João: Maria, por que te maquilhas?
Maria: Ora, para ficar mais bonita!
João: Mas... e porque não ficas?
Maria: Ora, para ficar mais bonita!
João: Mas... e porque não ficas?
O Alexandre Homem Cristo (AHC) responde à esquerda em defesa do modelo sueco. Old myths die hard.
Ora vamos a isto:
1. Os quadros apresentados aqui há dias, um dos quais se referia à Suécia, eram minimalistas: limitavam-se a apresentar a evolução dos desempenhos dos respectivos países entre os relatórios PISA de 2000 e 2009. Não ofereciam explicações concretas. Chamavam a atenção para o óbvio: países que desde há alguns anos conhecem experiências nacionais de “liberdade de educação” têm visto os seus resultados piorar de forma consistente.
2. A afirmação era minimalista mas é, só por si, poderosa: é que a constatação de que estes sistemas têm tido resultados decepcionantes vai contra o argumento de que a liberdade de escolha iria fazer subir a qualidade do desempenho de todo o sistema. É o caso do próprio AHC, que usava a Suécia, num outro texto, como um país que havia sido recompensada “com muitos bons resultados nos rankings internacionais”. Gostava de saber em quais (e mesmo antes do PISA 2009).
Argumentar como o AHC ao dizer que “a liberdade de escolha da escola através do cheque-ensino é um tremendo sucesso” num país que tem vindo a descer como talvez nenhum outro no universo da OCDE é um pouco bizarro, pela simples razão de que o que é verdadeiramente essencial na avaliação da experiências nacionais do generalização do cheque-ensino não é o resultado nos alunos e nas escolas onde essas experiências são realizadas, mas pelo impacto em todo o sistema. Daí a importância da conclusão da OCDE: “While students who attend schools that compete with other schools for student enrolment perform better than students who attend schools that do not compete with other schools, the cross-country analysis suggests that systems as a whole do not benefit from higher rates of school competition.” Se uma medida beneficia uma minoria de alunos mas não beneficia ou prejudica mesmo a maioria e, de forma agregada, todo o sistema, então essa medida não serve o sistema. E afirmar que só a precisamos de generalizar a todo o sistema não passa o teste da falácia da composição.
Não estou sequer a dizer — seriam necessários mais elementos empíricos dos que o PISA 2009 está em condições de fornecer — que é o cheque-ensino o responsável pelo descalabro na evolução dos conhecimentos e competências revelados pelos alunos suecos; pergunto apenas: se o cheque-ensino fosse capaz de revolucionar para melhor todo o sistema — sendo que o argumento tradicional assenta na ideia de que a competição beneficia todas as escolas, e não apenas aquelas as privadas ou independentes, então por que raio não o fez?
Faltou tempo? Década e meia não chega ou é preciso esperar pelo “longo prazo”? Talvez o país tenha sofrido um choque terrível que tenha efectivamente tornado mais difícil a vida das crianças e famílias suecas. O PIB caiu nos últimos 10 anos? Não. O país ficou mais desigual e a pobreza aumentou? Sim, mas continua a ser um dos países do mundo onde a desigualdades e a pobreza são mais baixas (apenas 5,1% dos jovens está no nível -1 do índice socioeconómico do PISA, e apenas a Noruega, Islândia, Finlândia e Austrália apresentam um valor mais reduzido). Aliás, nenhuma das variáveis exógenas ao sistema de ensino explica o desempenho da Suécia: das 6 variáveis macro-sociológicas que OCDE apresenta como podendo influenciar os resultados para cima ou para baixo (aqui, página 19) — PIB per capita; despesa em educação por aluno acumulada dos 6 aos 15 anos; percentagem dos indivíduos entre os 35 e 44 anos com uma licenciatura; percentagem de jovens oriundos da famílias imigrantes; percentagem dos jovens está no nível -1 do índice socioeconómico do PISA; e total de população com 15 anos de idade — tem particular influência no desempenho sueco: em quase todas elas a Suécia comporta-se como era esperado, dados os valores assumidos nessas 6 variáveis; apenas no índice socioeconómico os resultados suecos ficam abaixo do esperado, uma vez que os baixos níveis de pobreza faziam esperar que os alunos suecos tivessem um melhor desempenho.
Assim, só o sistema de ensino, em particular a sua organização, pode explicar estes resultados.
3. Talvez seja um problema de accountability, como sugere Andreas Schleicher no link que AHC disponibiliza. Eu que, ingenuamente, tinha ficado com a ideia, por este texto do AHC, que a accountability era um dos traços exemplares e estruturantes do sistema sueco... Aqui, duas questões merecem comentário:
- a) a accountability não só é uma variável diferente como é independente da existência de um sistema de cheque-ensino. Em particular, se falarmos de accountability enquanto existência de provas estandardizadas e comparáveis, esta pode, no limite, existir num sistema totalmente centralizado com inspecção administrativa rigorosa - isto no seguimento do que afirmou Schleicher, que os problemas na Suécia seriam o “result of a non-existent inspection regime”.
b) Quem lê o AHC ficaria com a ideia de que, no modelo sueco, a accountability seria de tal forma uma trave-mestra do modelo que dispensaria qualquer regime de inspecção tradicional. Ora, não é preciso muita imaginação para pensar que a ausência de uma inspecção rigorosa e eficaz pode muito bem estar na raiz do que o AHC vê como um mero “problema na relação das escolas/professores com os alunos”. Pergunto: esta “inspecção” (se bem que sob outro nome) não devia ser garantida pelas famílias, em teoria, as guardiãs do sistema? E se não é, porque será? (by the way, um regime de inspecção é aquilo que um sistema centralizado tipicamente garante).
De qualquer forma — e era preciso saber como é que efectivamente funcionam, na prática, os critérios de alocação dos alunos entre escolas — digamos que a Suécia é o pais “ideal”, do ponto de vista da igualdade, para fazer uma experiência da liberdade educativa (ao contrário de um país tão desigual como Portugal): com tão baixos níveis de desigualdade socioeconómica e geográfica, só uma discriminação fortíssima entre escolas levaria a que os níveis de igualdade no estatuto socioeconómico herdados do passado fossem invertidos. Que o segundo ou terceiro país mais igualitário do mundo desenvolvido tenha escolas com fracas assimetrias socioeconómicas entre os alunos e entre os seus resultados, enfim, talvez não nos devesse espantar.
5. AHC lembra que “a relação entre o perfil socioeconómico do aluno e o seu desempenho escolar é, continua a ser, maior em Portugal do que na Suécia (ver fig.II-1-3): 16,5% (PT) vs. 13,4% (SWE)” — mas omite o essencial, que é que esta diferença não é estatisticamente significativa (ver página 153, table II.1.2). Recorda depois que “a sociedade portuguesa é, em termos socioeconómicos, muito mais desigual do que a sueca”, mas esquece-se de procurar se estas inequívocas assimetrias socioeconómicas (o índice de Gini é de 0.38 para Portugal e de 0.23 na Suécia) não estão plasmadas na diferença entre resultados. Se o fizesse, verificaria que não estão. No tópico da leitura (página 153, table II.1.1), vemos que a diferença entre o 5.º e o 95.º percentil é em Portugal de 286 pontos (624-338), enquanto que na Suécia é de 325 (651-326). Ou seja: uma maior desigualdade socioeconómica em Portugal traduz-se numa maior compressão de resultados entre os alunos [já agora, em 2006, para o tópico das ciências, a diferença entre o 5.º e o 95.º percentil era em Portugal de 288 pontos (617-329) e na Suécia de 307 (654-347): isto é, entre 2006 e 2009 as desigualdades entre os alunos da base e do topo cresceram na Suécia, enquanto que em Portugal praticamente não se alteraram]. Se isto não é capacidade do sistema educativo para reduzir as desigualdades de partida que os alunos transportam para de fora para dentro da escola, não sei o que é.
6. Talvez isto tudo seja só coincidência. Tal como os resultados dos alunos portugueses, para alguma esquerda portuguesa, nada têm a ver com as medidas de política implementadas na legislatura 2005-2009, talvez os resultados dos alunos suecos nada tenham ver com a experiência da liberdade educativa. Ou talvez tenham. É que a Suécia não é um país interessante apenas por ser o poster child dos defensores da liberdade educativa. A Suécia é também o país que ficava quase invariavelmente em primeiro lugar nos rankings internacionais dos estudos sobre literacia de adultos na década de 90 e no início desta. Isto é, os adultos formados naquela que alguns chamarão a velha e bafienta escola “socialista” eram os adultos com níveis de literacia mais elevados do mundo, enquanto os seus filhos, educados na “escola livre” pós-1992, são adolescentes com resultados medianos à escala global, e ainda mais triviais se pensarmos na nas condições de riqueza, bem-estar e equidade de que beneficiam as famílias e os jovens suecos. Talvez isto seja só outra coincidência. Mas é matéria para outra posta.
- Contributo do Pedro T.
2 comentários :
É nestas alturas que se tem pena que o Augusto Santos Silva não tenha a pasta da educação...
Se as conclusões do relatório foram feitas com as estatísticas portuguesas -vou ali e já venho; o mesmo se as provas foram corrigidas em Portugal. Depois de dizerem que os prof's tem boa nota se derem boas notas, até um com 10 de QI se safa com uma nota de bom -pelo menos.
O que eu queria ver era jovens formados técnica e civicamente -e ISSO EU NÃO VEJO. Eu e o resto do povo -incluo os socialistas.
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