Uma sombra da SEDES

A SEDES não é uma organização sem passado como outras que por aí se vêem. A SEDES está ligada ao advento da democracia em Portugal. A SEDES tem uma história e, por isso, menos se pode aceitar que se refira às próximas eleições legislativas como a “sombra das eleições”, essa auscultação do povo que parece atrapalhar a nossa elite bem pensante.

Mas não é apenas esta inadmissível forma de se referir às eleições que envergonha e mancha a história desta associação de reflexão política. Com efeito, as duas mais recentes “tomadas de posição”, a de final de Fevereiro e a de ontem, revelam uma superficialidade e uma falta de consistência inesperadas.

Quatro meses chegaram para a SEDES dar uma pirueta de 180.º: onde, em finais de Fevereiro, encontrava insensibilidade social, descobre agora cedências por motivos eleitorais.

A SEDES tem um problema bicudo para resolver: revelar aos portugueses o que é. Se pretende representar certos interesses, está no seu direito, mas não deve, então, vender gato por lebre; se quer ser, de facto, uma “organização cívica” que produza estudos sobre o país, deve, nesse caso, fazê-lo com base na evidência empírica — e não através de palpites avulsos, que se assemelham a conversas de café.

Em todo o caso, vale a pena olhar de perto para algumas das conjecturas da mais recente “tomada de posição” da SEDES:

1. Sustenta o documento: “A aproximação das eleições de 2009 — europeias, legislativas e autárquicas — tem tido consequências claras e visíveis na vida política portuguesa.”

Qualquer desmancha-prazeres poderia ter lembrado a Campos e Cunha que este governo, que a SEDES reconhece ter tido a coragem de fazer reformas, também enfrentou eleições autárquicas em Dezembro 2005 e um candidato apoiado pelo PS concorreu às presidenciais.

2. “O Governo, após três anos de esforços de estabilização orçamental e de várias reformas que exigiram coragem política, dá agora sinais de preocupação com o calendário eleitoral em detrimento da administração do País. São disso exemplos a declaração do fim da crise orçamental, a ênfase nos investimentos públicos de grande dimensão, a cedência à agitação social e as recentes baixas de impostos.”

Como acontece em regra nas conversas de café, esta também é apimentada por umas quantas falsidades:

• Não foi o Governo mas a Comissão Europeia que reconheceu que Portugal saiu do procedimento de défice excessivo;
• Logo no início do mandato, o Governo anunciou o Programa de Investimentos em Infra-estruturas Prioritárias, sendo, em rigor, a única novidade ter chegado a hora de, feitos os estudos, lançar mãos à obra;
• Não há qualquer cedência à agitação social, tendo, pelo contrário, havido abertura para negociações na concertação social;
• Sempre foi assumido que o aumento do IVA era uma medida transitória.

3. “No maior partido da oposição poder-se-á ter iniciado um ciclo de estabilidade, condição necessária para a afirmação de uma alternativa credível.”

Estranha-se que a SEDES procure dar mais credibilidade a uma liderança que ainda não apresentou uma ideia (e que ganhou com 37 por cento) do que a lideranças que tiveram meses e anos de trabalho político e foram eleitas com mais de 50 por cento dos votos nos órgãos próprios do PSD. Afigura-se haver algum preconceito em relação às lideranças do PSD.

4. “A inversão do ciclo de boa-vontade face ao Governo, experimentado na primeira parte do mandato, poderá ser irreversível, a crer nos indicadores disponíveis.”

Convém recordar que nunca houve um ciclo de boa vontade com o Governo. As manifestações começaram no primeiro dia e foram exactamente motivadas pelas medidas de reforma estrutural instituídas. Mas, se a SEDES fala de sondagens, então há que referir que o PS continua com 40 por cento das intenções de voto.

5. “O recente bloqueio das estradas por parte de camionistas e empresas de camionagem, e as suas consequências, foi um pequeno exemplo dessa possível crise. Mas sobretudo, o bloqueio tornou evidentes fragilidades do Estado de que os cidadãos não tinham consciência: a incapacidade para prever, prevenir e reagir perante situações de crise e acções ilegais de alteração da ordem pública.”

É verdade que o bloqueio pôs em evidência algumas vulnerabilidades, como Sócrates reconheceu. Mas é bom recordar que os problemas foram resolvidos mais rapidamente e com menos tensão do que nos restantes países.

6. “A componente de cuidados continuados (e paliativos), após um impulso adicional, não dá ainda resposta cabal às necessidades das populações.”

Pois, é necessário aumentar os investimentos públicos. Estão previstas verbas no QREN para que as IPSS construam equipamentos de cuidados continuados — assim o PSD e a SEDES não se oponham.

7. “O sector público [Serviço Nacional de Saúde] manifesta uma crónica incapacidade de concluir as transformações que inicia.”

Não se percebe exactamente qual a preocupação no sector da saúde. Em todo o caso, não há uma palavra para a mudança no Hospital Amadora-Sintra nem para os novos hospitais lançados (nomeadamente Algarve e Todos-os-Santos).

8. “Este Governo iniciou um conjunto de reformas difíceis e urgentes: fecho de escolas com poucos alunos, introdução do inglês como língua obrigatória desde o início da escolaridade, estabilização do corpo docente, controle de custos, avaliação de desempenho dos docentes, envolvimento das autarquias e dos País na gestão das escolas, etc.

Embora a titular da pasta se tenha mantido, nota-se uma perda de fôlego relativamente aos primeiros tempos, com as últimas reformas a aparentar não terem passado de intenções. A confirmar-se, o espectro continuará presente e o fosso agravar-se-á.”

Também na Educação não se percebe qual é a crítica. "Falta de fôlego da ministra"?! Em vez de apreciações subjectivas, poder-se-ia ter falado das Novas Oportunidades, acção social escolar, nova rede de escolas, equipamentos escolares renovados, redução dos custos, aumento do número de alunos, ensino profissional e técnico, avaliação dos professores, nova gestão das escolas, etc..

9. “A reforma das leis laborais peca, pois, por ser tímida e pouco relevante no contexto dos problemas nacionais, apesar de apontar no rumo certo. Salienta-se ainda, como positivo, o facto de ter havido um acordo no contexto da Concertação Social.”

A questão é: há seis meses alguém esperaria que o Governo se lançasse na revisão do Código Laboral? Quem apostaria que seria possível chagar a um acordo na Concertação Social em Junho, com flexibilização das regras e forte penalização da precariedade?

Conclusão: percebe-se que havia uma mensagem para passar mas os factos invocados e os argumentos aduzidos são superficiais, parciais e pouco esclarecedores. A SEDES apanha a espuma dos dias, mas em nada contribui para uma discussão séria da situação do país. A sua história exigiria mais do que uma conversa de café.