Como é que o tipo, não sendo de direita, tem carisma?

Não é preciso ser um vate para prever que a próxima edição do Expresso, com uma entrevista de dez páginas a José Sócrates, será muito cobiçada. Para estimular o apetite, o site do Expresso transcreve hoje um excerto da entrevista: “Sou o chefe democrático que a direita sempre quis ter! Tenho algumas características que a direita acha que são de direita. E não são!”

E não são, de facto. Foi a determinação de Sócrates que impôs a reforma da segurança social pública, impedindo o plafonamento das pensões que o PSD tentou forçar para as oferecer numa bandeja às seguradoras. Foi a vontade de Sócrates que fez vergar o império das farmácias. Foi a capacidade de decisão de Sócrates que conduziu à modernização dos hospitais e de outros estabelecimentos de saúde. Foi a visão de Sócrates que deu um novo impulso à educação, reforçando o papel da escola pública.

Se foi a oposição ao desmantelamento do Estado Social que a direita não perdoa a Sócrates, há um outro lado no último-primeiro-ministro-que-o-país-teve com o qual certos sectores retrógrados não se conformam: o seu carisma — até então visto como monopólio dos líderes de direita. O baço Barroso, o inconstante Santana e o aparvalhado Passos não representam o perfil de líder que a direita ambicionaria ter a conduzi-la.

Esta reacção, uma atitude aparentemente incompreensível, talvez só seja explicável pela psicanálise. A compulsão que leva sectores da direita portuguesa a fazerem de Sócrates o seu ‘ponto de fixação’ tem uma tal violência que só pode mesmo ser um sintoma de uma espécie de neurose política obsessiva ou um caso raro de onanismo político. Em tempos, o CC falou desta extravagante neurose obsessiva. Alguém deveria aconselhar esta direita a passar pelo divã.