Diogo Belford Henriques (e Isabel Moreira, ao fazer sua a argumentação do “meu Diogo”) omite que o aspecto mais relevante no meu post não eram as palavras do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, mas o comunicado do Conselho Superior de Defesa Nacional, presidido pelo Presidente da República, no qual explicitamente se faz alusão à criação de uma “célula de informações” no Afeganistão.
Numa notável entrevista que aparentemente saiu pela culatra à SIC-N (a avaliar pelas palavras iniciais de Ana Lourenço), José Vegar explicou por que entendia que a reacção de certos sectores era absurda (já que o ministro havia colocado a questão “em termos abstractos”) e até acrescentou que, vivendo agora nós em democracia, lhe parecia salutar a forma transparente de manter informados os cidadãos.
Mas talvez a questão só se tenha colocado por um “tão lamentável desconhecimento” do que são e do que fazem os “espiões”, como hoje salienta o General Loureiro dos Santos no Público. Ao lê-lo, fica-se com a convicção de que a ressurreição de Margaretha Geertruida Zelle não estará para breve:
- ‘(…) Em primeiro lugar, convém esclarecer que um espião, segundo o dicionário da Academia, "é a pessoa paga por um governo para investigar e descobrir os actos políticos de uma potência, de um governo, de agentes políticos, de um campo inimigo, sem que estes suspeitem disso". A natureza secreta da actuação é aquilo que caracteriza o espião, conforme, aliás, o insuspeito dicionário Houaiss confirma, pelo uso dos advérbios "secretamente" e "clandestinamente". É o que se passa actualmente com alguns dos agentes de informações dos serviços de informações não-militares (SIS e SIEDM), semelhante, aliás, ao que ocorre nos serviços homólogos estrangeiros. E é o que se passou com a Divisão de Informações Militares (Dimil) e os Serviços de Informações Estratégicas e Militares (SIEM) existentes antes de os serviços civis terem sido criados, pela simples razão de estes não existirem. Nessa altura, existia nas Informações Militares uma unidade com células que efectuavam operações de informações cobertas. Registe-se que, mesmo antes do 25 de Abril, não existiam espiões militares, sendo esta função desempenhada pela PIDE.
Nas Forças Armadas, os órgãos de informações são constituídos fundamentalmente por analistas que, trabalhando as notícias provenientes de múltiplas origens, chegam a informações que valorizam em função da credibilidade da fonte e da verosimilhança da notícia. Claro que algumas destas fontes poderão ser "informadores" pagos e outras serão obtidas pelos militares no decurso das operações, em contacto com a população, em ligação com forças amigas e através do uso de equipamentos de observação e vigilância. Aqui, os únicos espiões serão os informadores que consigam engajar. E não os componentes das Cismil que sejam destacadas.
Não será necessário justificar a necessidade destas células, não só para servir a força destacada, mas particularmente para obter informações de natureza operacional sobre os teatros de operações susceptíveis de serem úteis no futuro ou noutros teatros, e de habilitarem os responsáveis das Forças Armadas para exprimirem a sua opinião, com conhecimento próprio, e não apenas importado de origens exteriores ao país, nos diversos fóruns de decisão, nomeadamente no Comité Militar e no Conselho de Defesa da NATO ou da União Europeia.
Nada do que afirmei exclui a possibilidade de forças militares efectuarem operações especiais de alto risco para se obterem informações sobre aspectos relevantes para a manobra militar, utilizando mesmo meios aéreos ou navais. É o papel, por exemplo, dos nossos rangers de Lamego. E também é possível que sejam efectuadas operações para infiltrar espiões dos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) em áreas específicas dos teatros de operações, se não existirem outras hipóteses de o conseguir. Por exemplo, serem colocados nas nossas embaixadas, a coberto do exercício de outras funções.
A conclusão que conviria retirar da revelação de tão lamentável desconhecimento é a necessidade de os políticos (e jornalistas) serem bem esclarecidos sobre estas matérias. Se prosseguir a situação de ignorância crassa que foi revelada com este incidente, continuaremos a ver asneiras do calibre daquele a que assistimos, apesar de elas, por vezes, revelarem talentos insuspeitados para a carreira de actor, especialmente nas expressões da face que conseguem apresentar. Desde a indignação pelo perigo criado aos "espiões" que não existem e às forças militares onde, como consequência, se não encontram, até ao ar fúnebre exibido antecipadamente ao seu previsto sacrifício.’
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