam estar descansados pois não teriam que suportar a fartura.

Era um tempo de fartura, mas foi à tanto tempo que nem a própria Ferreira Leite se lembra e António Borges andava tão ocupado com as contas e os prémios da Goldman Sachs que nem deu por isso.

Miguel Abrantes disse...

Luís, não, não me apetece desconversar. Tomei boa nota das suas considerações. Há diversos aspectos em que Cravinho, que é engenheiro e não jurista, não tem razão nenhuma. Em todo o caso, eu não teria dado a resposta que Alberto Martins deu.
Voltarei ao assunto.

Luis M. Jorge disse...

Miguel, o problema do PS com o combate à corrupção é semelhante ao problema de uma noiva com um casamento arranjado: o pai insistiu, a mãe aprovou, a boda foi rica e agora lá está ela, metida na cama com um barrigudo que nunca viu antes, trinta e cinco anos mais velho.

Albertp Martins é a noiva.

E tal como aquela rapariga nunca quis casar com aquele homem, o Governo e o grupo parlamentar do Partido Socialista nunca quiseram fazer o que quer que fosse para combater os crimes económicos. O problema é só esse Miguel: não querem. Não lhes apetece. Não estão para aí virados. Não gostam da ideia. Aquilo incomoda as pessoas. É chato.

Não sabemos bem porque é que isso acontece — mas podemos sempre começar a imaginar, não acha? Os eleitores adoram imaginar coisas.