quinta-feira, abril 20, 2006

Sugestão de leitura




Estávamos à espera que José Pacheco Pereira (JPP) colocasse no Abrupto o artigo que escreveu para o Público, intitulado A fauna das caixas dos comentários.

Referindo-se ao artigo, Rui Albuquerque considera: “Mais do que um artigo, o texto de JPP eleva o «comentador» (mais ou menos) anónimo à categoria de objecto de estudo científico, a um novo capítulo da sociologia e da psicologia individual e de grupo, quem sabe, mesmo até a um novo ramo da ciência. Um blog sem comentários não existe. Um blog sem caixa de comentários é um paradoxo. Um importante acontecimento, portanto, e um autêntico marco na história da blogosfera lusa, em conclusão.” E Rui Albuquerque propõe “que o dia 20 de Abril seja doravante consagrado como o «Dia da Blogosfera Portuguesa», ou o «Dia do Comentador (mais ou menos) Anónimo»”.

Não tendo ainda JPP disponibilizado o artigo no Abrupto, transcrevemos parte no CC (e a sua versão integral na… caixa de comentários):

    “O comportamento destas pessoas-em-linha é compulsivo, eles “habitam” nas caixas de comentários que são a sua casa. Deslocam-se de caixa para caixa de comentário, deixando centenas de frases, nos sítios mais díspares, revelando nalguns casos uma disponibilidade quase total para comentar, contracomentar, atacar, responder, mantendo séries enormes que obedecem à regra de muitos frequentadores desta área da Rede: horário laboral na maioria dos casos, quebra no fim-de-semana e nos feriados. São pessoas que estão a escrever do seu local de trabalho ou de estudo, de empresas ou de escolas, onde têm acesso à Internet. Há, no entanto, alguns casos de comentadores caseiros e noctívagos, que só podem estar a escrever noite dentro, como era o caso nos primeiros anos da blogosfera portuguesa, antes de se democratizar. É um fenómeno aparentado com muitas outras experiências comunitárias na Rede, mas está longe de ser o mundo adolescente dos frequentadores do MySpace (http://www.myspace.com/) ou dos “salas” de conversa virtual.

    No caso português, os comentadores não parecem ser muitos, embora a profusão de pseudónimos e nick names dê uma imagem de multiplicidade. São, na sua esmagadora maioria, anónimos, mas o sistema de nick names permite o reconhecimento mútuo de blogue para blogue. Estão a meio caminho entre um nome que não desejam revelar e uma identidade pela qual desejam ser identificados. Querem e não querem ser reconhecidos. É o caso da “Zazie”, do “Euroliberal”, do “Sniper”, do “Piscoiso”, “Maloud”, “Bajoulo”, “Xatoo”, “Atento”, “Dasanta”, “José”, “e-konoklasta”, “Cris”, “Sabine”, “José Sarney”, “Anticomuna”, etc., etc,. Trocam entre si sinais de reconhecimento, cumprimentam-se, desejam-se boas férias, e formam minicomunidades que duram o tempo de uma caixa de comentários aberta e activa, o que normalmente dura pouco. Depois migram para outra, sempre numa tempestade de frases, expressando acordos e desacordos, simpatias e antipatias, quase sempre centrados na actividade de dizer mal de tudo e de todos.

    Imaginam-se como uma espécie de proletariado da Rede, garantes da total liberdade de expressão, igualitários absolutos, que consideram que as suas opiniões representam o “povo”, os “que não têm voz”, os deserdados da opinião, oprimidos pelos conhecidos, pelos célebres, pelos “sempre os mesmos”. São eles que dizem as “verdades”. Mas não há só o reflexo do populismo e da sua visão invejosa e mesquinha da sociedade e do poder., há também uma procura de atenção, uma pulsão psicológica para existir que se revela na parasitação dos blogues alheios. Muitos destes comentadores têm blogues próprios completamente desconhecidos, que tentam publicitar, e encontram nas caixas de comentários dos blogues mais conhecidos uma plataforma que lhes dá uma audiência que não conseguem ter.

    Não são bem Trolls, sabotadores intencionais, mas têm muitas das suas formas perturbadoras de comportamento. A sua chegada significa quase sempre uma profusão de comentários insultuosos e ofensivos que afastam da discussão todos os que ingenuamente pensam que a podem ter numa caixa de comentários aberta e sem moderação. Quando há um embrião de discussão, rapidamente morto pela chegada dos comentadores compulsivos, ela é quase sempre rudimentar, a preto e branco, fortemente personalizada e moralista: de um lado, os bons, os honestos, os dignos, do outro a ralé moral, os ladrões, os preguiçosos que vivem do trabalho alheio e dos impostos dos comentadores compulsivos, presume-se. O que lá se passa é o Faroeste da Rede: insultos, ataques pessoais, insinuações, injúrias, boatos, citações falsas e truncadas, denúncias, tudo constitui um caldo cultural que, em si, não é novo, porque assenta na tradição nacional de maledicência, tinha e tem assento nas mesas de café, mas a que a Rede dá a impunidade do anonimato e uma dimensão e amplificação universal.

    O que é que gera esta gente, em que mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido, vivem? O mesmo que alimenta a enorme inveja social em que assentam as nossas sociedades desiguais (por todo o lado existe este tipo de comentadores), agravada pela escassez particular da nossa. Essa escassez não é principalmente material, embora também seja o resultado de muitas expectativas frustradas de vida, mas é acima de tudo simbólica. Numa sociedade que produz uma pulsão para a mediatização de tudo, para a espectacularização da identidade, para os “15 minutos de fama”e depois deixa no anonimato e na sombra os proletários da fama e da influência, os génios incompreendidos, os justiceiros anónimos, o “povo” das caixas de comentários, não é de admirar que se esteja em plena luta de classes.”

10 comentários :

Miguel Abrantes disse...

A fauna das caixas dos comentários

A Rede está a mudar tudo, a criar coisas novas, a realizar outras muito antigas que as tecnologias até agora existentes ainda não permitiam e a dar eficácia a velhos, e muitas vezes maus, hábitos que existiam no mundo exterior e agora passam para o mundo interior da Internet. Alguns casos recentes voltaram de novo a mostrar a Internet sob uma luz pouco amável, bem preconceituosa aliás, porque nada do que lá se faz se deixou de fazer cá fora. O que há é um upgrade tecnológico no crime, que a Rede melhora e nalguns casos favorece pela sua acessibilidade e universalidade. São estes múltiplos exemplos da chamada “fraude nigeriana”, ou os casos de phishing que leva os incautos a fornecerem palavras-passe de acesso a contas bancárias; os casos de cyberstalkers, pessoas que perseguem outras cujo nome e morada aparece na Internet. Isto tudo depois da pedofilia e de outras utilizações criminosas da Rede.

O que é novo na Rede, quer na “normal” quer na criminosa, são as características psicológicas especificas do mundo em linha, em especial a exploração da fronteira, mais ténue do que parece, entre a realidade e a virtualidade. E isso traz elementos novos como se vê se analisarmos para além do crime em si. Um caso actual é o do assassinato de uma menina de dez anos por um autor do blogue chamado “Strange Things are Afoot at Circle K” (http://futureworldruler.blogspot.com/), que tinha feito pouco antes um comentários sobre canibalismo. O que há de novo neste caso e no interesse mediático sobre ele é que em vez de um diário em papel, ou escritos mais ou menos dementes ou geniais, como era o caso pré-Internet do Unabomber, agora, quase de imediato, todos se voltam para o blogue, para o perfil do blogue, para o rasto na Rede do putativo criminoso. A rede fica indissociável da nova identidade das coisas, como se entre o mundo virtual e o real a teia fosse completa. E, se calhar, é.

Mas não é este apenas o único aspecto interessante, há outro para que não se tem chamado a atenção: o mundo muito próprio dos que escrevem sobre textos alheios nas caixas de comentários dos blogues ou dos órgãos de comunicação em linha. O Strange Things are Afoot at Circle K continua em linha e tem, à data em que escrevo, 644 comentários na última nota escrita pelo seu autor, todos eles posteriores ao conhecimento do crime. O blogue continua vivo mesmo depois da prisão do seu autor.

Mas os 644 comentários empalidecem face aos portugueses 1321 comentários do Semiramis (http://seminaris.weblog.com.pt/), cuja anónima autora teria morrido de morte súbita, suscitando as mais contraditórias versões na própria caixa de comentários do blogue. Deixando de parte a polémica sobre as caixas de comentários abertas ou moderadas, ou sobre a sua própria utilidade e valor, deixando de lado também a história pessoal inverificável do que aconteceu à sua autora (ou autor?) anónima, o interessante é registar que o que há nesse blogue é uma comunidade que aproveita o “lugar” para se encontrar. A caixa de comentários tornou-se numa espécie de chat, que parasita a notoriedade do blogue, como já acontecera no Espectro (http://o-espectro.blogspot.com/) com os seus finais 494 comentários, onde as pessoas se encontram numa pequeníssima “aldeia global”, que tomam como sua.

O comportamento destas pessoas-em-linha é compulsivo, eles “habitam” nas caixas de comentários que são a sua casa. Deslocam-se de caixa para caixa de comentário, deixando centenas de frases, nos sítios mais díspares, revelando nalguns casos uma disponibilidade quase total para comentar, contracomentar, atacar, responder, mantendo séries enormes que obedecem à regra de muitos frequentadores desta área da Rede: horário laboral na maioria dos casos, quebra no fim-de-semana e nos feriados. São pessoas que estão a escrever do seu local de trabalho ou de estudo, de empresas ou de escolas, onde têm acesso à Internet. Há, no entanto, alguns casos de comentadores caseiros e noctívagos, que só podem estar a escrever noite dentro, como era o caso nos primeiros anos da blogosfera portuguesa, antes de se democratizar. É um fenómeno aparentado com muitas outras experiências comunitárias na Rede, mas está longe de ser o mundo adolescente dos frequentadores do MySpace (http://www.myspace.com/) ou dos “salas” de conversa virtual.

No caso português, os comentadores não parecem ser muitos, embora a profusão de pseudónimos e nick names dê uma imagem de multiplicidade. São, na sua esmagadora maioria, anónimos, mas o sistema de nick names permite o reconhecimento mútuo de blogue para blogue. Estão a meio caminho entre um nome que não desejam revelar e uma identidade pela qual desejam ser identificados. Querem e não querem ser reconhecidos. É o caso da “Zazie”, do “Euroliberal”, do “Sniper”, do “Piscoiso”, “Maloud”, “Bajoulo”, “Xatoo”, “Atento”, “Dasanta”, “José”, “e-konoklasta”, “Cris”, “Sabine”, “José Sarney”, “Anticomuna”, etc., etc,. Trocam entre si sinais de reconhecimento, cumprimentam-se, desejam-se boas férias, e formam minicomunidades que duram o tempo de uma caixa de comentários aberta e activa, o que normalmente dura pouco. Depois migram para outra, sempre numa tempestade de frases, expressando acordos e desacordos, simpatias e antipatias, quase sempre centrados na actividade de dizer mal de tudo e de todos.

Imaginam-se como uma espécie de proletariado da Rede, garantes da total liberdade de expressão, igualitários absolutos, que consideram que as suas opiniões representam o “povo”, os “que não têm voz”, os deserdados da opinião, oprimidos pelos conhecidos, pelos célebres, pelos “sempre os mesmos”. São eles que dizem as “verdades”. Mas não há só o reflexo do populismo e da sua visão invejosa e mesquinha da sociedade e do poder., há também uma procura de atenção, uma pulsão psicológica para existir que se revela na parasitação dos blogues alheios. Muitos destes comentadores têm blogues próprios completamente desconhecidos, que tentam publicitar, e encontram nas caixas de comentários dos blogues mais conhecidos uma plataforma que lhes dá uma audiência que não conseguem ter.

Não são bem Trolls, sabotadores intencionais, mas têm muitas das suas formas perturbadoras de comportamento. A sua chegada significa quase sempre uma profusão de comentários insultuosos e ofensivos que afastam da discussão todos os que ingenuamente pensam que a podem ter numa caixa de comentários aberta e sem moderação. Quando há um embrião de discussão, rapidamente morto pela chegada dos comentadores compulsivos, ela é quase sempre rudimentar, a preto e branco, fortemente personalizada e moralista: de um lado, os bons, os honestos, os dignos, do outro a ralé moral, os ladrões, os preguiçosos que vivem do trabalho alheio e dos impostos dos comentadores compulsivos, presume-se. O que lá se passa é o Faroeste da Rede: insultos, ataques pessoais, insinuações, injúrias, boatos, citações falsas e truncadas, denúncias, tudo constitui um caldo cultural que, em si, não é novo, porque assenta na tradição nacional de maledicência, tinha e tem assento nas mesas de café, mas a que a Rede dá a impunidade do anonimato e uma dimensão e amplificação universal.

O que é que gera esta gente, em que mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido, vivem? O mesmo que alimenta a enorme inveja social em que assentam as nossas sociedades desiguais (por todo o lado existe este tipo de comentadores), agravada pela escassez particular da nossa. Essa escassez não é principalmente material, embora também seja o resultado de muitas expectativas frustradas de vida, mas é acima de tudo simbólica. Numa sociedade que produz uma pulsão para a mediatização de tudo, para a espectacularização da identidade, para os “15 minutos de fama”e depois deixa no anonimato e na sombra os proletários da fama e da influência, os génios incompreendidos, os justiceiros anónimos, o “povo” das caixas de comentários, não é de admirar que se esteja em plena luta de classes.

A.Teixeira disse...

Há bastante mérito da Câmara Corporativa ter conseguido criar um tipo de comentador anónimo muito específico deste blog que até nem se enquadra em todas as características descritas no artigo de Pacheco Pereira.

Se fosse a Quercus diria que são de uma especie que só aqui "nidifica"...

Anónimo disse...

Quer-se-me parecer que muito do que diz JPP se pode aplicar ao anónimo autor deste Blog e ao seu "falecido/desaparecido" parceiro...

Anónimo disse...

Pacheco Pereira faz-me lembrar a patroa do antigamente que criticava a criada por se vestir com bom gosto.
Neste caso o PP é a patroa e os blogues e os seus comentadores não passam de sopeiras que pretendem ascender a senhoras.
O PP, para justificar o seu “privilégio” de proprietário do mais lido blogue do politicamente correcto, entretém-se, tal como a patroa do antigamente, a denegrir a sopeira. Porque a sopeira insulta, dedica-se aos ataques pessoais, injuria, cria e divulga boatos, comenta de forma ácida e vive num mundo infeliz (entre o pano do pó e a cozinha).
O PP e o seu Abrupto não são nada disso – são da elite e é preciso distinguir entre os não populistas e os populistas, entre os que vêm o mundo a preto e branco e ele, que também consegue apreciar os cinzentos.
PP não refere que os blogues do politicamente incorrecto estão a aproximar-se em número de leitores do seu cada vez mais publicitado e desenxabido Abrupto.
E que os posts e comentários que lemos nesses blogues revelam uma capacidade crítica inteligente da política do nosso país que nem o Abrupto, nem o Flash Back e muito menos a Quadratura do Círculo tem ou tiveram.
Porque os comentadores desses blogues opinam livremente porque não dependem de um patrão, seja partido político, proprietário de um jornal ou televisão. Porque estão no mundo real, do trabalho e da produção, dos impostos, do custo de vida a aumentar, das filas nos serviços de saúde e do futuro incerto.
O PP não é livre, apesar dos esforços que faz para o parecer, toma a nuvem por Juno ou seja, parte dos blogues maus, com os seus comentários impróprios, para generalizar a bloguesfera portuguesa.
Essa azia deve-se ao facto de estar a perder clientela num mundo que ele julgava só seu.
Infelizmente para ele há cada vez mais cidadãos, com sede de informação imparcial e independente, que passam ao lado do Abrupto para ler os blogues que ele critica.
Felizmente para nós, cidadãos que não engolimos as patranhas que ele nos impinge sobre a invasão do Iraque, que não aceitamos as desculpas de mau pagador sobre o não funcionamento da justiça, que não banalizamos o desaparecimento dos milhões dos fundos europeus, que nos interrogamos porque é que hoje os portugueses continuam a emigrar como no tempo do Salazar e porque é que os ex - governantes enriquecem quando saem do governo e da política; porque é que continuamos a ter uma elevada franja da população a sofrer de analfabetismo e iliteracia, porque é que as nossas crianças são violentamente maltratadas e os velhos enxotados ...
Disso não fala o PP; porque o PP não é populista, o PP é elitista.
E as coisas assim não lhe correm mal, tal como à patroa do antigamente.
É que com o desemprego que por aí vai, não faltam no mercado criadas de servir a preços muito em conta.

O Contabilista

Anónimo disse...

«O que é que gera esta gente, em que mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido, vivem?»

Que frase infeliz esta, hein?

Cumprimentos ao visados.

Anónimo disse...

Sou um indivíduo que já quase se pode classificar de idoso, com uma larga experiência de vida e, creio eu, com uma massa crítica bem sedimentada. Insatisfeito com o percurso deste país, costumo tecer alguns comentários, por vezes de forma dura, mas sempre com elevação Quando o blog me permite, faço-o na qualidade de anónimo. Caso contrário, ponho o nome de forma clara. Não vejo qualquer diferença por que não procuro, nem esconder-me, nem gloriar-me. Não me reconheço na psicanálise de JPP, nem me incluo, pelo que tenho feito na vida, nas causas que nos conduziram a esta vergonha nacional e que aqui devem ser tratadas pelo nome. Os blogs e os comentários não podem deixar de reflectir a vida: de um lado os acomodados, do outro os insatisfeitos. "É a vida", para acabar com o mais profundo pensamento de um conhecido político português.

maloud disse...

Eu só vim cá receber os cumprimentos. Não sei se o faça em nome da Maloud ou da Dasantas? Escolham.

Anónimo disse...

E depois existe a fauna dos bloggers que, no anonimato da internet, desatam a provocar tudo e todos. Desculpe, mas a crítica aplica-se plenamente a si Miguel Abrantes.

Anónimo disse...

Cara Maloud e caro Mocho:

Vir a este local, só por sado-masoquismo... (Eu. idem, ibidem...)

Mas o "senhor" que diz chamar-se Miguel Abrantes está desaparecido, supostamente na Serra da Malcata (talvez à procura do lince ibérico...) e não pode responder-vos...

Anónimo disse...

Está à cata de um lagarto, que supostamente é conterrâneo e contemporâneo do felídeo malcatiano (e, penso, eu do Dodó, todos do agrado do MA).