domingo, agosto 31, 2014

Gente de bem não é com certeza



«Sim, é espantoso. É a palavra certa.» Foi a reacção de Paulo Otero, professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, quando confrontado por Fernanda Câncio sobre a mais recente golpada constitucional levada a cabo pelo Governo. Conta-se em poucas palavras.

Em Abril de 2013, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais os cortes dos subsídios de desemprego e doença previstos no Orçamento do Estado para 2013, que foram devolvidos. Mas em Maio o Governo aprovava o 1.º Orçamento Rectificativo do ano, reintroduzindo os mesmos cortes, apenas alterando o universo de aplicação: passariam a incidir em valores acima de 419,22 euros.

Como a oposição se esqueceu de pedir a fiscalização sucessiva desta medida, o Governo aproveitou esta distracção para exigir em Setembro aos beneficiários das duas prestações a restituição da quantia relativa aos cortes correspondentes às prestações pagas desde a data da entrada em vigor do Orçamento Rectificativo (25 de Julho).

Estima-se que o Governo de Passos & Portas sujou as mãos por um montante que andará nos 32 milhões de euros.

Entretanto, os mesmos cortes foram inscritos no Orçamento do Estado para 2014, tendo sido declarados inconstitucionais. Espera-se que a oposição esteja agora atenta, não vá a direita ter introduzido à sorrelfa no 2.º Orçamento Rectificativo para 2014 os mesmos cortes.

ADENDA — O artigo de Fernanda Câncio pode ser lido aqui (cortesia da Shyznogud).

Ética na política: a vez de Fafe

Militante? Quem, eu? Há mais de cinco anos que não pagava quotas...
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Da série "Frases que impõem respeito" [866]

O único argumento que Seguro não usa: que daria melhor primeiro-ministro para o país.
      Nuno Oliveira, no Twitter, fazendo parte «Da série Presume-se porque não cola»

“Estado judaico”, uma moderna democracia liberal?

• António Guerreiro, O preço de ser Israel:
    «(…) A dessionização de Israel, a separação da religião e do Estado, é um programa que já foi proposto por alguns críticos judeus do sionismo, que entendem que na base do problema e da guerra sem solução está o facto de o Estado ter sido fundado sobre um direito de sangue, reivindicando-se como “Estado judaico”, o que é pelo menos cinquenta por cento incompatível com uma moderna democracia liberal, se aceitarmos que é acertada a fórmula que um político israelita opositor do regime encontrou para o definir: “um Estado democrático para os Judeus e judeu para os Árabes”. Uma outra divisão cheia de consequências – das muitas com que o sionismo e o Estado de Israel têm sido obrigados a confrontar-se - foi uma vez formulada por Hannah Arendt: “Na Palestina temos uma nação judaica, na diáspora um povo judeu”.»

Exército intervém…


… para assegurar entrada em funcionamento do mapa judiciário de Paula Teixeira da Cruz.

sábado, agosto 30, 2014

O «banco bom» vai apresentar-nos
o célebre «Jacinto Leite Capelo Rego»?


Paulo Pena escreve sobre a audição de Ana Gomes na comissão de inquérito das contrapartidas: Durante quatro horas, o Parlamento pareceu um tribunal americano. É de leitura obrigatória.

O depoimento de Ana Gomes coloca algumas questões que talvez um dia possam ser esclarecidas, designadamente as seguintes:
    • Qual «é o envolvimento do [ex-]primeiro-ministro Durão Barroso» no processo de compra do submarinos, tendo em consideração os encontros de Barroso e do seu colaborador próximo Mário David com o ex-cônsul honorário português, em Munique, Jurgen Adolff, condenado por corrupção na Alemanha (que, de resto, foi designado cônsul honorário por Durão Barroso)?

    • Porque é que, tendo sido aprovada em 2004, a lei de financiamento dos partidos só entrou em vigor, a pedido de Durão Barroso (era, salvo erro, José Luís Arnault o responsável pelas finanças do PSD), a 1 de Janeiro de 2005, após a aquisição dos submarinos?

Ana Gomes revelou o seu espanto na Assembleia da República por haver «alemães condenados na Alemanha por corromperem pessoas em Portugal», mas em Portugal «não se sabe quem são os corrompidos», a não ser que estão em causa «titulares de cargos públicos».

Valha-nos que a eurodeputada não encerrou o seu depoimento sem deixar uma pista para solucionar o caso: «A falência do Grupo Espírito Santo pode ser uma grande oportunidade para esta comissão apurar quem são os beneficiários últimos dos fundos que receberam pagamentos da Escom UK.» É que foi através de dois off-shores do BES que terá passado o dinheiro da filial inglesa da Escom.

Estará para breve a apresentação à sociedade do célebre «Jacinto Leite Capelo Rego»? Ana Gomes não parece confiante: «Pode não tardar aí um despacho de arquivamento por prescrição», referindo-se ao processo principal, o das suspeitas de corrupção, tráfico de influências e financiamentos partidários ilícitos resultantes da aquisição dos dois submarinos, em 2004.

Que querem, tal como eu, os meus amigos trabalham com swaps?

A Miss Swaps poderia recrutar na Lusíada, mas aí sair-lhe-ia na rifa provavelmente gente do calibre do alegado primeiro-ministro. A nova discípula de Schäuble sabe o que a casa gasta. Virou-se, portanto, para os seus contactos do tempo dos swaps da Refer, gente que aparentemente tem a obrigação de conhecer o cálculo actuarial.

Escolheu Joaquim Pais Jorge e a coisa não correu lá muito bem. Voltou a recorrer aos derivados e estampou-se de novo: Governo nomeia gestor dos swaps para fiscalizar contas das empresas públicas. Mas, tal como acontecera com Joaquim Pais Jorge, a mais recente aquisição do Ministério das Finanças foi apresentada à sociedade com um curriculum rasurado. Tem as impressões digitais da Miss Swaps, que não costuma, para usar uma apreciação feita por Rui Rio à inquilina do Terreiro do Paço, dizer «a verdade toda».

O "Keynes" de Frankfurt e os patetas do comentariato luso

• Jorge Nascimento Rodrigues (no Facebook), O "Keynes" de Frankfurt e os patetas do comentariato luso:
    «Há para aí um grupo de patetas -- para usar um eufemismo -- que volta e meia se assanha contra uns fantasmas "keynesianos".

    Quando Olivier do FMI veio revelar o que diziam os famosos "multiplicadores", os patetas engoliram em seco e fizeram o possível para enterrar o primeiro sinal de que a "austeridade expansionista" era um logro intelectual e uma guerra contra a economia. Continuaram a esgrimir panelas contra os moinhos do "keynesianismo".

    Mesmo depois do próprio Rogoff ter insistido que as conclusões do seu artigo inicial com Reinhart sobre um alegado "teto" vermelho de dívida nos famosos 90% do PIB (que empurraria para a recessão económica, diria o padrão do estudo empírico) já tinham sido por eles dois retificadas, os patetas continuaram com o mantra do rácio. Ainda por cima quando este, depois da milagrosa cura de austeridade, ter... subido para novos máximos históricos em Portugal (vamos a ver em quanto ficam a dívida bruta e a líquida na segunda feira quando o BdP divulgar o final de julho).

    Agora que Mr Draghi veio dizer fora de portas, a curtir no resort de Jackson Hole, que a política orçamental na zona euro seguida desde 2010 "esteve menos disponível e foi menos eficaz especialmente se comparada com outras grandes economias desenvolvidas" e a exigir que as baterias sejam viradas para "o estímulo da procura agregada" (usado em subtítulo inclusive) e que é menos arriscado em tempos "anormais" fazer demasiado do que pouco, os patetas levantaram-se qual Quixote - sem a grandeza deste - contra o keynesianismo.

    Draghi, tal como a Madame Lagarde do FMI, não são keynesianos, nem velhos, nem cristãos-novos, nem mesmo "bastardos" como chamava Joan Robinson a alguns contemporâneos que se penduraram no John Maynard depois de morto. Mas percebem os dois de "procura agregada" (essa coisa que o Maynard resolveu transformar em objeto de política em tempos "anormais"), uma coisa que os patetas do comentariato não entendem ou fingem não entender, o que é pior.

    O "Keynes" de Frankfurt apenas disse o óbvio. Mesmo que o ruído Schaübliano, de que estavam a "empolar" o italiano, tenha trazido o clube dos amigos do austerismo para a ribalta de novo contra os moinhos keynesianos.

    Draghi e Lagarde querem que a Europa ataque o problema da "procura agregada". Ponto. Empurram Jean-Claude Juncker para a fogueira e o Jean-Baptiste Hollande (um pateta que nem é carne nem peixe, que ainda acredita numa alegada "lei" de Say, do seu conterrâneo Jean-Baptiste, temperada com algum keynesianismo de algibeira).

    Draghi e Lagarde sabem que a política monetária do BCE caminha para se esgotar e que o FMI não é pai-natal, para mais com a Madame em apuros "legais" em França e os emergentes a cobiçar-lhe o lugar.

    Por isso, os dois preferem trocar o austerismo (sem o nomear) por um "estímulo da procura agregada", que deixe de fora da barrela de água suja aquilo de que eles gostam de facto - as tais de reformas estruturais no mercado laboral e na concorrência. O resto é fralda descartável. Só os descartáveis ainda não o entenderam mesmo.»

O drama e os equívocos

Hoje no Expresso (via Nuno Oliveira)
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Curiosidade


      «Não é que eu seja machista mas, pelo sim pelo não, dou graças a Deus por me ter chamado para a única profissão que elas nunca poderão exercer!»

Não sei se Portocarrero de Almada entrou no i pela quota do Opus Dei ou pela da Causa Real. Pode ser que um dia Ana Sá Lopes explique os critérios editoriais adoptados por esta publicação da Newshold.

Gorduras do Estado para maquilhar o desemprego

Hoje no Expresso (via Nuno Oliveira)
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Novo blogue


Um blogue que fazia falta.

sexta-feira, agosto 29, 2014

Quanto custa uma quinzena
"num rés-do-chão arrendado" na Manta Rota?

Festeja-se o quê?


Segundo o Eurostat, o desemprego desceu em Julho. Está em 14 por cento, sendo Portugal ainda um dos países com desemprego mais elevado. Na senda de Mota Soares, o secretário-geral da UGT congratulou-se com o resultado, muito embora tenha referido os efeitos da sazonalidade (turismo) e da emigração. Poderia ter feito também alusão ao facto de haver 162 mil desempregados «ocupados» em estágios dos centros de emprego (mais 48 mil do que há um ano). Poderia ter lembrado que os desempregados que não estão inscritos há algum tempo no IEFP deixam de ser considerados desempregados. Poderia ter recordado que mais de metade dos desempregados já não têm protecção social e que o valor médio por mês do subsídio de desemprego é muito baixo (460 euros). Poderia, enfim, ter sublinhado que, afastados os artifícios das estatísticas, Portugal confronta-se com mais de um milhão de desempregados. E que a estagnação económica não permite ver uma luz ao fundo do túnel.

Viagens na Minha Terra

António Costa na RTP


A entrevista de ontem pode ser vista aqui.

O Novo Banco do Estado

• Carlos Costa Pina, O Novo Banco do Estado:
    «Têm razão os que dizem que o BES não é comparável ao BPN. É pior: na dimensão relativa dos dois bancos e, logo, nos seus efeitos. Mas também no contexto. Não estamos agora, como estávamos em 2008, em plena crise financeira internacional, com bancos a falir e a serem nacionalizados ou intervencionados nos dois lados do atlântico. Não tínhamos os instrumentos entretanto criados na UE por impulso do G20. Não beneficiávamos dos resultados dos "stress tests" feitos aos principais bancos. Não beneficiávamos dos exercícios de supervisão reforçada feitos nos bancos depois da crise internacional com a presença de peritos estrangeiros.

    Não terão sido os alegados factos novos ocorridos no segundo trimestre a determinar a solução, sob pena de ter sido construída de modo apressado. Tudo indica que a mesma estava a ser preparada há algum tempo, mas permitindo os danos da exposição internacional e ganhos e perdas especulativos assentes em vendas a descoberto ("short-selling") económica e socialmente danosas. (…)»

Da série "Frases que impõem respeito" [865]


O doutor Paulo Portas ameaçou-me com um processo. E eu fiquei à espera. Até hoje. Já lá vão três anos.
        Ana Gomes, ontem no parlamento, em resposta a uma deputada do CDS que a acusava de estar a difamar Portas, por o envolver no caso dos submarinos

Quem pagou as quotas?
Ou foram as dívidas saldadas administrativamente?

• Capoulas Santos, Outra leitura sobre a credibilidade e a transparência do PS:
    «(…) A ter sido notícia, o triste episódio de Braga, deveria tê-lo sido apenas através de um simples e objectivo comunicado de imprensa da direcção do PS, a anunciar que, após rápida averiguação dos factos, tinha sido identificado quem efectuou os pagamentos, por que motivos o fez, qual o seu montante e origem, assim como a confirmação ou desmentido de que tal montante havia sido efectivamente depositado na conta do PS. E, caso se confirmasse a suspeição de algum ilícito, o anúncio de que tinham sido accionados os procedimentos disciplinares e judicias aplicáveis.

    É assim, e só assim, que um partido transparente funciona.

    E é assim, e só assim, que um partido se credibiliza perante uma sociedade cada vez mais desconfiada sobre o funcionamento e o financiamento dos partidos.

    Lamento por isso profundamente, e não posso, por isso, deixar de reagir, que o artigo de Miguel Laranjeiro, pretenda justificar como actos aparentemente normais, e sem necessidade de esclarecimento e eventual punição, acontecimentos graves que destroem a imagem do PS e que, a permanecerem ocultos, transformam o PS perante a opinião pública num partido opaco e com uma credibilidade cuja recuperação será ainda mais difícil no futuro.

    Apelo por isso a Miguel Laranjeiro que volte urgentemente ao tema para esclarecer as dúvidas que persistem, e incomodam todos os socialistas preocupados com a transparência e a credibilidade do PS, e incomodam igualmente muitos portugueses, filiados, ou não, noutros partidos, não menos preocupados com o nosso sistema partidário que, pese embora as suas imperfeições é o melhor garante do funcionamento da democracia de que beneficiamos há quarenta anos, que tanto custou a conquistar, e que, nos tempos de chumbo que vivemos, é mais necessário do que nunca fortalecer.»

O "esquecimento" da existência de rendimentos de capital

• Fernanda Câncio, Trapalhada estrutural:
    «(…) Não há, certamente, leis perfeitas, e o problema das chamadas rendas antigas arrastou-se tanto tempo e criou tantos vícios de pensamento e prática que nenhuma solução será isenta de críticas e falhas. Mas a atrapalhada incompetência desta, mais o seu "esquecimento" da existência de rendimentos de capital é bem a marca de um Governo que, perante um problema, parece só ser capaz de piorar.»

Vaga de fundo


Álvaro Beleza revela no Facebook imagens do enorme apoio que a candidatura de António José Seguro está a suscitar no Porto.

quinta-feira, agosto 28, 2014

Quebra-cabeças de Verão


Rui Peres Jorge fez um apanhado do importante discurso que Mario Draghi proferiu em Jackson Hole. O impacto do discurso de Draghi pode ser medido pela quantidade de reacções que gerou, como é possível observar através deste link facultado por Rui Peres Jorge.

Wolfgang Schäuble veio a correr sustentar que as palavras de Mario Draghi foram mal interpretadas. Adivinhe quem se juntou de imediato ao ministro das Finanças alemão, procurando distanciar-se de uma estratégia que poderá permitir tirar Portugal do atoleiro:
    • Jean-Claude Juncker?
    • Durão Barroso?
    • Herman Van Rompuy?
    • Miss Swaps?
    • Jeroen Dijsselbloem?
    • Olli Rehn?
A resposta certa está aqui.

De mentira em mentira


Ainda sou do tempo em que o alegado primeiro-ministro assegurava que o Estado não interviria no BES: «Não há nenhuma razão que aponte para que haja uma necessidade de intervenção do Estado num banco que tem capitais próprios sólidos, que apresenta uma margem confortável para fazer face a todas as contingências, mesmo que elas se revelem absolutamente adversas, o que não acontecerá com certeza». Dias depois, a Miss Swaps confirmava a garantia dada por Passos Coelho: «Cabe aos privados resolver os seus problemas».

Acontece que o Estado interveio no BES. À grande e à francesa: 3,9 mil milhões de euros.

Hoje, como quem nos prepara para o pior, a Miss Swaps deixou cair, com uma enorme candura, que a intervenção do Estado no BES pode vir a ser considerada por Bruxelas uma «operação que tem impacto no défice». Pois, está em causa dinheiro do Estado.

Ouviste, Paulinho?


Folga orçamental? Miss Swaps: “Não consigo ver onde”, num devastador uppercut que atinge em cheio Paulo Portas.

À atenção de Jorge Coelho

Site do PS, há momentos
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António Costa criou um site para a campanha das «eleições primárias»: Mobilizar Portugal. António José Seguro não precisa…

Da série "Frases que impõem respeito" [864]


O carisma, o espírito e a capacidade de liderança não se explicam, sentem-se. Esse sentimento transmite-se para as pessoas e traduz-se em confiança.

Costa ou Seguro?

Paulo Pedroso em entrevista à Visão (hoje)

Draghi prestes a esgotar meios legais para resolver crise do euro

• Wolfgang Münchau, Draghi prestes a esgotar meios legais para resolver crise do euro:
    «(…) desconfio que o BCE não vai fazer nada disto. Pelo contrário, vai continuar a apontar o dedo aos governos da zona euro por não implementarem as reformas estruturais e, muito provavelmente, a zona euro vai tornar-se numa espécie de Japão. Mas com uma diferença: enquanto os países cujas políticas falham não têm alternativa, os Estados- membros de uma união monetária podem procurar outras soluções.

    Ao falhar a meta de inflação, o BCE está a dar aos Estados-membros um bom motivo para saírem da zona euro, uma vez que podem ter um banco central melhor. Recomendação: é fundamental que o BCE evite isso a todo o custo.»

quarta-feira, agosto 27, 2014

Pôr Seguro a dizer o que lhe vai no bestunto

Tendo descoberto recentemente que a «economia precisa de um motor», António José Seguro apresentou em Maio «um plano de reindustrialização», do qual consta «um terceiro [eixo] mais inovador que tem a ver com a revolução industrial da era digital 4.0» para tirar partido da «vantagem competitiva» do país: «O custo de investigação e desenvolvimento em Portugal é, em média, um terço da Alemanha.» Aproveitar os baixos salários como na Índia.

É assim que se inicia a entrevista de António José Seguro ao Diário Económico. Ele avisa logo os leitores que, «se estão à procura de um mágico, saio já de cena». Mas não sai. Fica para defender o Tratado Orçamental e «pagar cada cêntimo» em dívida. E se pede «mais tempo não é por ser laxista ou por achar que, ganhando tempo, aldrabamos os credores.» Para isso, o ainda secretário-geral do PS garante, a par da criação de «condições para que a economia gere receitas que vão chegar também ao próprio Estado», «mão de ferro na gestão da despesa». E a verdade é que a autodenominada «mão de ferro» se faz já sentir: questionado sobre «a possibilidade de aumentar impostos ou de fazer cortes salariais», Seguro garante que não aumentará impostos, mas nem uma palavra pronuncia sobre os cortes salariais.

Ressalta da entrevista que Seguro se revelou sempre disponível para colaborar com o Governo: «há mais de três anos, em Julho de 2011, disse-lhe que havia um universo de temas onde era desejável uma convergência.» Exemplifica: «disse sempre que estávamos disponíveis para acelerar o processo de convergência entre a Caixa Geral de Aposentações e a Segurança Social

É dado na entrevista um outro exemplo do desejo de cooperar com o Governo: «recordo que, em Novembro de 2011, quando o primeiro-ministro descobriu o desvio colossal, disse-lhe que estava disponível para acompanhar cada cêntimo desse desvio». Perante a perplexidade dos próprios jornalistas de economia que o entrevistam — «E existia esse desvio colossal?» —, Seguro reproduziu a falsidade de Passos Coelho (da qual até Vítor Gaspar se demarcou): «Fizemos duas reuniões, mas não certificámos o novo valor, apesar de haver uma diferença em relação às contas de Abril.» Convém avivar a memória de Seguro, advertindo-o de que o único desvio após a aprovação das contas portuguesas por Bruxelas se ficou a dever à ocultação do buraco da Madeira por parte de Alberto João Jardim.

Erro colossal cometeu Passos Coelho ao não ter percebido a comoção que se apoderava de Seguro quando era chamado a São Bento.

Mas esta sintonia com o Governo de Passos & Portas não resulta de o país passar por uma situação complicada. Tem raízes mais profundas. Tal como a direita, Seguro fala da «década perdida», ignorando que o crescimento foi interrompido pela maior crise dos últimos 80 anos (para não falar do progressos no âmbito da educação e da saúde e da diminuição das desigualdades): «se olharmos para a última década, vemos que o crescimento económico foi anémico.» E também como a direita faz, Seguro atribui às «políticas expansionistas», e não à crise internacional, os problemas de consolidação orçamental, omitindo que foi o Governo do PS que obteve o mais baixo défice da democracia portuguesa.

António José Seguro tem uma narrativa colada com cuspo. Sobre qualquer tema, não está em condições de responder a uma segunda pergunta. Acontece, por exemplo, com a reforma do Estado. Embatucou quando confrontado com a reforma das autarquias locais.

Mas há «temas» em que António José Seguro muda subtilmente de posição como se tivesse sempre defendido o que agora proclama. Em relação à populista reforma do sistema eleitoral, introduz hoje o «círculo de âmbito nacional» de que se esquecera de falar antes. Em relação à política europeia, com a derrocada de Hollande, muda o foco de alianças que alinhavara aquando de uma badalada visita ao Palácio do Eliseu: «Portugal precisa de aliados em todas as famílias políticas

E em relação a outros «temas», Seguro diz agora que disse o que ninguém ouviu: «É sabido [sic] que, na altura certa, chamei a atenção para muitos erros que o anterior Governo estava a fazer.» Deve ter acontecido por estar sentado na sexta fila do hemiciclo.

Quando se esperaria de António José Seguro um discurso que mobilizasse o eleitorado para uma maioria sólida, eis que o ainda secretário-geral do PS se satisfaz se conseguir promover um governo de coligação: «a responsabilidade do líder do partido mais votado é procurar no Parlamento as condições para obter uma coligação de Governo

António Costa deu ontem uma entrevista ao Diário Económico. Hoje foi a vez de António José Seguro. Quem ler ambas as entrevistas não pode continuar a sustentar não haver diferenças entre Costa e Seguro. Não é apenas a capacidade de liderança que os distingue. Um tem lastro, o outro não. Um fez um diagnóstico da crise ancorado numa análise séria da realidade, o outro deambula ao sabor das conveniências da direita. Um tem um conjunto articulado de propostas, o outro traz umas ideias desirmanadas pescadas aqui e acolá. Diria que é quase ofensivo compará-los.

As primárias no PS, a reforma institucional e a ideologia

• André Freire, As primárias no PS, a reforma institucional e a ideologia:
    «(…) qualquer líder que fosse tinha também o compromisso assumido por Sócrates para com os seus eleitores de que não acompanharia medidas (do PSD) além do acordo da Troika (de 2011) para ganhar alguma margem de manobra face ao governo. Por tudo isso, e tendo em conta que a direita tem governado sempre muito além do que estava no memorando (nos cortes de salários e pensões, no aumento da jornada de trabalho, nos cortes na educação e na saúde, na promoção da desregulação no mercado de trabalho, etc.), é curiosa a tibieza da oposição do PS, sob a batuta de Seguro, ao governo: até ao final de 2012 o PS aprovou (58,3%) ou absteve-se (25,0%) na esmagadora maioria das votações das propostas da direita no Parlamento. É certo que a partir da manifestação face à TSU, em Setembro de 2012, o PS começou a divergir mais (votando contra os orçamentos, encabeçando pedidos de fiscalização constitucional, etc.) mas, mesmo assim, continuou sempre disponível para entendimentos com o governo (no corte na despesa pública, que depois não se concretizou, ou na reforma do IRC, fazendo recair os custos do ajustamento quase só sobre os assalariados e pensionistas, em sede fiscal). Ou seja, perante um governo e uma maioria que têm governado em violação dos compromissos eleitorais assumidos, contra a Constituição e com resultados desastrosos (a divida pública está quase em 140% do PIB, apesar de todos os cortes de salários e de pensões e da venda de «n» empresas públicas, muitas delas bastante lucrativas), o PS liderado por Seguro foi incapaz de se diferenciar claramente da direita. Portanto, em matéria de posicionamento ideológico do PS, sob a batuta de Seguro, e da sua capacidade de fazer oposição, estamos conversados. (…) Mais, até a narrativa sobre a genealogia da crise (defendida pela direita nacional e europeia), que punha a sílaba tónica das causas da crise em fatores domésticos (ou seja, no PS sob a batuta de José Sócrates) e que tem sido desmentida por vários académicos (Mark Blyth, Philipe Legrain, Wofgang Streecht, Paul de Grauwe), o PS de AJS pareceu ter «comprado»… Caso contrário, como explicar o apagamento do partido nos últimos três anos? (…)»

terça-feira, agosto 26, 2014

«Uma situação pontual»…


… é a conclusão que Carlos Carreiras, vice-presidente do PSD e presidente da Câmara de Cascais, retira dos graves incidentes ocorridos durante o concerto de Anselmo Ralph, o mais caro dos artistas nacionais que as autarquias se habituaram a contratar (cachet de 70 mil euros).

Escreve o Público: «‘Podia ter sido uma mortandade’, avisa um dos administradores do Hotel Baía, Jorge Sampaio, para quem só a irresponsabilidade pode ter levado a câmara municipal a juntar 50 ou 55 mil pessoas na baía de Cascais.»

Percebe-se, por isso, que o vice-presidente do PSD e presidente da Câmara se tenha desdobrado em declarações nas televisões para abafar uma situação que esteve à beira de se transformar numa tragédia. Uma acção de propaganda que ia dando para o torto...

Viagens na Minha Terra

E o prémio vai para...


Tema: notícia do Jornal de Negócios de dia 25 de Agosto, página 11, sob o título «Governo baixa taxa máxima dos telemóveis»

Comentário:

É certo que a concorrência é forte e ainda estamos em Agosto mas ou muito me engano ou o prémio para a notícia mais mentirosa do ano vai para esta magnífica pérola do jornalismo português publicada na edição de ontem do Jornal de Negócios.

Convenhamos, é preciso arte para conseguir transformar a decisão do Governo de criar a polémica nova taxa sobre a compra de telemóveis e outros equipamentos electrónicos neste espantoso título: «Governo baixa taxa máxima dos telemóveis». Lê-se e não se acredita - e ainda bem, porque não é verdade. Vem tudo explicado logo no segundo parágrafo do texto, cuidadosamente ditado pelo assessor de imprensa e transcrito pelo zeloso jornalista: «o Executivo reduziu os valores máximos face ao inicialmente previsto (de 25 para 15 euros)». E pimba, está feito o truque. Viram como se faz? Aquilo que é uma taxa inteiramente nova, representando um aumento de ZERO para 15 euros, transformou-se numa generosa «baixa da taxa máxima» dos (imaginários) 25 euros «inicialmente previstos» para uns módicos 15 euros. Nesta lógica, se tivessem «inicialmente previsto» uma taxa máxima de 30 euros estaríamos agora todos a festejar uma fantástica redução para metade da taxa máxima que não existia!

Talvez a agência de comunicação que conseguiu vender e fazer publicar este «spin» governamental fraudulento mereça todo o dinheiro que ganha. De quem faz ou deixa fazer este tipo de jornalismo é que não se pode dizer o mesmo.

Entrevista ao Diário Económico

TSU

Estão recordados das obscenas alterações da TSU anunciadas por Passos Coelho em 7 de Setembro de 2012, antes de ir ouvir (e cantar) «Nini dos Meus 15 Anos»? Um estudo publicado pelo BCE — no qual participa uma técnica do Banco de Portugal — volta a insistir que essa é a via para sair da estagnação. Em lugar de a descida da TSU dos patrões ser financiada com um aumento da TSU dos trabalhadores, seria financiada por uma subida do IVA. O estudo pode ser lido aqui.

A insistência na redução da TSU dos patrões pode fazer crer que os custos fiscais (e parafiscais) são em Portugal muito elevados em comparação com os dos outros países da União Europeia. Não são. Veja-se:

Via Tiago Barbosa Ribeiro
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«Contrariamente ao que sucedia várias décadas atrás,
não são os titulares de rendimentos baixos e médios-baixos
que tipicamente têm mais filhos»

• J. Xavier de Basto, Não vão nascer mais gémeos, à conta da Reforma do IRS…:
    «(…) Uma inovação muito significativa da Proposta é a da adopção de um quociente familiar, que atenua o efeito progressivo do imposto à medida que cresce o número de filhos do agregado familiar.

    (…)

    Sou muito céptico sobre a vantagem de adoptar tal regime. A decisão de constituir uma família ou de ter filhos são decisões vitais que, a meu ver, pouco ou nada têm a ver com a situação fiscal dos implicados: ninguém tem ou deixa de ter filhos por causa do imposto de rendimento. Segurança do emprego, legislação do trabalho flexível, estruturas de apoio à primeira infância, entre tantos outros factores, são seguramente elementos que contribuem para remover obstáculos ao aumento da natalidade. Dentro de largos limites, o factor fiscal conta pouco ou mesmo nada; talvez contribua menos do que a semana de Carnaval contribui para a taxa de natalidade brasileira...

    O quociente familiar é um prémio a famílias numerosas, sem dúvida, mas não é um incentivo a ter mais filhos.

    O quociente familiar, por outro lado, como foi recentemente observado, em um artigo publicado na imprensa diária, pelo Prof. António Carlos Santos, enfraquece a progressividade do sistema fiscal, em especial nos rendimentos dos escalões mais elevados, onde se concentram mais as famílias numerosas. Contrariamente ao que sucedia várias décadas atrás, não são os titulares de rendimentos baixos e médios-baixos que tipicamente têm mais filhos. O quociente familiar, premiando as famílias numerosas, diminui a progressividade do IRS nos escalões mais elevados. Claro que um alívio fiscal aí concedido terá de ter compensação em outro "lugar" do sistema. Alguém terá de pagar mais, para que outros possam pagar menos. (…)»

Pântano

• Manuel Caldeira Cabral, A retoma que não chega e a consolidação que não acontece:
    «(…) Num ano em que se esperava que o crescimento, puxado pela procura externa, estivesse a contribuir para uma recuperação do emprego e uma melhoria progressiva e sustentável dos desequilíbrios externo e orçamental, vemos que Portugal se mantém num pântano em que o pouco crescimento que teve se reflectiu de imediato em degradação do saldo externo e em que, perante mais uma derrapagem do processo de consolidação, poderá outra vez assistir a medidas de austeridade a comprometerem as já fracas perspectivas de retoma.»

segunda-feira, agosto 25, 2014

Espada contra o Capital

O Capital no Século XXI de Thomas Piketty tornou-se o livro mais vendido da Amazon. Paul Krugman considerou-o «o livro da década». Com a direita, designadamente a norte-americana, paralisada face às conclusões de Piketty, João Carlos Espada saltou hoje para a arena e em duas penadas desmontou O Capital no Século XXI, valendo-se de «o (a mais do que um título) saudoso Ronald Reagan». O mesmo Reagan que, conjuntamente com Thatcher, impôs a desregulação dos mercados, que esteve na origem da maior crise internacional dos últimos 80 anos.

A reforma do Código do IRS

A exemplo do que fez com a reforma do Código do IRC — a tal que se traduziu num bodo… aos ricos —, o Negócios abre um debate em torno da reforma do Código do IRS. O artigo que hoje publica é da responsabilidade de José Rodrigo de Castro, apresentado pelo jornal nos seguintes termos: «É das pessoas que melhor domina os impostos directos em Portugal. Com uma carreira de quase quatro décadas na então Direcção-Geral dos Impostos, foi subdirector-geral para o IRS, o IRC e os benefícios fiscais entre 1988 e 2003. Ao longo dos anos integrou diversos grupos de reforma fiscal. Hoje em dia é consultor fiscal.»

Eis uma parte do artigo, intitulado Alguns aspetos da reforma do IRS:
    «(…) Passando, em concreto, às opções que em meu entender são questionáveis - e só falarei de algumas destas e não das reconhecidamente louváveis - apraz-me referir os seguintes aspetos:

    No âmbito da Categoria A - Rendimentos do trabalho dependente, não está e também não se aproveitou para deixar claro como se efetua o enquadramento da parte não sujeita a tributação, nos casos em que o valor da indemnização por despedimento inclui anos de serviço como mero trabalhador e como administrador ou gerente na mesma empresa, quando cessa funções nesta última qualidade.

    Na Categoria B - Rendimentos empresariais ou profissionais, também não se aproveitou para clarificar se os "lucros" imputados aos sócios por sociedades de transparência fiscal, que têm a natureza de rendimentos líquidos desta categoria B, estão ou não sujeitos a retenção como rendimentos desta categoria. Ainda no âmbito desta categoria de rendimentos, foi aditada uma alínea n) ao n.º 1 do artigo 4.º, que leva à qualificação como atividade comercial ou industrial a de arrendamento de bens imóveis. Porém, em meu entender, deveria constar do corpo do artigo 3.º, designadamente no n.º 2, um recorte normativo a considerar o arrendamento de bens imóveis, com caráter de habitualidade e com fixação de um número mínimo de imóveis suscetíveis de arrendamento autónomo, sob pena de alguma iniquidade e da alteração poder vir a gerar um aumento da conflitualidade.

    Na Categoria F - Rendimentos prediais, a tributação é feita, em regra, por via da tributação autónoma, sem prejuízo da opção pelo englobamento. Seria justo, mesmo com tributação autónoma, não serem excluídos os prejuízos de anos anteriores - o mesmo se diga para rendimentos da categoria G, tributados autonomamente, - não se justificando também a interpretação da AT/DSIRS ao não considerar as deduções à cole ta pessoais e outras, quando sejam declarados apenas rendimentos sujeitos a tributação autónoma, perdendo-se a pessoalização do imposto.

    No âmbito da Categoria G e mais propriamente quanto às mais-valias resultantes da alienação de imóveis urbanos, a que se refere o artigo 10.º, n.º 5, gostaria de abordar dois aspetos que considero fundamentais: 1.° - Da redação dada ao artigo 10.º, n.º 5 e suas alíneas, que tem sido objeto de contencioso e de Jurisprudência dos Tribunais Superiores, não se aproveitou a oportunidade para clarificar em que circunstâncias há lugar a reinvestimento do valor da realização, quando a aquisição da nova habitação precede a alienação da primitiva, quer no caso de esta se adquirir a pronto pagamento ou com recurso ao crédito bancário. Ver, por todos, o Acórdão do STA n.º 892/08, de 11/fev. 2.° - Na alínea a) do n.º 6 deste mesmo artigo 10.º, é também exigido para efeitos de exclusão tributária das mais-valias resultantes da alienação, que o adquirente da nova habitação a afete à sua habitação (própria e permanente) ou do seu agregado familiar no prazo de 12 meses - é o requisito objetivo da "habitatio" mas também deveria exigir-se, cumulativamente, mais uma vez para evitar contencioso fiscal, que o adquirente procedesse à participação à AT da nova habitação no mesmo prazo, como, aliás, decorre do disposto no n.º 9 do artigo 46.º° do IMI, como pressuposto da isenção neste último imposto.

    Outros dois capítulos problemáticos são o das taxas gerais do artigo 68.º e das deduções à coleta.

    Quanto ao primeiro, foi pena que não tenha sido dado um sinal de desagravamento na tabela das taxas gerais e Taxa adicional, mesmo considerando os constrangimentos orçamentais.

    Quanto às deduções fixas à coleta, personalizantes ou por encargos com saúde, etc., deveriam ser indexadas ao salário mínimo nacional e, por outro lado, possibilitar a opção pelos valores efetivamente suportados.

    No que respeita às Garantias dos contribuintes prevista no artigo 140.º, norma que foi louvavelmente simplificada e uniformizada, julgo que seria de acrescentar na parte final do n.º 1, a seguir a CPPT ..."e demais legislação aplicável".

    Quanto ao Regime das Retenções, integradas no CIRS - o que é igualmente louvável - não vislumbrei qualquer possibilidade de retenção, por opção, por taxas superiores às constantes das respetivas Tabelas no caso de rendimentos das categorias A e H e também a possibilidade de os detentores de rendimentos da categoria B poderem optar por taxa superior à de 25%.

    Não posso deixar também de fazer uma breve referência às alterações propostas no âmbito da tributação indireta constante do Anexo II do anteprojecto, exigindo maior clarificação. Gostaria, finalmente, de deixar também um ligeiro apontamento sobre a não consagração — talvez através do aditamento do um artigo ao CIRS — de um Capítulo em que ficasse definido todo o regime de tributação dos não residentes, que seria útil para todos — aplicadores da lei e investidores.»

O BCE virou keynesiano?

• Rui Peres Jorge, O BCE virou keynesiano?:
    «Mario Draghi fez um discurso notável na sexta-feira. Chegou com dois anos de atraso, mas quando está em causa um desastre como o que vivemos na Zona Euro, mais vale tarde do que nunca. O aviso é claro: os políticos não se devem inebriar pelas baixas taxas de juro dos últimos meses, nem delas vender uma ilusão de sucesso. A verdade é que sete anos depois do início da crise, a recessão na Zona Euro continua e o elevado desemprego está a destruir o potencial de crescimento e a corroer perigosamente a confiança dos europeus na moeda única. Mais grave para o BCE é que até já os mercados duvidam que consiga garantir a inflação de 2% para que está mandatado. (…)»

domingo, agosto 24, 2014

Cortes constitucionais


• Fernanda Palma, Cortes constitucionais:
    «A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de "cortes " salariais bebeu a cicuta que o Governo e o Presidente da República lhe forneceram. Na verdade, fê-lo ao admitir como regra que, em situações excecionais e temporárias, não serão inconstitucionais os "cortes" dos salários da Função Pública, por não violarem desproporcionadamente a igualdade.

    Não formulou um critério de justiça material. Apenas se declara impedido de deixar passar pelo crivo da Constituição reduções salariais apresentadas como definitivas ou que funcionem como tais. Converteu o anterior critério especial, baseado na urgência, na temporalidade e na ausência de alternativas, num critério formal, generalizante e de pendor "político".

    O Tribunal Constitucional sente a necessidade de se referir ao Tratado Orçamental (ou a outro facto político idêntico) para fazer juízos de necessidade e excecionalidade, apesar de tal facto nem sequer ser determinante das concretas opções orçamentais. Tornou-se refém de políticas orçamentais que desvalorizam o trabalho prestado em funções públicas.

    O que funciona em termos macroeconómicos como despesa é, ao nível jurídico, o salário dos trabalhadores e condição de realização dos seus direitos. Como referem dois votos vencidos, não se pode pressupor a proporcionalidade dos " cortes " salariais num quadro de discriminação continuada, abstraindo do significado constitucional do direito à remuneração.

    Após as hecatombes que se têm registado no setor privado, tido como a parte sã da economia e fonte do crescimento, menos se compreende a discriminação dos funcionários públicos como alvo dos "cortes". Nada legitima, por exemplo, as indemnizações ou pensões multimilionárias atribuídas a administradores de grupos arruinados e financiados pelo Estado.

    A Justiça define-se na relação de cada pessoa com as outras e com o Estado e não em termos macroeconómicos, como uma visão utilitarista propõe. Na sua jurisprudência, o Tribunal Constitucional cai nos riscos decorrentes de considerar a igualdade uma mera fórmula coletiva sem conteúdo e a necessidade um argumento que se extrai das opções políticas.

    Compreende-se, pois, o " elogio " indireto da agência Fitch ao Tribunal Constitucional. Porém, é justo que se diga que este se tem oposto às soluções mais iníquas (sobretudo dirigidas a pensionistas). Causa perplexidade que haja votos de vencido que não reconhecem essas inconstitucionalidades óbvias e anulam o papel da Constituição em matéria orçamental.«

«Apareceram militantes já falecidos a poder votar
e quatro vezes mais quotas do que militantes há»

• Ferreira Fernandes, Uma coisinha simples:
    «(…) Mas, justamente, Seguro e Costa, que pretendem ambos ser Governo em breve, têm neste momento uma coisinha simples e substantiva, que poderia demonstrar que eles são pela clareza. Atenção, demonstrando-o agora não fica provado que amanhã um ou outro, primeiro-ministro, cumpra. Não. Mas hoje, sim: aquela coisinha simples e substantiva, fácil de ser cumprida e de ser seguida pelos nossos olhos, demonstra que eles merecem o benefício da dúvida. Na Federação Socialista de Braga, que vai a votos internos daqui a duas semanas, houve traficância de futuros eleitores: apareceram militantes já falecidos a poder votar e quatro vezes mais quotas do que militantes há. O jornal Público fez as contas: aos 2294 militantes correspondem 27 mil euros de quotas, mas estas foram cem mil mais... Prepara-se uma chapelada. Quem pagou? Quem votar Seguro ou Costa pode decidir-se por aí: qual dos dois quer e vai resolver a coisinha simples?»

"A história dos militantes mortos, emigrados e acamados
com quotas pagas..."

• José Mendes, Costa à vista:
    «(…) Pelo meio, tem umas primárias para disputar. Neste estatuto de candidato a candidato, o edil lisboeta sabe que tem uma via-sacra para percorrer. Ainda por cima, armadilhada. Na sua entrevista, não deixa passar em branco a recente polémica dos cadernos eleitorais socialistas de Braga e Coimbra, referindo que não ressuscitará mortos para ganhar uma eleição. A história dos militantes mortos, emigrados e acamados com quotas pagas não é de agora. Já nas autárquicas correram rumores que indiciavam a existência destas práticas. E a verdade é que não se compreende por que razão Seguro não ordena que se revelem, sem subterfúgios, os nomes daqueles que desembolsam tantas dezenas de milhares de euros para pagar quotas de terceiros. A menos que alinhe na explicação avançada pela sua apoiante, candidata à Distrital de Braga, que sugere que "pode ter sido uma homenagem aos mortos". (…)»

Da Cimeira dos Açores ao Califado

• Jorge Almeida Fernandes, Estado Islâmico: uma vocação totalitária:
    «(…) Após a invasão americana do Iraque e o fiasco da política de “construção de nações” (nation building) da era Bush, o Médio Oriente tornou-se palco de uma luta pela hegemonia entre sunitas e xiitas — ou, mais rigorosamente, entre sauditas e iranianos. O EI insere-se neste campo, mas excedendo o anterior quadro, declarando “apóstatas” os sunitas que se lhe não submetem. Ameaça também a Arábia Saudita, declarando ilegítimo o regime da Casa de Saud. (…)»

sábado, agosto 23, 2014

Passos por Passos


Passos Coelho no Pontal
(via David Crisóstomo / Shyznogud)

Hoje no Expresso (via Nuno Oliveira)
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António Costa: "Eu não compro votos, nem ressuscito mortos"


Extractos da entrevista de António Costa ao Expresso:
    - Mas os 52% que obteve em Lisboa deram-lhe a prova de o seu nome vale muito nas urnas?
    - Tenho tido o hábito de nunca fugir de eleições. Há pessoas que fazem a sua vida política toda fugindo de eleições, nunca perdendo mas também nunca ganhando. Obviamente que é importante para uma liderança ter esse hábito de ser testado nas urnas. Dá uma enorme tranquilidade e disponibilidade nas disputas eleitorais. Há pessoas que vivem os processos democráticos com uma enorme crispação, porque acham que isso resolve toda a sua vida. E que nunca aceitam desafios difíceis e fazem toda a sua vida procurando não deixar marca, nem como deputados nem como ministros ou secretários de Estado. Andam anos na política e ninguém se lembra de nada que tenham feito.

    (…)

    - Mas não vemos assim tantas diferenças políticas entre um [Costa] e outro [Seguro].
    - Talvez não veja por desatenção, desculpará. Desde logo em relação ao posicionamento político do PS: a atual direção assumiu, com regozijo, um resultado (nas europeias) que permitiria ao PS ser parte de uma solução de Governo — porque, verdadeiramente, o que se perspetivava era um entendimento com o atual Governo ou com parte dele. Eu assumo um posicionamento do PS como alternativa e não mera alternância. O que fragilizou o PS ao longo destes anos foi não ter sido capaz de apresentar uma agenda distinta da do atual Governo. Posicionou-se simplesmente como a meia dose, o ritmo fraco do Governo. O primeiro pilar da minha estratégia assenta numa agenda para a década, que nos permita trabalhar nos problemas de fundo que têm asfixiado o potencial de crescimento de Portugal. E isso parte de outra diferença: a atual direção do PS acompanhou o Governo no entendimento de que o princípio e o fim dos problemas nacionais resultavam das finanças públicas. O meu entendimento é que os problemas do país têm a ver com a dificuldade que a nossa economia teve em ajustar-se ao triplo choque competitivo com o euro, o alargamento da UE aos países de Leste e a globalização.

    (…)

    - Foi na "Quadratura" que exerceu o papel de líder da oposição?
    - Sou um militante do PS mas não me limitei a fazer a minha militância, também fui exercendo a minha ação govemativa. Não estive estes três anos na sexta fila da bancada parlamentar a aguardar pela minha hora, a fazer planos para a minha vida, a comprar votos ou a ressuscitar mortos para poderem votar, como outros fizeram. Concorri e ganhei por três vezes, a última das quais com 52% num concelho onde o PS, agora, teve 32%.

O regresso ao futuro

Hoje no Expresso (via Nuno Oliveira)

Para a história do cavaquismo


    «(…) o meu secretário de Estado que tratava das privatizações era o Elias da Costa. Quando era ministro das Finanças tinha quatro secretários de Estado, a Manuela Ferreira Leite, no Orçamento, o Carlos Tavares, que era o do Tesouro, e o José Oliveira Costa, escolhido por Cavaco Silva, que era então primeiro-ministro.»
      Miguel Beleza, em entrevista ao i

sexta-feira, agosto 22, 2014

Comboio sem governo


1. O Eurostat informa de que Portugal regista o quinto maior défice comercial da União Europeia, tendo as exportações caído e as importações aumentado. São dados até Maio. Mas o INE já tem dados até Junho: o défice comercial registou o maior agravamento desde 2008 nos primeiros seis meses do ano.

2. A tripla degradação das balanças comercial, de rendimentos e de transferências correntes ditou um défice da balança corrente (que agrega as três anteriores) para 1.342 milhões de euros de 1,6% do PIB no primeiro semestre, um número já significativamente no vermelho, pelo menos quando comparado com a meta de um excedente de 3,4% do PIB para o final do ano, inscrita pelo Governo no documento de estratégia orçamental apresentado no final de Abril.

3. A dívida pública na óptica relevante para Bruxelas (Maastricht) aumentou 9,6 mil milhões de euros face ao final do ano passado. A meta para o final do ano assumida pelo Governo é de 130,2% do produto interno bruto (PIB). No primeiro semestre, de acordo com dados do Banco de Portugal, já atingiu os 134%.

4. O sinal deixado pelo indicador coincidente de actividade económica do Banco de Portugal indicia que a economia nacional está a caminho de nova contracção.

5. Os preços estão a cair há seis meses consecutivos.

Os fundamentalismos do Tribunal Constitucional


• Elisabete Miranda, Os fundamentalismos do Tribunal Constitucional:
    «(…) Caro leitor, há alguma destas asserções que considere absurda? Pois estes foram os argumentos do Constitucional para recusar a contribuição de sustentabilidade, uma taxa que cortaria pensões a eito – e, convém recordá-lo, à revelia das soluções discutidas pelas duas comissões de peritos constituídas pelo Governo e, não é de mais lembrar, que o próprio Executivo reconheceu que não era uma reforma estrutural.

    Há quem veja nisto mais uma manifestação de radicalismo, fundamentalismo e outros desmandos do Tribunal Constitucional. Mais vale então defender a sua extinção e que se passe a dar rédea solta a quem legisla.»

Ética na política: caso prático n.º 2

Hoje no Diário do Minho
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(Recorde-se que o caso n.º 1 respeita a Coimbra, onde centenas de pessoas foram inscritas com moradas falsas, tendo Cristina Martins, a militante que denunciou a trapaça, sido agora expulsa do PS. Num comentário à situação que se vive em Coimbra, Manuel Alegre afirmou: «Estou muito incomodado e considero, tal como [o fundador do PS] António Campos, que há neste assunto um problema de ética. Não basta apregoar a ética. É preciso cumpri-la. Esta situação tem de ser repensada e esclarecida para salvaguarda do bom nome do PS de Coimbra».)


Agora, a ética na política deu um ar da sua graça mais a Norte:
    «Foram 2.294 os militantes que, de súbito, ficaram com as quotas atualizadas na distrital de Braga do Partido Socialista, quando há sensivelmente cinco anos não procediam ao seu pagamento. E de entre este leque contabilizam-se pessoas que, entretanto, faleceram, emigraram ou estão acamadas.»

Miguel Laranjeiro, o secretário nacional do PS que é, por sinal, natural do distrito de Braga, veio desvalorizar as falcatruas:
    • Quanto aos militantes mortos que, entretanto, viram as quotas pagas, Laranjeiro disse tratar-se de apenas dois casos isolados, muito embora, entretanto, já tenha surgido mais um caso em Famalicão e outro em Barcelos (referido hoje pelo Diário do Minho);
    • Quanto ao facto de alguém se ter disposto a pagar 123.876 euros para regularizar as quotas em atraso dos 2.294 militantes, Laranjeiro acha a situação normal e não aceita divulgar o nome do benemérito para… não quebrar o sigilo bancário.

Perante a «pouca-vergonha» no PS de Braga, António Costa exige saber quem pagou estas quotas. António José Seguro não pode continuar a esconder-se, mandando Miguel Laranjeiro atirar bolas para fora.