quinta-feira, maio 19, 2011

"A nova droga chamada taxa social única"

Já fiz alusão ao artigo de Helena Garrido sobre a taxa social única ontem¹. Mas vale voltar a este artigo, até porque não vi outro texto que explique com tanta clareza por que razão a obsessão de Passos Coelho em reduzir a contribuição do patronato para a segurança social dos trabalhadores é errada e tem efeitos perversos na reestruturação (em curso) do tecido económico português:

    'Baixar a taxa social única é como voltar a alimentar com droga um toxicodependente.

    O caso da descida da taxa social única (TSU), consagrada no acordo de assistência financeira a Portugal, incendiou a campanha eleitoral e é um exercício teórico com efeitos, no mínimo, bastante duvidosos. Faz lembrar, mantidas as devidas distâncias, a famosa curva de Laffer que inspirou a descida de impostos nos Estados Unidos. E que, obviamente, não teve qualquer efeito no crescimento da economia.

    O primeiro argumento contra uma descida da TSU suportada pelos empregadores - neste momento de 23,75% - é o incentivo perverso e oposto aos objectivos de política económica que ela representa.

    Portugal tem de alterar o perfil das suas exportações para um nível de maior valor acrescentado e mais elevada incorporação tecnológica. Uma descida da TSU, admitindo que teria algum efeito, incentiva a manutenção da actual estrutura, alimentando os negócios que têm nos baixos salários ou nos preços baixos a sua vantagem competitiva. A descida da TSU vai transmitir um sinal errado a toda a economia.

    Andámos décadas a usar a desvalorização cambial, antes da fixação da taxa de câmbio em Maio de 1998, para entrar no euro, e isso apenas serviu para adiar a reestruturação da economia portuguesa. Temos todo um passado que nos mostra que as empresas não se preparam, ajustam-se apenas quando a realidade lhes bate à porta. Foi assim com o fim da desvalorização cambial e a entrada no euro, foi assim com o alargamento e foi assim com a abertura do mercado europeu à China.

    Não servindo esta medida para dar os sinais certos à economia, qual pode, então, ser a sua utilidade? Um dos argumentos é o da recuperação da competitividade perdida por via de um aumento excessivo dos salários. Esta é uma justificação que tem como pressuposto que o problema das exportações está no preço do bem. Se for esse o caso - o que alguns economistas dizem que não é -, estamos perdidos. Não há corte na TSU que nos valha para competir pelo preço com os países emergentes, como a China. Mais uma vez, estaremos a cometer um erro.

    Mas vamos admitir que esse sinal errado valia a pena para minimizar os custos económicos e sociais do ajustamento que o País tem de fazer. Ou seja, que a descida da TSU permitiria suavizar a recessão, adiando o encerramento e o despedimento de algumas pessoas. O circulo virtuoso que é, aliás, descrito no trabalho publicado pelo Banco de Portugal seria sinteticamente este: a descida da TSU permitiria que as empresas baixassem os seus custos, aumentando as vendas e podendo, assim, não reduzir pessoal - ou até aumentar. Todo um argumento que cai por terra se quem exporta não estiver dependente do preço para vender mais mas, sim, de outros factores, como uma boa rede de distribuição ou de investimento para aumentar a sua capacidade de produção.

    O efeito mais provável de uma descida da TSU é os preços não descerem, a exportação não aumentar e o emprego não subir, incentivando-se ao mesmo tempo a aposta das empresas em produtos de baixo valor acrescentado baseados em mão-de-obra barata. Paralelamente, e para alimentar essa descida da TSU, todos estaríamos a pagar mais impostos indirectos e a piorar ainda mais a situação das famílias afectadas pelo desemprego ou com rendimentos mais baixos. Some-se ainda a este impacto os potenciais problemas que se poderiam arranjar no financiamento da Segurança Social. (...)'
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¹ É melhor sublinhar isto antes que algum pateta alegre “descubra” que eu já tinha feito referência ao artigo.

1 comentário :

Anónimo disse...

Ora nem mais. Um dos grandes entraves á modernização e adaptação da economia portuguesa aos mercados é precisamente a perversão de medidas desta natureza. Há partida parecem prometedoras mas serão única e exclusivamente aproveitadas por quem já faz pouco no sentido de se tornar competitivo, prolongando apenas a agonia de sectores que já deviam ter sido reestruturados há uma década, e que nada acrescentam em termos de valorização da economia mantendo-se a funcionar nos moldes em que estão actualmente.
Uma coisa são as medidas a aplicar, outra coisa é a maturidade economica, social e mesmo democrática da sociedade portuguesa, que faz com que medidas que resultaram lá fora não tragam necessáriamente os mesmo beneficios cá dentro.