- ‘Se repararmos na etimologia da palavra "greve", temos que ela encerra uma polissemia curiosa. Na raiz francófona, a greve era o nome do local (Place de la Grève) onde, no século XIX, os trabalhadores esperavam, ficavam parados, enquanto não eram recrutados para o trabalho (à semelhança do acontecia durante o salazarismo nas "praças" das vilas e aldeias alentejanas, onde os assalariados rurais eram escolhidos para o trabalho à jorna). Já em castelhano, a huelga tem a mesma raiz de huelgo, que significa tomar fôlego. Por sua vez, no inglês strike é sinónimo de ataque, assalto ou agressão.
Ora, nestas três diferentes asserções podemos captar o real significado de uma greve, enquanto forma de luta destinada a reequilibrar o poder assimétrico entre trabalho e capital. A questão encerra, todavia, contornos paradoxais que merecem reflexão: ficar parado quando era suposto estar-se activo; tomar fôlego quando o trabalho intensivo não permite o direito a respirar; ou "atacar" quando o trabalho assalariado se define antes do mais pela submissão. Qualquer que seja o dilema invocado, a greve é sempre sinónimo de rebeldia colectiva. Mas talvez o paradoxo mais importante resida no facto de que a greve, sendo um acto de "ruptura", procura uma nova harmonia. É um acto de afirmação de autonomia (da parte mais fraca), sem o qual o diálogo se confunde com resignação. Tal como não existe verdadeiro consenso sem dissensão também se pode dizer que não existe negociação sem conflito e pluralidade. Não por acaso, sociólogos prestigiados (J.-D. Reynaud) usam a formulação (inspirada em Clausewitz) segundo a qual "a greve é a continuação da negociação por outros meios", justamente para realçar um dos traços distintivos da cultura democrática, ou seja, a necessidade de gerir a relação - sempre tensa e delicada - entre a ordem e a divergência, a harmonia e o conflito, a disciplina e a liberdade. Daí decorre, aliás, a capacidade de preservar o "equilíbrio dinâmico" e a coesão social por que se pauta uma sociedade aberta e democrática. Uma greve bem sucedida é aquela que repõe as relações de poder sob um novo compromisso: no caso vertente, não apenas entre capital e trabalho, mas entre cidadania democrática e "austeritarismo".’
2 comentários :
ouça-se o Pacheco Pereira no último quadratura do círculo. Merece um post. Merece destaque. Falou bem. Falou muito bem!
Merece um post. Se merece. Um destaque.
Lá está, apesar da senilidade, de vez em quando o bom senso vêm-lhe ao de cima.
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