quinta-feira, maio 09, 2013

De regresso ao farwest


• Rui Pereira, Justiça sumária:
    ‘Na sequência das recentes alterações ao Código de Processo Penal, está a ser julgado em processo sumário, pela primeira vez, um homicídio doloso, ou seja, "voluntário".

    Trata-se do julgamento de um crime cuja pena pode variar entre um mês (limite mínimo do homicídio a pedido da vítima) e vinte e cinco anos de prisão (limite máximo do homicídio qualificado), realizado por um só juiz, sem prévio inquérito ou instrução. Tal simplificação é justificada por o arguido ter sido detido em flagrante delito. Mas a justificação será suficiente?

    A primeira objeção a um alargamento do processo sumário a casos de tamanha gravidade resulta do próprio âmbito do flagrante delito. Este conceito abrange o "quase flagrante delito" (em que o crime já acabou de ser cometido), a "presunção de flagrante delito" (em que o suspeito é encontrado com "objetos do crime") e, sobretudo, casos em que a detenção é efetuada por uma pessoa qualquer (por exemplo, por um trabalhador da segurança privada) que entregue o suspeito a uma autoridade judiciária ou entidade policial no prazo de duas horas.

    Por outro lado, é altamente discutível que as penas mais pesadas – até vinte e cinco anos de prisão – possam ser aplicadas por um só juiz, quando até em provas orais universitárias, longe do dramatismo do processo, se costuma exigir a intervenção de um coletivo. Além disso, o novo regime legal impede a intervenção do tribunal do júri (previsto na Constituição para os crimes mais graves) no julgamento do "crime dos crimes", o homicídio, mesmo que o ofendido (constituído assistente) e o arguido o desejem – o que é de duvidosa constitucionalidade.

    Por fim, a celeridade e a dispensa das fases preliminares podem inviabilizar diligências essenciais para a determinação da gravidade do facto ou da culpa do arguido, cujas variações são muito sensíveis no crime de homicídio. Embora se admita o reenvio do processo para a forma comum, exige-se que seja "devidamente" justificado. Assim, sem incorrer num excesso de garantismo, conclui--se que a recente revisão do processo penal foi precipitada. E, tal como as estatísticas sobre a pendência processual revelam, não se explica por razões de morosidade.’