- 'O governo português tem revelado uma inquietante apatia no plano europeu. Insinua fazê-lo por razões atinentes à situação desconfortável em que o país se encontra enquanto beneficiário de ajuda externa. O pudor aconselharia o silêncio. Esta eventual justificação carece de qualquer sentido, dado que não temos os nossos direitos restringidos, nem tão pouco os nossos interesses automaticamente acautelados. Mas a verdadeira razão parece ser outra e radicar em motivos bem menos respeitáveis. Olhemos atentamente para o discurso político que a maioria parlamentar tem vindo a produzir sobre a situação do país e extraiamos daí as consequentes ilações. Esse discurso reflecte uma teoria simples e clara - a presente crise tem uma origem conhecida, um culpado referenciado e uma saída pré-definida. Na origem está o sobreendividamento provocado por políticas orçamentais erradas, de cariz expansionista, que conduziram ao alargamento irresponsável do perímetro do estado social e ao recurso imoderado ao investimento público; os culpados são os vários governos do PS em geral e o engº Sócrates em particular; a saída passará pela contracção severa da dimensão do Estado, com especial incidência na vertente social. Estamos perante uma teoria explicativa da realidade impregnada de alta carga ideológica e, como tal, dotada de elevado grau de coerência interna. O que a torna perigosa, apesar de errónea, se não for devidamente contrariada.
Para garantir o sucesso deste discurso é imprescindível proceder à remoção dos factores externos, mesmo que isso signifique anular a importância da maior crise financeira das últimas décadas da história ocidental. Esta desonestidade mental impede uma correcta apreciação do passado e prejudica a acção governativa presente. Prisioneiros da sua própria artimanha discursiva os actuais governantes revelam uma perniciosa incapacidade de levar a cabo uma adequada intervenção no plano europeu. A europa deixou de ser um lugar de afirmação de posições próprias e passou a ser uma instância de legitimação autoritária de uma linha política conservadora e liberal.
Com este posicionamento, a maioria está a pôr em causa o apelidado "consenso europeu", que vigora internamente desde há muitos anos e se tem revelado de grande utilidade.'
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