terça-feira, setembro 30, 2014

A forcinha que chega de Bruxelas


O aumento do salário mínimo foi aprovado atabalhoadamente e de supetão. Depois de o Governo andar a arrastar os pés, havia urgência. Vinha a caminho o homem que defendia o aumento do salário mínimo para 522 euros, fazendo valer o acordo estabelecido na concertação social.

Tudo se precipitou. Houve um encontro secreto entre o alegado primeiro-ministro e o secretário-geral da UGT. A segurança social — que se dizia não ter capacidade para pagar pensões — suporta uma parte dos custos dos empresários com a TSU. Até o presidente do Conselho de Concertação Social teve de fazer notar o seu incómodo com tanta informalidade para aprovar o «entendimento».

O diploma que aprova o aumento para 505 euros estabelece que o acordo vigora entre 1 de Outubro de 2014 e 31 de Dezembro de 2015, mas nem uma palavra acrescenta sobre o que acontecerá depois. Bruxelas veio fazer luz sobre esta «lacuna» da lei: o aumento é «temporário». Como quem pisca o olho ao Governo: — Vá lá, a direita que ganhe as eleições e depois regressa-se aos 485 euros. Esta gente é perigosa.

O reencontro do PS consigo próprio


António Costa: «Tive a honra de o Dr. Eduardo Ferro Rodrigues aceitar o meu convite para ser o próximo líder parlamentar». Se a direita estava à espera que António Costa escolhesse um político sem passado, enganou-se redondamente. É o reencontro do PS consigo próprio.

Bruxelas vale bem um acto de contrição

«Muitas vezes estive em desacordo com a troika», disse hoje em Bruxelas aquele que era conhecido no seio do Governo como o grilo falante da troika. Que desplante. Carlos Moedas fez parte de um governo que, desde o primeiro dia, assumiu como estratégia «ir além da troika». Mas Carlos Moedas disse mais: «Sou uma pessoa que apresenta resultados». É público que todas as metas acordadas no memorando falharam e que a troika foi esticando os prazos e as previsões para acomodar o falhanço. Não deixa, em todo o caso, de ser confrangedor ver Moedas a saltar à má fila do barco de Passos, Gaspar & Miss Swaps.

Liderança tricéfala

A UDP/PC(R) era um grupo que se inspirava no «modelo albanês». A Política XXI resultava de uma dissidência do PCP: lia Marx (A Ideologia Alemã é o limite), mas abjurava Lenine. O trotskismo era recordado através da LCI e da Ruptura/FER. Juntaram os trapinhos numa união de facto: o Bloco de Esquerda.

As questões «fracturantes» foram o tónico para comover as classes médias das Avenidas Novas. Mas a crise do euro e a posição do BE face ao PEC IV revelaram que se aproximava o fim de um ciclo. Francisco Louçã antecipou o esgotamento e procurou resguardar-se através da liderança bicéfala.

Entretanto, outros o perceberam: a Ruptura/FER foi à sua vida recauchutada sob a designação de Movimento Alternativa Socialista e os dissidentes do PCP reanimaram o Fórum Manifesto. O último acto da desagregação do BE traduz-se na candidatura de Pedro Filipe Soares à liderança do BE, que transforma as fracturas internas em fracturas expostas.

Neste momento, parece claro que, de um lado, estarão os que entendem ser possível modificar, em conjunto com outros países da periferia, a arquitectura disfuncional do euro; do outro, estarão os que defendem a saída do euro. Se Francisco Louçã balança entre estas duas posições, Luís Fazenda poderá vir a sentar-se no futuro ao lado de Heloísa Apolónia.

Numa livraria perto de si

Vivemos tempos em que, não raras vezes, os intervenientes na vida pública se escondem atrás de perdas de memória para impedir que se conheçam situações em que estão envolvidos. Não é o caso do CC, que teve agora um esquecimento involuntário, embora imperdoável.

Aconteceu com a apresentação da última obra de Eduardo Pitta, cuja apresentação decorreu na passada sexta-feira: Pompas Fúnebres. Poderá encontrá-lo numa livraria perto de si.

segunda-feira, setembro 29, 2014

Qual é a pressa? [II Acto]


Maria de Belém, não se pode marcar para mais cedo a reunião da comissão nacional do PS?

Viagens na Minha Terra

«Se os factos não se encaixam na teoria, mude a teoria»

«Se os factos não se encaixam na teoria, mude a teoria», diz o velho ditado. Mas, muitas vezes, é mais fácil manter a teoria e mudar os factos, como parecem acreditar ser possível Angela Merkel e outros líderes europeus pró-austeridade. Com os factos à frente do nariz, eles continuam a negar a realidade. É mais ou menos nestes termos que começa um artigo de Joseph Stiglitz intitulado Europe’s Austerity Disaster. Vale muito a pena lê-lo.

Perguntar não ofende

No discurso de vitória, António Costa não deixou de saudar todos os militantes e simpatizantes que participaram nas eleições primárias: «estas eleições não foram a derrota de ninguém, mas a vitória de todos os militantes e simpatizantes do PS». Por outras palavras, o próximo secretário-geral do PS respeita as opções tomadas por cada um e conta com todos para as batalhas que se avizinham. Ainda assim, os jornais põem em relevo a circunstância de António Costa não ter feito uma referência expressa ao líder demissionário. Depois de uma campanha que teve momentos tão baixos, não é de enaltecer que haja na política quem recuse assumir posições hipócritas?

Moralizar acima das suas possibilidades

• João Galamba, Moralizar acima das suas possibilidades:
    «Para além de saber se Passos Coelho recebeu ou não via "despesas de representação", há outro tema sobre o qual já sabemos o suficiente e que mostra que o primeiro-ministro andou a discursar claramente acima das suas possibilidades. Falo da criação do próprio Centro Português de Cooperação (CPPC), a Organização Não Governamental (ONG) que tinha como mecenas a empresa Tecnoforma.

    Ao que sabemos, Passos foi um dos principais impulsionadores da criação desta ONG, que também terá tido a participação do Conselheiro de Estado Marques Mendes. Mas a CPPC não era como a ILGA, ou como os Médicos Sem Fronteiras, ou como a Unicef, como descaradamente tentou sugerir Passos Coelho nas suas explicações ao Parlamento. A CPPC era uma ONG de fachada, criada (literalmente) junto da Tecnoforma e que se dedicava a sacar fundos europeus. Quem o diz não sou eu, é o ex-dono da Tecnoforma: "Aquilo que ela devia fazer era simples: nos projectos que visassem as áreas da formação profissional, ela tentava arranjar os financiamentos para esses projectos. Depois, para implementar esses projectos, a ONG socorria-se da Tecnoforma para fornecer o know-how". Ou seja, a CPC, sob a capa da ajuda ao desenvolvimento e cooperação com os PALOP, servia para angariar negócios para a Tecnoforma. Passos Coelho, à semelhança de Relvas, era um facilitador.

    Independentemente das discussões em torno das despesas de representação e da exclusividade do então deputado Pedro Passos Coelho, sabemos exactamente o que fazia o actual primeiro-ministro na CPPC. Quando Passos Coelho fala de um passado de desperdícios e da irresponsabilidade na utilização de fundos europeus, quando Passos Coelho denuncia a existência de empresas penduradas no Estado, quando Passos Coelho fala de um certo Portugal que importa deixar para trás, uma coisa sabemos: Passos está a generalizar a partir da sua própria experiência pessoal

Sucata política

• António Correia de Campos, Sucata política:
    «Num dos dias da semana passada, Passos Coelho surpreendeu com a declaração de que esteve ao lado do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no seu momento mais difícil. Não se sabia que tinha havido um recente “momento difícil”, nem que Passos Coelho tinha estado à cabeceira do doente.

    O SNS nos seus 35 anos de vida passou por momentos bem mais difíceis, o principal dos quais foi a revogação da orgânica proposta pela lei que o criou em 1979, praticada por um governo da AD em 1982 e depois anulada por decisão da então Comissão Constitucional. A decisão levou a repor em vigor a anterior legislação. Mais tarde, a regulamentação da lei de bases por Leonor Beleza (1990) e depois o regulamento do SNS de Arlindo de Carvalho (1993) foram momentos difíceis, afinal vencidos com bom senso. No final da década de 1990, a concentração de recursos na educação levou à penúria orçamental na saúde, prejudicando a racionalidade da gestão, aumentando o endividamento, fazendo perder eficiência ao sistema. O padrão continuou na primeira metade da primeira década do novo século, com rectificativos e novos e insuficientes orçamentos iniciais. O ciclo só foi quebrado em 2005 e anos seguintes com dotações orçamentais quase coincidentes com a despesa real, o que permitia impor regras de cumprimento financeiro estrito e eficiente. (…)»

O dia um do ano eleitoral

• José Pacheco Pereira, O dia um do ano eleitoral:
    «1. Hoje começa o ano eleitoral de 2015. O PS passou a partido de oposição.

    2. Porque é que eu digo que o PS não tem sido um partido de oposição, mesmo apesar do radicalismo verbal do seu antigo secretário-geral? Por coisas como esta: na última semana antes das eleições primárias, houve um encontro secreto entre o secretário-geral da UGT e o primeiro-ministro. Segundo diz o oráculo governamental, Passos Coelho convenceu o secretário-geral da UGT a aceitar o acordo sobre o salário mínimo. Tudo quanto é ministro, do primeiro ao último, incluindo o ministro-viajante Paulo Portas foi lá à concertação social (que eles desprezam todos os dias, a não ser quando têm a UGT no bolso) para marcar a grande vitória do governo. As fontes do governo diziam que era fundamental haver um acordo antes do final do processo eleitoral no PS. Percebe-se porquê. O secretário-geral da UGT é um dos principais executantes da política de Seguro, de que foi um dos mais activos apoiantes, prestou-se ao timing propagandístico do governo e à substância de um acordo que fragiliza a segurança social, a mesma que o governo usa como pretexto para as suas previsões neo-malthusianas. É mais um exemplo do que aconteceu nos últimos três anos. (…)»

domingo, setembro 28, 2014

«O primeiro dos últimos dias da actual maioria»


António Costa afirmou hoje que a vitória nas primárias do PS representa «o primeiro dia de uma nova maioria de Governo» e, em simultâneo, «o primeiro dos últimos dias da actual maioria» [vídeo].

António Costa: «Este cravo é vosso»

Está uma noite linda

Logo à noite, há mais


Temas da Opinião de José Sócrates no dia 21 de Setembro 2014: pedidos de desculpa dos ministros da Justiça e da Educação, situações estranhas no Novo Banco e reforma eleitoral de Seguro caída do céu. Pode ver ou (re)ver no site da RTP ou aqui (via Miguel Ângelo).

Levados ao engano

Jorge Nuno Pinto da Costa: «Nunca tive, em 50 anos que joguei na bolsa, uma acção do BES. Vi as acções descer e ouvi o primeiro-ministro dizer que o BES era um banco seguro, que tinha uma almofada para pagar o dobro das dívidas que tinha. E quando ouvi o Presidente da República, mais palavra menos palavra, a dizer o mesmo, eu, que confiava no que eles diziam, pela primeira vez, e como muita gente, fui comprar acções do BES». Resultado: «Senti-me vigarizado. Foram-me ao bolso». E Pinto da Costa acrescenta: «Agora, não faço ideia se o Presidente da República e o primeiro-ministro vão indemnizar os que enganaram.»

O que aconteceu a Pinto da Costa aconteceu também a muitos milhares de pequenos accionistas. O regime democrático sempre teve uma especial atenção para com os pequenos aforradores. Miguel Cadilhe dava, há tempos, vários exemplos desta «tradição ou princípio geral que decorre de simples e enraizadas considerações de natureza social e política»:
    «Temos vários exemplos dessa discriminação a favor dos pequenos: a lei das indemnizações, subsequente às nacionalizações de 1975, estabelece taxas de juro crescentes em função dos montantes a pagar a cada indemnizando; as leis das reprivatizações, de 1988 e 1990, consagram uma quota-parte para os pequenos subscritores; junto do BdP, o "Fundo de Garantia de Depósitos" abriga os pequenos depositantes até 100 mil euros; junto da CMVM, o "Sistema de Indemnização aos Investidores" abriga os pequenos investidores até 25 mil euros; etc.»

Com este governo, não esquecendo aquela mão que está escondida atrás do arbusto, não há tradição que resista. Passos & Portas deixarão um país virado do avesso.

Da série "Frases que impõem respeito" [875] (número duplo)


Tem a certeza de que eu fui membro disso? Com franqueza, nem me lembrava disso e não faço ideia de quais eram os seus objectivos.

Ai que engraçado! Então, sem querer, ou por querer, eu estou ligado à Tecnoforma. Olhe que engraçado. Não tem graça nenhuma, mas é a vida!

Há remédio para as brancas

• Pedro Marques Lopes, Na terra das avestruzes:
    «(…) Não é que não estejamos demasiado familiarizados com a falta de memória de Passos Coelho, mas precisar de uma semana para se lembrar de que, durante três anos, não lhe foi paga uma quantia, que a esmagadoríssima maioria da população portuguesa não consegue arrecadar numa vida inteira, é, digamos, algo que permite recomendar uma caixa inteira de Memofante. (…)»
• João Quadros, O EDT (esquecido disto tudo):
    «A pergunta era simples, recebeu Pedro Passos Coelho algum vencimento pelo seu cargo de presidente da CPPC ligada à empresa Tecnoforma, entre 1997 e 1999? A resposta do PM não lembraria a uma personagem da série House of Cards: "É à PGR que compete esclarecer se isto envolve algum ilícito ou não. Peço que investiguem...". O nosso PM, como não se lembra, pede à PGR que verifique se não houve trafulhice.

    É extraordinário este pedido de Passos Coelho. Em vez de dizer: "se eu pedi exclusividade é porque não recebi, não sou aldrabão!". Diz: "eu pedi exclusividade, mas como não podemos confiar em mim, porque eu podia estar a aldrabar, peço que vão ver se gamei". Numa frase: "Já não me lembro se sou aldrabão e se tenho condições para aqui estar, a polícia que me diga se sou um gatuno".

    Para começar, tudo indica que temos aqui um Passos Coelho a viver acima das nossas possibilidades, a misturar política com negócios e a subsistir de subsídios sacados ao Estado! O horror! Agora, a verdadeira razão porque Passos não responde à pergunta, com um sim ou não, é porque sabe que se disser sim, está tramado porque não declarou às finanças e recebeu subsídio que não devia. Se disser não, vai aparecer um documento que prova o contrário, e está acabado.

    Ele quer evitar ambas as vergonhas e responde - nim. Mas está só a adiar o fim. (…)»

sábado, setembro 27, 2014

O pecado original: a constituição da «ONG»


Andamos todos entretidos a discutir o montante das «despesas de representação» que Passos Coelho auferiu na «ONG». Mas há um pecado prévio: a constituição da própria «ONG».

As organizações não governamentais (ONG) são instituições, sem fins lucrativos, constituídas de forma autónoma, destinadas a desenvolver acções de solidariedade no campo das políticas públicas. O ex-dono da Tecnoforma afirmou que a constituição da «ONG» foi um mero expediente a que ele e Passos Coelho recorreram para facilitar o acesso a fundos comunitários.

Ora a primeira questão que o alegado primeiro-ministro tem de esclarecer é o seu envolvimento neste manhoso expediente, a ponto de se ter tornado o presidente da «ONG».

A entrevista do ex-dono da Tecnoforma à Sábado põe em evidência que o alegado primeiro-ministro ainda tem muito por esclarecer. Eis algumas passagens:
    - O que é que lhe disse [a Passos Coelho] que pretendia com o tal Centro Português para a Cooperação?
    - O objectivo era explorar as facilidades de financiamentos da União Europeia para projectos em Angola ou nos PALOPs [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa].

    - Mas a ONG era uma organização de solidariedade ou uma forma expedita de conseguir negócios para a Tecnoforma?
    - Aquilo que ela devia fazer era simples: nos projectos que visassem as áreas da formação profissional, ela tentava arranjar os financiamentos para esses projectos. Depois, para implementar esses projectos, a ONG socorria-se da Tecnoforma para fornecer o know-how.

    - Ou seja, a ONG contratava depois a Tecnoforma para fazer na prática os tais projectos.
    - Sim, naquilo que fosse do âmbito da Tecnoforma.

    - Mas Passos Coelho disse ao Público que encarou com "seriedade o propósito" de ajudar a "criar uma ONG com a finalidade de promover a cooperação" entre Portugal e os PALOPs.
    - Só posso dizer que ele foi receptivo ao que ouviu e disse logo que tínhamos de arranjar estas e aquelas pessoas e arranjou. Arranjou pessoas que eu não conhecia.

    - Que género de pessoas eram essas?
    - Pessoas com influência.

    (…)

    - No seu entender, Pedro Passos Coelho queria no CPPC gente com influência para quê?
    - Que pudessem de facto, sei lá, movimentar, abrir ou facilitar a vinda de projectos para a ONG no âmbito da formação profissional e dos recursos humanos e que depois esses projectos pudessem ter a participação da Tecnoforma.

    - Volto a perguntar, Passos Coelho sabia que esta ONG era criada com esse intuito?
    - Tanto é assim, que eu cheguei a ir com ele a Bruxelas para um encontro com o comissário europeu João de Deus Pinheiro [militante do PSD, ex-ministro da Educação e dos Negócios Estrangeiros em três governos de Cavaco Silva e Comissário Europeu entre 1993/2000].

    (…)

    - Quando convidou Passos Coelho para presidir à ONC prometeu-lhe um ordenado, uma avença ou qualquer outro pagamento?

    - Vou pedir-lhe para parar a gravação.

    Reinício da gravação (13 minutos depois).

    - Pedro Passos Coelho era remunerado pela ONG ou pela Tecnoforma?
    - Eu não me recordo de remunerações, não me recordo. Só posso dizer que as despesas que envolviam os custos do CPPC eram todas pagas pela Tecnoforma.

    - Ele não tinha remuneração oficial, é isso?
    - Não havia contrato nem nada.

    - O que não quer dizer que não lhe pagasse.
    - Eh pá, isso já não me recordo. É um bocado arriscado estar-lhe a dizer e era grave.

    (…)

    - Mas pode dizer-me quem financiava o CPPC?
    - Vinha tudo da Tecnoforma.

    - O CPPC tinha um orçamento anual formal?
    - A Tecnoforma pagava as despesas que aparecessem. As instalações do CPPC eram também na Tecnoforma, pois ficavam na sede da empresa, no Pragal [Almada].

    (…)

    - Passos Coelho era o seu lobista de serviço?
    - Não gosto da expressão.

    - Não gosta porque não gosta ou não gosta porque não corresponde à realidade, àquilo que acha que ele fazia?
    - Não sei, não sei responder.

Ó Felícia, conte-nos tudo tintim por tintim

Felícia Cabrita, a jornalista do outrora luminoso Sol que adivinhou o mistério do estripador de Lisboa (vídeo), escreveu uma assombrosa biografia de Pedro Passos Coelho, um homem invulgar: «Quem o conhece garante que não aceita meias verdades, que gosta de surpreender os adversários, que é um líder frio e determinado (…). Os tempos não são fáceis, mas as suas ideias são claras. Quer o melhor para o país.»

Com certeza que a indómita investigadora sabe tudo sobre o escândalo que deixou o Governo à beira da implosão. Se, porventura, não descreveu na sua obra os mais ínfimos pormenores da «ONG» CPPC (Cantinho de Pedro Passos Coelho), foi para não encarecer o produto. Ó Felícia, conte-nos agora tudo tintim por tintim — numa segunda edição revista e ampliada da admirável biografia que em boa hora nos ofereceu.

Porque hoje é Sábado…


… é possível antecipar que Luís Marques Mendes irá explicar tudo sobre a «ONG» e a Tecnoforma — ele que, na passada semana, disse na SIC que Pedro Passos Coelho não ligava nenhuma ao dinheiro (e esqueceu-se de dizer se ele próprio ligava).

Eis um extracto da entrevista dada por Fernando Madeira, ex-dono da Tecnoforma/«ONG», à revista Sábado, em 7 de Maio de 2014:
    - Ou seja, a ONG contratava depois a Tecnoforma para fazer na prática os tais projectos.
    - Sim, naquilo que fosse do âmbito da Tecnoforma.

    - Mas Passos Coelho disse ao Público que encarou com "seriedade o propósito" de ajudar a "criar uma ONG com a finalidade de promover a cooperação" entre Portugal e os PALOPs. - Só posso dizer que ele foi receptivo ao que ouviu e disse logo que tínhamos de arranjar estas e aquelas pessoas e arranjou. Arranjou pessoas que eu não conhecia.

    - Que género de pessoas eram essas?
    - Pessoas com influência.

    - Refere-se aos fundadores, àqueles que fizeram parte dos órgãos sociais da CPPC? Está a falar do então líder parlamentar do PSD, Luís Marques Mendes, e dos também sociais-democratas Ângelo Correia e Vasco Rato [nomeado recentemente pelo Governo para presidir à Fundação Luso-Americana]?
    - Sim, sim. E do PS, mas era só um, o então deputado Fernando de Sousa. O Pedro dava-se muito bem com ele. Acho que foi o escolhido para presidir à assembleia-geral do CPPC.

Começar a construir a casa pelo tecto

Hoje no Expresso (via Nuno Oliveira)
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Ai essa memória

• André Macedo, O que Passos escondeu:
    «(…) Passos Coelho gastou efetivamente cinco mil euros por mês (mil dos velhos contos) durante aqueles três anos apenas para custear viagens ao serviço da ONG? (…)»
• Ferreira Fernandes, Vá lá um esforço, gabe-se, Passos!:
    «(…) estranho uma nebulosa. Onde menos esperava. Sobre o Centro Português para a Cooperação (CPPC), onde Passos trabalhou, de borla, naquele período para o qual os jornais trouxeram a controvérsia, 1996-99, é que fiquei sem saber nada. Estranho. Sim, porque o CPPC era uma ONG, uma organização que não vive para lucros. A esta altura, eu já devia saber tudo sobre o CPPC. O que fazia, que generosidade praticava? Como obrigava os seus a sacrifícios nas viagens e nas pensões? Seria educativo vermos as faturas modestas para tão grandes causas. Passos tem um livro, Mudar, lançado em 2010, em que se conta a si próprio. Fala da Tecnoforma e nunca fala dessa coisa bonita que foi trabalhar numa ONG. Aliás o termo "ONG", nas 277 páginas do livro, só é referido uma vez e de forma geral sem nada que ver com o CPPC. Estranho. Mais, irrita-me a modéstia das pessoas devotadas, como é certamente o caso.»

sexta-feira, setembro 26, 2014

«Os dias do fim»: uma retrospectiva [3]

Numa acção de campanha a 30 de Julho, António Costa mostrou por que o PS não era visto como alternativa ao governo mais extremista que o regime democrático conheceu: «A direita falhou no diagnóstico e na resposta, mas o PS tem tido dificuldade em ser visto pelos cidadãos como alternativa. Essa dificuldade resulta de se ter dado a entender que o que o distinguia do Governo era uma questão de ritmo e de dose.» E o próximo secretário-geral acrescentava: «O que o país exige não é que mudemos o ritmo nem diminuamos a dose, o que o país nos pede é que façamos diferente, com uma alternativa clara a este Governo».

Seria possível citar inúmeros exemplos de como António José Seguro aprisionou o PS nesta estratégia de se limitar a procurar refrear a política do Governo de «ir além da troika» (sem nunca denunciar que tais cortes não constavam do memorando). Recorde-se o caso do Orçamento do Estado para 2012, em relação ao qual, perante a decisão do Governo de cortar os subsídios de férias e de Natal, António José Seguro sugeriu que apenas fosse cortado um dos subsídios. O Tribunal Constitucional arrumou a questão, tendo declarado inconstitucionais ambos os cortes. Seguro festejou como se tivesse contribuído para o resultado.

O que está em jogo no PS

• José A. Vieira da Silva, O que está em jogo no PS:
    «(…) Foi a incapacidade do PS e da sua liderança em protagonizar esse caminho que veio exigir a clarificação hoje em curso.

    Mobilizar e dar voz aos setores mais dinâmicos e à oposição ao falhanço do governo da direita não poderá ser conseguido com opções erráticas que tão depressa censuram o governo e solicitam a sua demissão, como criam a ilusão da possibilidade de um compromisso de “salvação nacional”.

    Firmeza na política e capacidade de diálogo e abertura não são contrários, são sim complementos essenciais. E quem os não consegue compatibilizar facilmente deriva para o populismo na proposta e no discurso político.

    Infelizmente, foi essa a opção da liderança de António José Seguro traduzida na exploração absurda da contradição entre os doutores e o povo, entre Lisboa e os descamisados do interior.

    A ser vencedora essa visão, que nada na sociedade portuguesa valida, condenaria o PS a uma caricatura de si mesmo.

    Aos militantes e simpatizantes do PS cabe dizer não a esta opção sem saída e sem futuro, a este taticismo que tudo apostou na suposta inevitabilidade da alternância. Na expectativa que o poder lhe “caísse no colo”. (…)»

Pagode chinês

Ontem no Público

O título não é uma alusão à «República Pagode Xinês», habitada por estudantes monárquicos de direita, onde viveu Albino Azevedo Soares quando passou por Coimbra. Depois das trapalhadas em que se envolveu para dissimular a situação de Passos Coelho relativamente ao regime de exclusividade dos deputados, o secretário-geral da Assembleia da República deixou numa posição delicada a presidente do parlamento. Assim sendo, Assunção Esteves não entende ter obrigação de reagir a estas trapalhadas que atingem o órgão de soberania, sob pena de a sua presidência ser confundida com um pagode chinês?

«Os dias do fim»: uma retrospectiva [2]

Eurico Brilhante Dias participou ontem na Quadratura do Círculo na qualidade de apoiante de António José Seguro. Na ocasião, o efémero participante contrariou veementemente a opinião de Pacheco Pereira de que há diferenças notórias entre António Costa e Seguro em relação ao posicionamento face à Europa e que, no essencial, a estratégia da direcção do PS não se distinguia da linha de submissão do Governo.

A verdade é que Pacheco Pereira tem razão neste caso. Ainda a 18 de Março deste ano, Brilhante Dias, enquanto porta-voz da direcção do PS para os assuntos económicos e financeiros, lembrou que existe «consenso» em Portugal sobre uma «consolidação orçamental sustentável», recordando que o PS assinou o tratado orçamental europeu e deu luz verde à lei de enquadramento orçamental: «O consenso em torno da consolidação orçamental sustentável em Portugal tem um amplo apoio social e político. E hoje, em Berlim, a chanceler alemã reconheceu que o maior partido da oposição em Portugal assume os seus compromissos, honra os seus compromissos, e por isso esta posição do PS fortalece Portugal num momento difícil».

No dia a seguir a estas declarações de Brilhante Dias, António José Seguro repetiu esta posição no debate quinzenal. E o ainda secretário-geral do PS nem se esqueceu de fazer alusão ao atestado de bom comportamento passado por Angela Merkel.

Uma questão de confiança



António Costa na Aula Magna em Lisboa (ontem)

Reportagem do CC no pavilhão do Casal Vistoso (em Lisboa)

A dinâmica de vitória no Casal Vistoso

Ana Gomes a atirar-se aos advogados de negócios,
que estão todos eles com António Costa

Debaixo do nariz de Ana Gomes,
José Lamego acabara de a ouvir com evangélica paciência

Lisboa rende-se a Seguro, com o embaciado João Cordeiro
a exprimir simbolicamente a separação entre política e negócios

Porquê?!

Via Tiago Antunes

Podendo a actividade cívica contribuir para dar mais brilho a um curriculum, porque é que Passos Coelho explica — no «livro» Mudar — todo o seu percurso profissional, omitindo sempre a sua colaboração à «ONG»? Porquê?!

E em relação à Tecnoforma — a empresa que obteve fundos comunitários entregues pelo Dr. Relvas para formar funcionários municipais para os afectar a aeródromos concelhios, na sua maioria desertos ou desactivados —, Passos Coelho sustenta que se tratou de um «projecto bastante bem-sucedido».

E ele continua a não conseguir espicaçar a sua própria memória

No debate parlamentar que está a decorrer, Passos Coelho acaba de sustentar que a «ONG» [«Centro Português para a Cooperação»] não fez nenhum negócio à sua custa: citando de memória, «[a «ONG»] não teve resultados e [ele] não fez lobbying». Ora o presidente da Tecnoforma, financiador da «ONG», afirmou o seguinte à revista Sábado (edição de 8 de Maio de 2014):

«Tivesse o país um Presidente da República isento e exigente»

— Ó Pedro, vais também dizer que, «para serem mais honestos do que tu,
têm de nascer duas vezes»?

• Pedro Silva Pereira, Situação explosiva:
    «Assolado pelos maus resultados e pelas graves crises que os erros dos ministros vão provocando no regular funcionamento dos sistemas públicos que lhes estão confiados, dos tribunais às escolas, a última coisa de que o Governo precisava era de um Primeiro-Ministro incapaz de dar resposta pronta quando questionado sobre a sua idoneidade. Com a sua contra-ofensiva eleitoralista, o Governo tenta desconversar. Mas a verdade não passa despercebida a ninguém: Passos Coelho luta pela sua sobrevivência. E não é certo que resista.

    O quadro é cada vez mais negro para o Governo PSD/CDS - e Passos Coelho e Paulo Portas sabem isso muito bem. A melhor prova está na agenda eleitoralista que o Governo preparou para este último ano do seu mandato e para servir de cortina de fumo nas crises que atingem a imagem do Governo: adiamento da reforma do Estado, suspensão da reforma da segurança social, abandono das novas medidas de austeridade (mesmo que já anunciadas), redução de impostos e, agora, aumento do salário mínimo.

    Para levar à cena este fantástico espectáculo de luz, som e propaganda, o Governo desdobra-se em vistosas piruetas e não hesita em dar o dito por não dito. A consolidação das contas públicas, que era para ser feita pelo lado da despesa e pela guerra às malfadadas "gorduras do Estado", faz-se, afinal, à vista de todos, pelo lado da receita, mas não tem problema nenhum; as reformas estruturais, que eram imprescindíveis ao "ajustamento" e absolutamente inadiáveis, afinal podem esperar e ficam para a próxima legislatura; e o salário mínimo, que o Primeiro-Ministro dizia que até devia baixar, afinal aumenta e "mais do que estava previsto". Mas vai nisto tudo uma enorme ilusão.

    Esta desesperada ofensiva eleitoralista só confirma este ambiente de fim de ciclo: o fim do ciclo governativo da direita. Na verdade, por muito vistosa que seja, toda esta encenação política de última hora não apaga a evidência do fracasso do Governo testemunhada dolorosamente na vida das pessoas, das empresas e das instituições. E muito menos conseguirá desviar as atenções do que é essencial ou dispensará o Primeiro-Ministro de responder com frontalidade às perguntas muito simples que o Pais inteiro lhe está a fazer.

    Tivesse o país um Presidente da República isento e exigente com o regular funcionamento das instituições democráticas e já lhe teríamos ouvido uma palavra sobre o caos que se instalou no sistema de Justiça. E sobre o resto. Nem que fosse para dizer o óbvio: estamos à beira de uma Situação explosiva.»

Referencial de ética

Morte presumida

Pedro Silva Pereira, verificando que Mário Nogueira não dá notícias há alguns anos, admite termos de nos convencer de que poderá ter acontecido o pior:

    «Instalada que está uma monumental trapalhada na colocação de professores, com graves prejuízos para o arranque do ano escolar e o normal funcionamento das escolas, a ponto de o próprio Ministro Nuno Crato ter sido forçado a pedir desculpas públicas para enorme embaraço do Governo PSD/CDS, vale a pena fazer uma perguntinha simples: alguém viu por aí o Mário Nogueira? A dúvida é muito pertinente, mesmo em termos jurídicos: de acordo com o nº 1 do artº 114º do Código Civil, "Decorridos dez anos sobre a data das últimas notícias (...) podem os interessados (...) requerer a declaração de morte presumida". E o prazo já está a contar.»

quinta-feira, setembro 25, 2014

O dia em que o fisco fez gazeta
ao combate à fraude e à evasão fiscais

Hoje na Visão

Sérgio Mesquita estava de férias. Quando deu por isso, já não era director da importante Direcção Distrital de Finanças do Porto. Um despacho exarado pela Miss Swaps a 1 de Setembro de 2013, por acaso um domingo, fizera cessar a sua comissão de serviço, nomeando para o cargo, em regime de substituição, o director de finanças de Aveiro, Telmo Tavares.

A Direcção Distrital de Finanças do Porto tinha então em mãos um processo de fraude fiscal que envolvia uma família de empresas ligadas às campanhas do PSD nas eleições europeias, legislativas e autárquicas de 2009. A cabeça desta família de empresas é a WeBrand.

De acordo com a Visão, uma das medidas tomadas por Temo Tavares, quando aterrou de supetão na Direcção de Finanças do Porto, foi modificar a composição da equipa que inspeccionava a WeBrand e afins. Estando prestes a concluir o trabalho, a equipa inicial da inspecção tributária havia apurado dívidas fiscais, relativas aos anos de 2008 e 2009, num montante superior a um milhão de euros, «mas a agência que fez campanhas para o PSD apenas terá sido notificada para pagar um valor irrisório.»

Por isso, informa a Visão de que o Ministério Público está a investigar suspeitas de interferências políticas numa alegada «prescrição»¹ de dívidas fiscais do universo da WeBrand relativas a 2008 e 2009. Envolvidos nas actividades da WeBrand, são citados nomes da cúpula do PSD e do próprio Governo. E mais uma vez, a Miss Swaps terá de se explicar.

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¹ Pelos elementos da peça, tratar-se-á da caducidade do direito à liquidação. Seja o que for, o Estado foi defraudado.

quarta-feira, setembro 24, 2014

«Os dias do fim»: uma retrospectiva [1]

É conhecida a oposição da direcção do PS ao pedido de fiscalização sucessiva do Orçamento do Estado para 2012 que um grupo de deputados levou a cabo. Passados estes anos, António José Seguro fala de alto das derrotas que o Governo averbou por o Tribunal Constitucional ter travado a violação da Constituição da República por parte de Passos & Portas.

Acontece que António José Seguro manifestou também em relação ao Orçamento do Estado para 2013 sérias reservas a que os deputados do PS recorressem ao Tribunal Constitucional para impedir que os cortes anticonstitucionais dos rendimentos dos funcionários públicos e dos pensionistas se consumassem. Disse ele então aos jornalistas à margem do debate do Orçamento: «É no terreno político que continuarei a lutar contra este orçamento».

Se os deputados do PS tivessem seguido a vontade e as orientações de António José Seguro, o Governo de Passos & Portas teria conseguido levar a austeridade a patamares inimagináveis. É este homem que quer agora conduzir o país à «mudança».

Da série "Frases que impõem respeito" [874]



Seguro, se quisesse ter um gesto de patriotismo, em vez de dizer asneiras, como está a dizer, demitia-se - porque ainda podia salvar qualquer coisa, mas se o não fizer sai muito mal.
      Mário Soares, acusando-o ainda de ter sido «durante muito tempo o associado principal da direita, o grande amigo dele era o Presidente da Republica»

Media é que esclarecem pedido de Passos dirigido à AR
e deixam secretário-geral da AR numa situação insustentável

Contrariamente ao entendimento escrito pelo secretário-geral da Assembleia da República — que tomou posse há cerca de um ano —, Passos Coelho requereu o subsídio de reintegração ao abrigo do regime de exclusividade. O pedido do alegado primeiro-ministro foi hoje divulgado pelo Expresso:

Clique na imagem para a ampliar

Friendly fire


Na sequência de um acontecimento triste, Álvaro Beleza conta que fez, há oito anos, um «pacto que continua em vigor» com António José Seguro, de acordo com o qual, «dali a dez anos», «jantaríamos em São Bento». Dava então os primeiros passos o Governo do PS de maioria absoluta. Cabe perguntar: quem andou no PS a trair quem, conspirando e até fixando metas?

Os passes de Passos

Sobre o pedido de Passos Coelho para que seja a Procuradoria-Geral da República a esclarecer se o próprio foi remunerado pela Tecnoforma, vale a pena ouvir, no programa «Pares da República» da TSF, o que é dito por:
    Mota Amaral, que sustentou que o alegado primeiro-ministro já devia ter «espevitado» a memória para esclarecer este caso há mais tempo sem recorrer à PGR;
    Proença de Carvalho, que defendeu, por um lado, que a prescrição excluirá qualquer procedimento criminal e que, por outro, a PGR também não fará qualquer juízo ético-político sobre Pedro Passos Coelho.

«Se tudo na vida fosse tão simples…»

    «1. O País prefere Costa.
    2. O Governo prefere Seguro.
    3. A extrema-esquerda ataca Costa.
    4. A direita acarinha Seguro.
    5. Ah, se tudo na vida fosse tão simples como escolher nas primárias do PS!»

Efeito de boomerang

Diário da República, 1.ª série, n.º 160, de 22 de Agosto de 2011

Três anos de oposição confirmaram o vazio de ideias. Três meses de campanha para as primárias estragaram a imagem do bom rapaz. Ontem, no último debate na RTP, António José Seguro confirmou amplamente uma e outra coisa, pondo em evidência que não reúne as condições políticas e psicológicas para dirigir um porta-aviões como o PS. O ainda secretário-geral encerra uma carreira da pior maneira possível: não hesitou em lançar lama indiscriminadamente sobre o partido de que faz parte, aproveitando uma lamentável entrevista para tentar conspurcar o seu opositor, como se António Costa fosse responsável pelas palavras ou pelos actos daqueles que se dizem seus apoiantes.

De resto, está em causa a mesma pessoa que foi escolhida por António José Seguro para representar o PS na Comissão Nacional de Eleições, certamente numa das primeiras decisões que tomou após ter sido eleito secretário-geral. É só folhear o Diário da República (como se pode ver na imagem supra).

Por que razão Passos Coelho está a querer ganhar tempo?

Quando afirmou numa entrevista que «o Pedro é que abria as portas todas», houve um só momento em que o patrão da Tecnoforma ficou embaraçado e até pediu para o gravador ser desligado. Aconteceu quando questionado acerca das remunerações pagas a Pedro Passos Coelho: «Eh pá, isso já não me recordo. É um bocado arriscado estar-lhe a dizer e era grave.» A verdade é que, já em 2011, dois administradores da Tecnoforma haviam contado ao Expresso que Passos Coelho trabalhou para este grupo enquanto era deputado.

É inverosímil que Passos Coelho «não tenha presente» se o trabalho que prestou à Tecnoforma foi pago. Então, que pretende Passos Coelho com esta estratégia de remeter o cabal esclarecimento da situação para a Assembleia da República (no início da semana) e para a Procuradoria-Geral da República (ontem)?

Vamos por partes.


O pedido de esclarecimento feito ao parlamento teve o propósito de evitar que, no caso de ser descoberto (como viria a acontecer) que Passos Coelho tinha requerido o subsídio de reintegração, fosse ele apanhado a mentir. Coube ao secretário-geral da Assembleia da República — ex-secretário de Estado de Balsemão e Cavaco — fazer esse vergonhoso papel a dois tempos: primeiro, ao negar que Passos Coelho tivesse optado pelo regime de exclusividade e, depois, embrulhando-se na explicação da atribuição do subsídio de reintegração (a que só teria direito se estivesse em exclusividade de funções).

Ontem, na conferência de imprensa conjunta com Martin Schulz, Passos Coelho voltou a fazer uma declaração inverosímil: não tinha ainda tido oportunidade de ler o (segundo) comunicado do secretário-geral do parlamento. Eram cinco horas da tarde. Mas, logo aí, após ter sido bombardeado com perguntas dos jornalistas a que não respondeu, afirmou que iria requerer de imediato que a Procuradoria-Geral da República investigasse a situação. Entretanto, ainda não foi apresentado nenhum pedido por parte de Passos Coelho.

Acontece que, do ponto de vista criminal, os factos estão prescritos. Ele sabe que nós sabemos que ele sabe que a Procuradoria-Geral da República não pode investigar factos prescritos. Assim, o pedido terá o único propósito de ganhar tempo.

De acordo com o que veio a público, as declarações de IRS de Passos Coelho não contêm os rendimentos que ele poderá ter auferido na Tecnoforma. Tendo já caducado o direito à liquidação do imposto em falta, também a Autoridade Tributária não poderá investigar seja o que for.

Por outro lado, as sociedades comerciais são obrigadas a guardar a sua contabilidade durante dez anos. Os factos em causa ocorreram há mais de dez anos.

Face ao exposto, as declarações falsas prestadas por Passos Coelho e a fuga aos impostos, a terem ocorrido, só podem ser esclarecidas por uma destas vias:
    • Ou o alegado primeiro-ministro exige que a Tecnoforma e o banco onde tinha conta permitam o acesso às respectivas contabilidades para que a sua reputação não seja manchada;
    • Ou provas documentais da denúncia anónima que se diz ter sido enviada para a Procuradoria-Geral da República chegam aos jornais.

Aqui chegados, poderemos conjecturar que as manobras dilatórias de Passos Coelho visam ganhar tempo para fechar os eventuais alçapões que o possam comprometer. Ora, não podendo ter nunca a certeza de que não andem por aí provas documentais à solta, o último ano do mandato do alegado primeiro-ministro será percorrido sob a ameaça ou a chantagem da bomba atómica.

PS — Questionado há dias pelo Público acerca dos pagamentos a Passos Coelho pelos serviços prestados à Tecnoforma, o presidente da empresa respondeu o seguinte: «Estou convencido de que ele [Passos Coelho] recebia qualquer coisa, mas não posso falar em valores porque não posso provar nada». Esta declaração não deixa grande margem para dúvidas de que a «abertura de todas portas» foi um serviço pago, mas faz admitir a possibilidade de poder ter acontecido em «cash» e em espécie.

Ponto final

• Ferreira Fernandes, Ponto prévio:
    «Estão a ver a Maria Luís Albuquerque? Pois está aí uma política de quem não gosto das ideias nem de como as executa. Mas foi nela em quem pensei, disposto a ouvi-la se - por um acaso que nem é assim tão espantoso - ela estivesse ontem, com António Costa, a discutir a liderança do PS. Ela defenderia e atacaria com a qualidade primeira a exigir em quem quer mandar: ela mostraria ser líder. Esse, um problema que tem o PS, e não têm o PSD, o CDS ou o PCP. Além de líderes, os partidos têm todos políticos, a vários níveis - e por isso citei Albuquerque -, que transmitem firmeza, e, aí, o PS também. Mas no topo o PS tem Seguro. É por isso que se me perguntam o resto, sobre o que ele defende, desde a reforma da lei eleitoral ao combate ao desemprego, digo sempre ter um ponto prévio. Que é: ele não presta para chefe. Nem preciso de ser grandiloquente, dizer que não iria caçar tigres com ele. De facto, eu preferia ir sozinho por um bairro perigoso do que tê-lo ao meu lado. Sim, ele seria o melhor que uma velhinha poderia encontrar no passeio para ajudá-la a atravessar a passadeira (sobretudo se houvesse fotógrafo por perto) mas, já na passadeira, eu aconselharia a velhinha a confiar só em si. Seguro é a cara mais sincera da fraqueza e a expressão mais notória da insegurança. Achar que ele pode ser chefe de partido e, sobretudo, chefe de Governo é uma tragédia. É extraordinário que ele suscite outra discussão que não seja esse ponto prévio.»

A questão com uma resposta óbvia:
quem está em melhores condições?

• Pedro Nuno Santos, Quem está em melhores condições?:
    «O primeiro processo de primárias de um partido político em Portugal termina já no próximo dia 28. Nestes últimos três meses confrontaram-se duas visões diferentes do programa político de que o país precisa. Foi principalmente nos discursos, nos debates e entrevistas que os dois candidatos apresentaram os seus diagnósticos, as suas prioridades e as suas formas de estar na política. António Costa centrou a sua campanha na afirmação de uma agenda para o país, com um horizonte de médio e longo prazo - a Agenda para a Década - e na defesa de um programa de recuperação económica, em articulação com essa estratégia. António José Seguro optou pelo confronto pessoal, pela estratégia de vitimização e pela defesa do direito a ser recompensado pelos três anos à frente do PS, como se disputar as eleições legislativas do próximo ano fosse um prémio. António Costa percebe que a única maneira de reconciliar os portugueses com a democracia é liderar um programa que finalmente dê resposta aos seus problemas e anseios; já António José Seguro, ao não perceber que a principal razão para o afastamento dos cidadãos da política se prende com a incapacidade da política de produzir resultados, concentrou-se em defender alterações na forma de eleger deputados e na dimensão do parlamento (bastava, aliás, olhar para países com sistemas assentes em círculos uninominais para verificar que isso não representa taxas de abstenção inferiores à nossa). Confrontaram-se assim duas personalidades com competências de liderança claramente distintas - António José Seguro bateu-se pelo país, com dedicação, ao longo dos últimos três anos, mas não conseguiu conquistar os portugueses; António Costa foi mostrando ao longo do seu vasto percurso político competências essenciais para o cargo de primeiro-ministro: capacidade de liderar, decidir, gerir executivos, promover consensos com adversários e comunicar e explicar as suas ideias e reformas. Quem está em melhores condições para ganhar eleições e governar Portugal? É a pergunta a que militantes e simpatizantes vão ter de responder no dia 28 de Setembro.»

terça-feira, setembro 23, 2014

i-mprensa renovada

Depois do Correio da Manha, da secção laranja do DN, do Diário Económico, da Sábado, do Sol, do Observador, etc., etc., fazia ainda falta um órgão com uma linha editorial à direita. O renovado i da Newshold assumiu, sem artifícios, o espaço vago. Hoje, a sua primeira página está um espectáculo. Em cima, uma imagem da forte chuvada em Lisboa para acomodar uma declaração hipócrita de Seguro: «Ao contrário de Costa, não direi nada que possa prejudicá-lo no seu mandato». Logo em baixo, descontextualiza-se um estudo para nos levar a concluir que há camas a mais nos hospitais, prova provada de que o SNS vive manifestamente acima das necessidades: «Dois terços dos doentes não deviam estar nos hospitais». Logo a seguir, a defesa da reguada como uma aplicação criadora da ideologia de Crato & Mena Mónica: «Pode um professor dar uma palmada a uma criança?» Em rodapé, quatro destaques: um vice-presidente do PSD que quer a redução de impostos, a recuperação dos três F («Imagem de Fátima no IPO de Lisboa para pagar promessa de mãe»), a insistência na absolvição de Passos (com o Público a estragar hoje a festa) e uma referência aos filmes a ver até ao final do ano. Talvez esta última alusão ao cinema seja a única peça neutra. É obra.

Notícias da prometida implosão do Ministério da Educação


— Ó Pedro, eu… pedir desculpa… até peço. Mas como resolver a bronca é que não sei. E, o pior, é que já vem outra a caminho.