quinta-feira, janeiro 31, 2008

O Inverno Longo de Francisco Almeida Leite




No estilo a que nos habituou, e como só ele sabe fazer, Santana Lopes fez um trocadilho catita para mostrar que está melindrado: “O Expresso parlamentar continua de lamentar”. Está em causa uma notícia sobre a constituição imediata de uma comissão de inquérito ao Banco de Portugal: “Falta-lhe a posição do PPD/PSD. Não tem? Inventa. Por exemplo, eu próprio seria a favor do inquérito. Quem disse? Os articulistas. Santa paciência!...”

Quem está a fazer mal ao menino-guerreiro? Vamos por partes:

1. Santana tem razão. Ele não defendeu a constituição imediata de uma comissão de inquérito ao Banco de Portugal. O que Santana defendeu — já em Dezembro do ano passado — foi a demissão imediata de Constâncio, prescindindo até da constituição da comissão de inquérito: “acho que há mais do que razões para o governador do Banco de Portugal já ter posto o seu lugar à disposição. Ter apresentado a sua demissão.” Como se vê, são coisas distintas.

2. Mas Santana queixa-se de que foram os “articulistas” que levaram o Expresso ao engano. E volta a ter razão. A fonte do Expresso foi um tal FAL que soube, vá lá saber-se como, que “Luís Filipe Menezes já deu instruções para o partido ir mais longe na AR, não sendo de descartar uma comissão de inquérito parlamentar” e que tudo isto foi congeminado pelo “líder social-democrata, em concertação com Pedro Santana Lopes e a direcção da bancada”.

Às vezes, a ânsia de fazer bem estraga tudo. Vale a intenção, que é boa, FAL.

Esta jaula foi inspeccionada pela ASAE...

...esta não

Da série "Frases que impõem respeito" [122]

    “(…) essa canonização da figura real [D. Carlos] por parte da direita e da historiografia neoconservadora mais recente casa mal com a irresponsabilidade do soberano que alimentou os financiamentos ilegais à casa real (o escândalo dos "adiantamentos"), que jogou suicidiariamente o destino do regime na aventura autoritária de João Franco, que privou a monarquia dos seus principais apoios políticos, que hostilizou arrogantemente com o seu estilo de vida e de governo a pobreza generalizada do povo e da pequena burguesia das cidades e que, por tudo isso, foi dos mais odiados e impopulares soberanos do constitucionalismo monárquico.”

      Fernando Rosas, no Público de ontem

♪ Sean Lennon, Moby & Rufus Wainwright



Across the Universe

quarta-feira, janeiro 30, 2008

“Pressão total”, disse o FAL

Apanhei, por acaso, um momento engraçado no debate parlamentar de hoje, em que Santana Lopes dizia qualquer coisa assim: “Deixe-se de brincadeiras, Senhor Primeiro-ministro”. Sócrates acabara de se referir àquela pérola de que o do PPD/PSD só formaria um governo-sombra quando tivesse alguma coisa para dizer… Uma brincadeira, como se vê.

Estaria Sócrates a enfatizar a circunstância de o PSD/PPD continuar sem nada para dizer, tendo Menezes sido entronizado já há quatro meses? Estaria Sócrates a elencar os compromissos entretanto assumidos pelo PPD/PSD, os quais Menezes vem deixando cair um a um?

Não acompanhei o resto do debate. Mas, para recordar compromissos de Menezes, não há nada como ir à fonte, revendo as prosas do FAL, com aquele emaranhado de “fontes” que transformam as suas prosas em momentos de refinado humor.

Por exemplo aqui, estávamos a 1 de Dezembro, o FAL, depois de garantir “pressão total” por parte do PPD/PSD para a abertura de mais três canais de televisão generalistas, assegurava que, «[e]m Janeiro de 2008, o PSD irá realizar uma grande conferência nacional com todos os operadores relacionados ou interessados na TDT, com o objectivo subjacente de impedir "que o Governo chute a decisão para depois de 2009".»

“Uma grande conferência nacional”… “pressão total”… “mais três canais generalistas”… Ó FAL, não o quero maçar, mas ter de escrever assim é complicado, não é?

Eu tenho dois amores

As coisas estavam a ficar difíceis e o FAL saltou em defesa da Cunha Vaz & Associados. Um artigo magnífico, sem dúvida — muito embora se lamente que o FAL não tenha dado conta também daquele episódio da escolha do assessor de imprensa de Menezes, que esteve quase a provocar uma grande perda no jornalismo e na blogosfera, não fosse uma cabeça mais arrumada ter disparado:

    Esse, não, não pode ser, porque está muito bem onde está.

PS — Ontem, o Público trazia um artigo de opinião, digamos assim, de Cunha Vaz; hoje, o FAL discorre longamente sobre esta agência de comunicação. Decididamente, o PPD/PSD saiu de cena, deixando o palco para a Cunha Vaz & Associados.

Grandes mistérios do Universo [44]

Como é que o Bloco de Esquerda aceita que uma “petição em defesa do Serviço Nacional de Saúde geral, universal e gratuito” seja subscrita, por exemplo, pelo bastonário da Ordem dos Médicos e por José Aranda da Silva, ex-bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, sabendo-se que Pedro Nunes tem feito uma campanha insidiosa contra o controlo da assiduidade dos médicos no SNS e que os farmacêuticos têm lançado mão de todos os expedientes jurídicos para atrasar a abertura de farmácias nos hospitais do SNS?

♪ Jeff Buckley



Hallelujah

terça-feira, janeiro 29, 2008

Gente de sorte




Caso BPN já chegou ao Ministério Público: têm aparecido sempre outras questões que atiram com o “caso BPN” para segundo plano.

Sugestão de leitura

Teodora Cardoso escreve sobre O lixo de Nápoles na edição de hoje do Jornal de Negócios:

    “Ainda mais interessante é o caso da saúde. Em debates abertos, fica claro que as medidas tomadas no reordenamento dos serviços – das maternidades, das urgências, dos serviços de transporte de doentes, etc. – se justificam, melhoram significativamente os cuidados prestados e o acesso da população a esses cuidados. Os críticos não propõem alternativas a esse nível, apenas lamentam que as políticas não tenham sido “explicadas” às populações. Esse argumento serve depois para alimentar o clima de obscurantismo e mesmo a tentativa de suscitar o alarme das populações, impedindo efectivamente que as explicações sejam compreendidas por elas. Como sucedeu já com as maternidades, a prática acabará por mostrar o bom fundamento das políticas, mas, em vez de isso ser conseguido promovendo a confiança das pessoas e, simultaneamente, aprofundando o debate onde ele precisa de ser aprofundado, o que se procura é evitar a tomada de posições, desejando agradar a todos, mas acabando apenas por conduzir ao descrédito dos políticos.

    Agradar a todos implica, por exemplo, defender o sistema de saúde “tendencialmente gratuito” que a Constituição consagra, nos termos vagos que lhe são próprios. Sobre isso, há uma única certeza: a de que o sistema de saúde não é gratuito: os seus agentes, os medicamentos, as infra-estruturas e os equipamentos que usam não são evidentemente gratuitos e Portugal não está – felizmente – em condições de recorrer à fundação Gates para os financiar. Aquele princípio devia, por isso, ter explicitado que o serviço devia ser financiado apenas pelos impostos, o que daria uma ideia muito mais precisa da situação e, desde logo, faria pensar na necessidade de zelar pela eficiência dos serviços, pela boa gestão do pessoal, das infra-estruturas, etc.”

Cunha Vaz prega partida de Carnaval a Menezes

          “Com o à-vontade de quem defendeu a OTA, defendo agora a solução Portela+1.”

            Menezes, CM, 14.06.07

          “A partir de hoje morreu a Portela. Longa vida à OTA. Para bem de Portugal.”

            Menezes, CM, 24.11.05




Local do evento iluminado para o caso de se prolongar pela noite fora



No DN de hoje [sem link]: “A Comissão Política Nacional do PSD reúne-se hoje em Alcochete. Dado o local escolhido, presume-se que o principal tema da reunião será o novo aeroporto de Lisboa, que deverá ali ficar sedeado.”

Estamos em condições de ir mais longe do que a notícia não assinada (ai FAL, FAL…). É quase inevitável que, na reunião de hoje, sejam ultimados os procedimentos para adjudicar a concepção/construção do novo aeroporto, prescindindo-se do lançamento do concurso internacional. O próprio primeiro-ministro Menezes dispõe-se a rumar a Bruxelas para explicar a Neelie Kroes, comissária da Concorrência, que a Portela está a rebentar pelas costuras, pelo que terá de ser adoptado um procedimento concursal simplificado para não atrasar a obra.

♪ Tim Buckley



Phantasmagoria in Two

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Notícias do dia

Notícia encomendada pelo governo:

"O saldo positivo da segurança social aumentou em 2007."

Notícia jornalisticamente correcta:

"Segurança social poderá entrar em ruptura em 2050."

A cidade e as serras




O Dr. Bota vive para lá da serra de Monchique. No auge de um arraial bem regado na companhia do Dr. Alberto João, o poeta/deputado algarvio entusiasmou-se e bolçou umas alarvidades corriqueiras. O país em peso reclamou o seu escalpo capachinho. O Dr. Barreto, um daqueles intelectuais sustentados pelo Estado para carpir os males do Estado, havia escrito exactamente o mesmo — mas o país curvou-se, então, a tão magnífica reflexão. O investigador, que não costuma distrair-se com os direitos de autor, ainda vai ao bolso do Dr. Bota. Há carraspanas que nunca mais se esquecem.

Temos de ser uns para os outros

O Prof. André Freire mostra-se hoje, no jornal Público, algo inquieto com a reforma do sistema eleitoral autárquico. Diz o Senhor Professor que a aludida reforma “não [lhe] parece consentânea com o preceito constitucional da proporcionalidade”. O CC interroga-se: qual é a parte do n.º 3 do artigo 239.º da Constituição que o Senhor Professor não percebe? Aqui fica o "preceito constitucional" devidamente sublinhado:


"Artigo 239.º
(Órgãos deliberativos e executivos)

1. A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão executivo colegial perante ela responsável.
2. A assembleia é eleita por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos recenseados na área da respectiva autarquia, segundo o sistema da representação proporcional.
3. O órgão executivo colegial é constituído por um número adequado de membros, sendo designado presidente o primeiro candidato da lista mais votada para a assembleia ou para o executivo, de acordo com a solução adoptada na lei, a qual regulará também o processo eleitoral, os requisitos da sua constituição e destituição e o seu funcionamento.
4. As candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei."

Fogo sobre a ACT!


Equilibrista é profissão na construção civil?



Vai uma aposta de que a próxima campanha nos media será contra os “exageros” da ACT?

LER OS OUTROS

♪ Charlie Haden Quartet West



First Song

Notícias do dia

Notícia encomendada pelo governo:

"Capacidade hidro-eléctrica crescerá 50% nos próximos 10 anos."

Notícia jornalisticamente correcta:

"Cerca de 30 lugarejos serão submersos por novas barragens."

domingo, janeiro 27, 2008

O relativismo ataca onde menos se espera

Público/RR - Era um ditador [João Franco]? Governou em "ditadura"...

Rui Ramos - O termo ditadura na tradição constitucional do século XIX tem um significado completamente diferente da do século XX. Queria apenas dizer que o Governo podia governar por decreto-lei enquanto o Parlamento estava fechado. Houve vários momentos de "ditadura" na monarquia constitucional.
Eu tenderia a pensar que a usurpação do poder por órgãos não eleitos é uma boa definição de ditadura, tanto no século XIX como no século XX, e que já os gregos e os romanos antigos pensavam do mesmo modo. Mas, para o professor Rui Ramos, uma ditadura só o é verdadeiramente quando praticada por pessoas de quem não gostamos. Por isso, não lhe custa afirmar repetidamente que a I República portuguesa foi uma ditadura de um só partido, neste caso já sem a preocupação de esclarecer se utiliza a palavra "ditadura" no sentido do século XX ou no do século XIX.

É também isto que define um faccioso: a facilidade com que, conforme as conveniências doutrinárias, transforma o mais ou menos em absoluto (a "ditadura" da I República) ou o absoluto em mais ou menos (a "não-ditadura" de João Franco).

Sugestão de leitura

Nuno Brederode Santos, em artigo, no DN, intitulado VISTO DA MARGEM:

    “(…) A Menezes, a Ribau e à agência só restava gerir os cacos e a debandada. Santana sabia, de ciência certa e vida consumida, que, uma vez trazido o caso a público, ele seria vencedor em toda a linha. E foi.

    Escusado será dizer que não há aqui qualquer escolha. Menezes e Santana representam, no essencial, o mesmo: um PSD que só pode ter futuro em condições que nem ele, nem o regime podem prever ou controlar; um PSD aventureiro e berlusconiano, com uma ideia vaga das instituições; um partido ressabiado e vingativo para com alguns dos seus que o país respeita; e uma tribo que se galvaniza no propósito de vingar memórias e matar fantasmas exclusivamente seus. Ao amigo que me perguntou se, no caso, eu não "estava com Santana", continuo a dizer: "A cem por cento. O que não tem - nem para mim, quanto mais para os outros - a mais pequena importância.”

Vers la création (ou plus fort que Dieu)

Vers la réation de bactéries artificielles: mais tarde ou mais cedo, ainda nos vão pôr a discutir a questão da alma.

♪ Spain (de Josh Haden)



Untitled #1

sábado, janeiro 26, 2008

Da série "Frases que impõem respeito" [121]

    “A vitória do PSD em 2009 é muito importante. Será bom para o partido e para mim.”

      António Cunha Vaz, na célebre reunião na Assembleia da República para a distribuição dos “activos” da Cunha Vaz & Associados pelo PSD (São Caetano) e pelo PPD (São Bento) [in Sol]

“Uma sociedade que (…) começa a dar sinais graves de corrupção”




A frase em título é de António Cluny. A escolha recaiu sobre esta frase, embora pudesse ter escolhido dezenas de outras pronunciadas pelo presidente vitalício do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e consultor para a justiça do PSD (pelo menos, no tempo de Marques Mendes).

É por isso que se não entende que Cluny tivesse reagido tão apressadamente às declarações do bastonário da Ordem dos Advogados: “Considero que afirmações de carácter genérico e abstracto são perigosas". Logo o presidente vitalício que costuma pesar tão bem as palavras que diz… resolveu assumir dores alheias.

E, bem vistas as coisas, as afirmações de António Marinho e Pinto até não tiveram esse “carácter genérico e abstracto” apregoado por Cluny, pois o bastonário deu vários exemplos:

    • “Um ministro de um governo recente atribui a concessão de um importante serviço público a uma empresa privada e depois saiu do Governo e assumiu a presidência dessa empresa”;
    • Em Coimbra, “vendeu-se um edifício público de manhã por 14 milhões de contos a uma empresa privada e às três tarde fez-se a escritura desse mesmo edifício por 19,5 milhões”;
    • Um “promotor imobiliário que pretendia fazer uma construção numa Reserva Ecológica Nacional” e, após anos de espera, “dois ministros consideraram que o projecto tinha interesse público". "Nesse mesmo dia entraram nos cofres do partido um milhão de euros".

Por que saltou António Cluny como uma mola para desvalorizar as afirmações do bastonário, ele que faz parte do corpo profissional ao qual cabe precisamente exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática, nos termos da Constituição?

“Normas acessórias”

          Um espectro paira sobre Portugal — o espectro da ASAE. Todos os poderes do velho Portugal se aliaram numa santa aliança para exorcizar este espectro: Valente e Pacheco, Santana e Barreto, os radicais do Bloco e os conservadores do Caldas.



Não vale a pena o Sr. Nunes gastar o seu latim a explicar o que está em causa na bola de Berlim ou que o modus operandi da ASAE foi acordado previamente com as associações representativas dos sectores a fiscalizar. Há “desproporcionalidade” — e ponto final.

Ao texto que o Daniel Oliveira hoje publica no Expresso falta extrair as consequências. Mas o PP fá-lo na última página do semanário: “Uma das alterações [na lei que rege a ASAE] é a hierarquização das normas que os estabelecimentos têm de cumprir, distinguindo as essenciais das acessórias.” Uma espécie de direito de geometria variável, subentende-se.

Aviso à navegação

O Blasfémias emigrou de vez, estando agora aqui. E o José Pimentel Teixeira também anda em mudanças.

♪ Nick Cave



The Ship Song

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Mujeres al borde de un ataque de nervios




A criação do Movimento das Mulheres Sociais-democratas está a deixar o mulherio em brasa. Ana Manso, a deputada da Guarda que tem sempre uma oportuna graçola na ponta da língua, está muito agradecida a Menezes por esta iniciativa: “Em boa hora a toma. Há muitos anos que estávamos à espera”.

Leonor Beleza, citada por Ana Manso pelo “contributo [dado] para esta causa”, parece mais preocupada com a aplicação dos dinheiros de Champalimaud na longínqua Índia: “Nem sequer tenho conhecimento detalhado do que é que se passa”.

Beleza e Ferreira Leite haviam sido apontadas por Menezes como mulheres “de referência em termos de qualidade e afirmação”. Mas também Ferreira Leite se escusa a caucionar o último produto made in Cunha Vaz & Associados: “Não vou dar a minha opinião”.

Já Regina Bastos não se eximiu a dar opinião sobre o Movimento das Mulheres: “Não aprecio especialmente”. E a ex-futura secretária-geral Helena Lopes da Costa também torce o nariz. No entanto a reacção mais surpreendente é a de Zita Seabra, a única mulher vice-presidente de Menezes: “Não quero dar opinião nenhuma”.

Por este andar, Ribau ainda acaba por acumular o cargo de secretário-geral com a presidência do Movimento das Mulheres Sociais-democratas. Bem, se é verdade que Menezes não cumpriu a promessa de entregar a secretaria-geral do PSD a uma mulher, redime-se de alguma se confiar as mulheres do partido ao secretário-geral.

«O “menino guerreiro” começa a crescer?»¹





Ribau Esteves fez, em nome do PSD, um acordo com o líder do PPD, o menino-guerreiro. O encontro realizou-se na sede do PPD, na Assembleia da República, tendo ficado então decidido que seria Cunha Vaz a dar corda aos bonecos — em São Bento e na São Caetano.

O país, quando soube, deu uma gargalhada. O menino-guerreiro, apanhado com um pé no ar, emite um comunicado a sustentar que tinha havido um equívoco: Cunha Vaz fora contratado para arrumar o arquivo.

Manuel Alegre, ignorando que o menino-guerreiro havia previamente concordado com a OPA da Cunha Vaz & Associados sobre o PPD/PSD, aplaude a cabriola de Santana. Vasco Pulido Valente — esse mesmo que distribui relógios Jeep e agendas Moleskine na revista Atlântico — vê na rasteira pregada a Ribau um sinal de que Santana está a crescer. Um recauchutado menino-guerreiro como “candidato a primeiro-ministro” é uma possibilidade cada vez menos remota. A direita procura preencher o vácuo.


__________
¹ Embevecida pergunta com que Vasco Pulido Valente termina a sua crónica de hoje no Público.

Já reparou que o CC é agora escrito a quatro mãos?

♪ Wim Mertens, 4 mains

quinta-feira, janeiro 24, 2008

O regresso do clericalismo

Proclamação do professor Rui Ramos, membro destacado do NAFICS (Núcleo Anti-Fascista do Instituto de Ciências Sociais) e santo padroeiro da revista Atlântico:

"Não, não é preciso fé para perceber que das religiões reveladas (e doutras tradições de iniciação espiritual) depende largamente a infra-estrutura de convicções e sentimentos que sustenta a nossa vida."

Alto aí! Deixa-me lá ver se entendi. Segundo o professor, sem as religiões reveladas e mais algumas por revelar, a nossa vida não teria sustentação. Por outras palavras, sem religião não é possível a vida em sociedade.

Quem acredita nisto não pode pura e simplesmente tolerar o laicismo, porque está convencido de que ele põe em causa os fundamentos do viver colectivo e alimenta a anarquia e o crime. Uma sociedade de ateus e agnósticos é, por definição, contrária à moral e aos bons princípios. Não podemos estranhar que, nela, proliferem a deslealdade, o desrespeito, a irresponsabilidade, o roubo, a mentira, a injustiça, o deboche, a violência, a humilhação dos fracos e, em geral, todas as práticas inspiradas pelo demónio.

Estarei a exagerar na minha interpretação? Leiam mais este extracto do artigo que Rui Ramos assinou no Público de ontem:

"Hoje em dia, é nos crentes que certos princípios fundamentais para a nossa liberdade encontram a voz mais desassombrada. Por exemplo, a ideia da dignidade e da autonomia da pessoa como limite para experiências políticas e sociais. Numa cultura intoxicada pela hubris da ciência e das ideologias modernas, certas religiões conservaram, melhor do que outros sistemas, a consciência e o escrúpulo dos limites. O mesmo se poderia dizer da questão da verdade, que a ciência pós-moderna negou, sem se importar de reduzir o debate intelectual ao choque animalesco de subjectividades."

É isso mesmo: sem os crentes, não há - ou quase não há - quem vele pelos "princípios", nem quem respeite a "dignidade" e a "autonomia da pessoa". O pérfido mundo contemporâneo encontra-se minado pela ciência e pelas "ideologias modernas" (ui! reparem na abrangência da maldição!).Quanto à ciência pós-moderna (o que será?), encarregou-se de negar a verdade. Restam uns quantos animais à solta, presumivelmente eu e o leitor.

O professor perdeu o juízo.

A palavra aos leitores

E-mail de Francisco Barbosa:

    “Como são estranhos os nossos concidadãos:

    Exigem mão pesada e extremo rigor para o BCP, porque aconteceram problemas... Se o BdP tivesse tido uma acção mais drástica seria com certeza apelidado de intransigente, de por em causa o sistema bancário, enfim o costume

    No caso da ASAE pede-se o tão famoso jogo de cintura, aquele que permite a corrupção, a continuação de práticas erradas, até que um dia um turista vai para o hospital com uma gastroenterite e será noticia, daquelas que vão manchar o nome do país no estrangeiro (as gastroenterites dos nacionais não são graves, não afectam a nossa imagem no estrangeiro) e nessa altura iremos ter de aturar o Portas, o Louçã, o Jerónimo e o Líder da oposição da altura a criticar severamente a ineficácia da ASAE.

    Vale mais o fecho bem anunciado de alguns restaurantes para melhorar o sector do que 1000 campanhas e inspecções pedagógicas...”

E-mail de Sebastião Oliveira:

    “Vivo em Linda-a-Velha e tenho uma vista larga sobre a linha e serra de Sintra.
    Nota que a iluminação pública podia ser melhor gerida. Possivelmente com horário adaptado diariamente as condições de luz.
    Hoje a iluminação pública podia ter sido desligada pelo menos meia hora mais cedo talvez ate 45 minutos.
    Também à noite podia ser ligada algo mais tarde
    Não sei se o que se faz é por interesses ou por falta de diligência.

    Sugiro que abordem este assunto no v/ conceituado espaço pois este Pais precisa de toda a colaboração (...).”

Declaração de interesses

        “(…) nesta década surgiu, assim de repente, como quem não quer do nada, quiçá de geração espontânea ou então de incubação prolongada, mas de forma inusitada, uma série de notáveis do nosso país que se vêm afirmando nas instituições é organismos europeus.

        Esta geração de portugueses, que tem o seu expoente máximo no presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que é reputado ser o terceiro homem mais poderoso do mundo, e se calhar por cause, começou a dar impressão de ter desencadeado uma epidemia muito saudável, ou então uma cadeia de solidariedade, no limite a moda do Made in Portugal.”



Isabel Meirelles, a autora destas linhas, assina semanalmente uma coluna no Jornal de Negócios. A coluna chama-se “Senhora Europa” e a autora apresenta-se como “Especialista em Assuntos Europeus”. Para além de especialista em assuntos europeus, há um dado curricular que, certamente por falta de espaço, Isabel Meirelles não revela: a Senhora Europa foi escolhida por aquele que é hoje “o terceiro homem mais poderoso do mundo” para presidir à extinta Agência para a Segurança Alimentar, cargo no qual Santana Lopes e Morais Sarmento, dois expoentes desta magnífica geração, a reconduziram três dias antes de entrarem em Governo de Gestão.

Recorde-se que a Agência para a Segurança Alimentar, entidade que esteve na origem da agora conhecida ASAE, dedicou-se de alma e coração à ingrata tarefa de tradução das directivas comunitárias e não à sempre aliciante fiscalização alimentar.

Notícias do meu país





            Pergunta da Visão: Há outras áreas em que tenha divergências?
            Resposta de Manuel Alegre: A Saúde é a que mais me preocupa. Mas também houve um agravamento do fosso entre ricos e pobres.



Será pedir muito que, uma vez por ano, em vez da revista Colóquio/Letras, o vice-presidente da Assembleia da República, Manuel Alegre, dê uma vista de olhos pelas publicações não menos estimulantes do INE?

Em 2005, 18 em cada 100 portugueses ainda estavam abaixo do limiar da pobreza, ou seja, recebiam menos de 366 euros por mês. Mesmo assim, isto representa uma redução face a 2004 (19 por cento) e face a 2003 (20 por cento). Trata-se de uma redução de apenas um por cento face ao ano anterior, é certo, e as percentagens são coisas chatas, mas convém avisar Alegre de que estamos a falar de mais de 100 mil pessoas.

As desigualdades sociais, traduzidas no diferencial entre os rendimentos mais elevados e os mais baixos, também estão em trajectória descendente: se em 2004 os rendimentos mais elevados representavam um valor 12,3 vezes superior aos mais baixos, em 2005 esse valor baixou para 11,9.

Sugestões de leitura

• Pedro Lomba, MENEZES CONTRA MENEZES:

    "Sucede que é demasiado óbvio que Menezes não sabe o que dizer como líder da oposição. A sua imagem na política portuguesa é a de um revanchista e peronista em versão Vila Nova de Gaia. Ninguém o reconhece na pele de um conhecedor responsável e sofisticado."

• Manuel António Pina, O negócio das ideias:

    "Felizmente a Torre dos Clérigos não está sob a alçada da maioria PSD/CDS da Câmara do Porto ou já teria sido entregue a privados e transformada num hiper ou num condomínio de luxo. Rui Rio não faz a mínima ideia do que há-de fazer com o património municipal, e não tem (nisso há que reconhecer-lhe desassombro) problema algum em assumir que ideias não são o seu forte. A única ideia que lhe ocorre quando não lhe ocorre ideia nenhuma é abrir um concurso de ideias (para o Bolhão, para o Ferreira Borges, para isto e aquilo)."

Da série "Frases que impõem respeito" [120]

    “A intenção não era certamente calar uma voz ou impedir o diálogo e o confronto, mas garantir o profundo significado histórico e moral da inauguração do ano académico (…), na qual a universidade celebra a liberdade do saber universal, idealmente livre de qualquer condicionamento ou tutela.”

♪ Mick Harvey



The Javanaise

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Ménage à trois : "a vida íntima desta relação está sob reserva"



A manhã começou animada. Ribau, o grande Ribau Esteves, desceu à cidade para anunciar que a Cunha Vaz & Associados vai integrar os serviços de comunicação já existentes na sede nacional e no grupo parlamentar do PSD e “está a começar a trabalhar, a instalar-se”.

Uma forma inovadora de fazer política: sobre a presença da Cunha Vaz & Associados no Parlamento, a consultora adiantou à agência Lusa que vai disponibilizar “dois ou três activos”. Os próprios nomes dos “activos” foram divulgados: o novo gabinete de comunicação do PSD passará a contar com António Cunha Vaz e dois profissionais da sua empresa - Luís Lemos e José Aguiar.

Ribau previu quase tudo: “O gabinete de comunicação terá uma solução de gestão directa com o secretário-geral, em representação do presidente do partido, e com o presidente do grupo parlamentar”.

Só não contou com a possibilidade de o PPD fazer uma ruptura com o PSD. Aconteceu. Santana não gostou que se soubesse que iria receber instruções directas de Cunha Vaz: “Devo esclarecer que ninguém, indivíduo ou empresa, aconselhará seja a mim, seja a outro membro da direcção ou outro deputado do grupo parlamentar do PPD/PSD sobre comunicação”.

Moral da história — Ribau ficou com o menino Cunha Vaz nos braços: “Não vou falar, nem hoje nem no futuro, mais nada sobre a vida íntima desta relação, está sob reserva.” Santana continua por aí (e Menezes escondeu-se).

Lá vai Lisboa...




António Costa quer anular as deliberações tomadas pela Câmara de Lisboa no processo de permuta de terrenos do Parque Mayer e da Feira Popular. O PS, o BE, o PCP e Roseta apoiam esta decisão. O PP de Portas não conta, porque não tem vereadores. Restam o PSD e o grupo folclórico de Carmona, que não estão pelos ajustes. Duas questões:

    1. Por que estão o PSD e os amigos de Carmona com tanta pena da Bragaparques?

    2. A nulidade do contrato implica a devolução do donativo recebido pelo PSD?

♪ John Anderson



Small Town

terça-feira, janeiro 22, 2008

Três tópicos sobre a ASAE

1. Os intelectuais que mostram desdém pelo país por estar na cauda da Europa comportam-se como virgens ofendidas quando uma instituição trabalha com rigor, tendo como referência as boas práticas “lá de fora”.

2. Recordando-nos da “pequena corrupção” que proliferava nas múltiplas inspecções que foram integradas na ASAE, pedir agora maior brandura na sua actuação equivale a abrir as portas a práticas que, entretanto, foram abolidas.

3. Os actos praticados pela ASAE podem ser contestados nos tribunais. Porque é que os que se sentem ofendidos não recorrem aos tribunais? Em quantos processos os tribunais deram razão à ASAE? E em quantos a ASAE “perdeu”?

Os riscos do telefone vermelho





É conhecido o estilo estridente de Rangel (o Emídio, no caso). Deixado para trás nas decisões que envolvem a RTP, saiu para a rua aos tiros contra Santos Silva: “O incompetente ministro, com pulsões censórias, encheu a RTP de amigalhaços.” Ou outra tirada com um sentido de humor ainda mais apurado: “O seu estilo retrógrado, com telefone vermelho para a redacção do ‘Telejornal’, vai trazer-lhe muitos amargos de boca.”

Soube-se agora que foram nomeados para directores de programas e de informação da RTP dois amigalhaços de… Rangel: José Fragoso e José Alberto Carvalho, o que já obrigou Rangel a uma pirueta. E, pior ainda, ao ter sido escolhida, a fazer fé na Gracinha do 24 Horas, Judite Sousa para directora adjunta de José Alberto Carvalho, o ministro-controleiro arrisca-se, quando utilizar o “telefone vermelho”, a ser atendido do outro lado da linha pelo vice-presidente do PSD, Fernando Seara.

Sugestão para Alegre

Aproveitando a boleia do segundo aniversário de Cavaco Silva na presidência da República, Manuel Alegre tem-se desdobrado em entrevistas naquele seu estilo entre o errático e o romântico. A páginas tantas, lamentou não ter uma fundação a partir da qual pudesse perpetuar o seu pensamento. Talvez o próprio Alegre pudesse resolver o problema, consignando os direitos dos seus livros à fundação.

Sugestão de leitura

No artigo que hoje publica no Diário Económico, Pedro Adão e Silva reflecte sobre o que Luís Filipe Menezes representa (e anuncia), fazendo uma comparação com a Itália de Berlusconi.

Pedro Adão e Silva escreve uma nota adicional, que se reproduz:

    "O que se passou após a morte de um bebé na Anadia é mais um exemplo dos níveis de insalubridade que atingem a política portuguesa. Uma coisa é a divergência sobre as orientações políticas, outra, a tentativa de associar esta tragédia à reforma da rede de urgências. A prosseguir-se por este caminho – espartilhados por uma coligação entre política e comunicação social tablóides – num futuro muito próximo, ninguém minimamente decente estará disposto a ser ministro da Saúde. É que quando a canalhice ameaça tornar-se o alicerce fundamental da sintaxe política, só os canalhas entrarão no jogo."

♪ John Mayall



Crying

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Os abutres




“Eu acho que tem havido esse aproveitamento político pelo PSD, pelo PC e pela ala esquerda do PS, vamos ser justos. Quer dizer, está a ser utilizado por todos aqueles que contestam a política do ministro. E isso é péssimo. Politicamente, é péssimo. O que, insisto, não tem a ver com o facto de se poder criticar, e até razões para criticar, a política do ministro. (…) Agora, daí até se utilizar uma morte, a morte de uma criança, para tentar fazer agitação contra uma política governamental é algo que quem queira ter responsabilidades na governação tem de todo recusar.”

Ministro das Obras Públicas demitido

Jorge Costa, que foi incumbido pela Cunha Vaz & Associados de representar o papel de ministro das Obras Públicas no governo assombrado sombra do Dr. Menezes de Gaia, foi corrido de vice-presidente do Boavista. Joaquim Teixeira, o presidente que sucedeu à família Loureiro, fez uma limpeza de balneário na área das obras:

Humor à segunda




O FAL anda preocupado com a deontologia. A futura ordem ainda o crava para escrever o livro de estilo.

O Compromisso Portugal morreu! Viva o Novo Portugal!


Jovens quadros com menos de 45 anos, que receberam mais de 25 por cento de bolas
negras, numa última tentativa para apanharem o barco que subirá o Douro



Já se suspeitava, mas o Expresso confirma-o neste fim-de-semana: “os participantes [do Compromisso Portugal] não tiveram influência sobre as conclusões, que já estavam feitas”. A revelação coube a “uma centena de jovens quadros”, “que não quer intervir pela via da partidocracia”. Estes “jovens quadros com menos de 45 anos” dispõem-se a criar um movimento cívico para decidir “que país querem deixar aos filhos”.

Os participantes da iniciativa são escolhidos boca a boca”, mas a sua adesão está condicionada à aprovação por um conselho consultivo, do qual constam personalidades que se supõe também não queiram “intervir pela via da partidocracia”, como, por exemplo, Guilherme d’Oliveira Martins, João Salgueiro e Valente de Oliveira.

Um candidato que “receba mais de 25% de bolas negras na votação do Conselho Consultivo” não poderá debater as conclusões, o que ocorrerá, a 7 e 8 de Março, “num barco que subirá o Douro”.

Da comissão executiva do Novo Portugal faz parte Francisco Maria Pinto Balsemão. Não sei se o facto teve alguma influência no tom épico dado pelo impagável Nicolau Santos ao título da peça que subscreve: “Geração abaixo dos 45 marcha por Portugal”.

PS — Este post, sobre uns jovens quadros que se autodefinem como "relativamente arrojados, dentro de uma óptica de utopismo razoável", não pode deixar de ser dedicado a Rui Ramos, que, hoje, no DE, garante que é "no mundo dos gestores e dos empresários" que "há disponibilidade para ouvir gente nova", "pessoas que sentem o apelo cívico" e que até "podem surgir no espaço político com uma certa força".

Da série "Frases que impõem respeito" [119]

    “Passei à situação de reforma em função de relatório de junta médica.”

      Paulo Teixeira Pinto, em carta enviada ao Público [19.01.2008] “em defesa do meu nome e honra pessoal”

Os acertos de contas (ou coisa assim) com os gestores (ou coisa assim)

A folha do Dr. José Manuel Fernandes trazia, na sexta-feira, uma notícia na primeira página que escandalizava qualquer cidadão, salvo os comentadores da Quadratura do Círculo. O afastamento (e o silêncio) de Teixeira Pinto teria custado uma fortuna ao BCP: “uma indemnização de 10 milhões de euros e com o compromisso de receber até ao fim da vida uma pensão anual equivalente a 500 mil euros, 35 mil euros por mês, 14 vezes por ano.”

No sábado, o Público abre as suas páginas a Paulo Teixeira Pinto, que pretende fazer a defesa do seu “nome e honra pessoal”. Nega que tenha recebido qualquer indemnização. Sejamos, então, rigorosos:

    «Como “indemnização”, o Público pretendeu referir-se ao acerto de contas imediato efectuado aquando da saída do banco.

    Os números que deverão constar do Relatório e Contas do BCP são os seguintes: Compensações – 1,9625 milhões de euros; Remunerações Variáveis – 7,770 milhões de euros; Pensão Vitalícia – 37,5 mil euros mensais durante catorze meses por ano.

    Nas contas de 2007, apenas serão contabilizados os encargos com pensões durante os primeiros 14 anos.»

Está reposta a verdade dos factos.

♪ Van Morrison



Ballerina

domingo, janeiro 20, 2008

Justiça — Perguntas & Respostas

Uma ideia feita é a de que os magistrados judiciais não se espantam — e de que, muito menos, têm dúvidas. Não corresponde à verdade. Veja-se o caso do Juiz Desembargador Rui Rangel, que partilha, muito humildemente, as suas dúvidas com o povo em geral, em nome do qual, de resto, administra a justiça:

    “Agora, no novo Código de Processo Penal (CPP), o legislador, tocado por mais uma originalidade, veio destruir o valor da imutabilidade relativa do caso julgado. Diz, de forma espantosa, o nosso não menos espantoso legislador, que, se após o trânsito em julgado da condenação, mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime – Artigo 371-A do CPP. Ficamos a saber que a partir de agora é permitido ao condenado, com condenação transitada em julgado, pedir a reabertura da audiência com vista à aplicação de um novo regime penal que, em concreto, lhe seja mais favorável, o que impõe a realização de um novo julgamento, mesmo que parcial. Não tendo o caso julgado qualquer protecção, esse novo julgamento parece obrigar a um repetido juízo sobre a tipicidade dos factos, grau de culpa, fins de prevenção, espécie e medida da pena. A ser assim, ocorrem várias perguntas: qual o tribunal competente para realizar tal tarefa, o da condenação ou o que for apanhado no momento? Que limites são impostos à convicção deste julgador, designadamente estará impedido de alterar os factos provados? Ao aplicar o novo regime serve-se, apenas, dos elementos de prova que estão no processo ou não?”

São pertinentes as dúvidas que assaltam o espírito do Juiz Desembargador Rui Rangel. Tentemos ajudá-lo a resolvê-las, recorrendo para o efeito a quem sabe. Explica a Prof. Fernanda Palma:

    “Suponhamos que uma pessoa foi condenada a quatro anos de prisão, após decisão definitiva, por um crime cuja pena tinha uma medida até cinco anos. Entretanto uma alteração da lei veio reduzir a medida da pena desse crime para o máximo de três anos. Pensemos que a pessoa condenada a quatro anos já cumpriu três. Sendo a nova lei mais favorável ao agente deve a pessoa em causa, apesar disso, continuar na prisão só porque o que já foi decidido é intangível?”

Veja aqui como, conjugando os vários ramos do direito, a administração da justiça por parte do Juiz Desembargador Rui Rangel pode não ser uma tarefa tão inatingível como à primeira vista faria supor.

Da série "Frases que impõem respeito" [118]

    “O seu mapa-múndi é um GPS de taxista.”

♪ Randy Newman



A Wedding in Cherokee County

sábado, janeiro 19, 2008

La Sapienza


Cristiano Banti (1857) retrata o julgamento de Galileu


Como será possível uma opinião pública informada nesta situação de permanente cacofonia mediática?

Não há duas sem três: Somague… Bragaparques…

Segundo o luminoso Sol, a campanha do PSD no município de Lisboa (a de 2005) foi financiada pela Bragaparques. Naquele engraçado jogo das setinhas que prepara ao longo da semana, José António Lima poderia hoje ter-se referido a Marques Mendes, nem que fosse com a setinha para cima (por a marosca à custa dos alfacinhas não ter sido detectada enquanto foi líder do partido). Tal não ocorreu a José António Lima. Acontece.

♪ The Velvet Underground



New Age

sexta-feira, janeiro 18, 2008

“Muitas vezes as melhores soluções estão no banco"

Conhece a família Espírito Santo Silva Mello? Parece que descobriu muito recentemente que possui uns terrenos ali para os lados de Alcochete. Não vê inconveniente em se desembaraçar deles pelo “valor de mercado”.

O primeiro açoite




O provedor do leitor do Público já tem finalmente o seu blogue. Vale a pena ler De que ri este homem?, acerca do modo como o Dr. Fernandes transforma resultados de sondagens na mais cristalina das realidades. Levou um primeiro açoite do provedor do leitor:


    “Um jornalismo de rigor não deve confundir sondagens, quaisquer que sejam as suas formas, com factos reais, a não ser os da sua própria existência como sondagens. Deve ser relativizado o valor noticioso das sondagens e dado na mesma proporção destaque às suas conclusões.”

E se o Parlamento proporcionasse uma acção de formação para os deputados?




Segundo relatos da imprensa, ontem, na Assembleia da República, o deputado Fazenda terá falado de uma "duvidosa constitucionalidade" acerca dos chamados "executivos maioritários", solução prevista no projecto do PS e do PSD para a revisão da Lei Eleitoral autárquica.

A única coisa duvidosa nesta história é saber se o deputado Fazenda leu o artigo 239.º da Constituição:

Artigo 239.º
(Órgãos deliberativos e executivos)

1. A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão executivo colegial perante ela responsável.
2. A assembleia é eleita por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos recenseados na área da respectiva autarquia, segundo o sistema da representação proporcional.
3. O órgão executivo colegial é constituído por um número adequado de membros, sendo designado presidente o primeiro candidato da lista mais votada para a assembleia ou para o executivo, de acordo com a solução adoptada na lei, a qual regulará também o processo eleitoral, os requisitos da sua constituição e destituição e o seu funcionamento.
4. As candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais podem ser apresentadas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei.

Astrologia

A Maya — que não é uma bruxa má, pois trabalha na SIC — explica a desintegração do Space Shuttle Columbia:



♪ Townes Van Zandt



Pancho & Lefty

quinta-feira, janeiro 17, 2008

As trapalhadas já não são notícia

Pedro Soares Lourenço pergunta: Afinal, qual das cabeças da hidra decide? É que “[o]ntem, ao fim da tarde, víamos e ouvíamos Luís Filipe Menezes dizer [na TSF] que hoje o PSD votaria contra a moção de censura ao governo proposta pelo Bloco. Mais tarde, ao início da noite, víamos e ouvíamos Pedro Santana Lopes na SIC Noticias dizer que hoje o PSD se absteria na moção de censura ao governo.”

Mas que chapelada em preparação…




No tempo do Dr. Salazar, ele também não abdicava de assegurar a distribuição dos boletins de voto da União Nacional. Há procedimentos de que os presidentes vitalícios não podem prescindir.

A palavra aos leitores – Ainda o agendamento “protestativo”

Pedro Guerra, leitor do CC, escreve-nos um e-mail a lembrar que a gaffe de Menezes é ainda menos compreensível se se tiver em conta que foi deputado e, depois, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Tem razão o Pedro Guerra.

“Asneira total”, diz o chefe da corporação

O novo bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho e Pinto, defende o apuramento das razões da morosidade na resolução de processos na justiça: “a partir do momento em que passa um determinado tempo médio é preciso averiguar e responsabilizar disciplinarmente as pessoas que estão a ser responsáveis por essa morosidade”.

O bastonário exige que também os motivos por que ocorrem prescrições devem ser averiguados: “Enquanto um juiz disser que está em causa a independência da justiça, deve-se averiguar porque é que o processo está há três anos sem decisão final”.

Acrescenta Marinho e Pinto que os atrasos na justiça não resultam da falta de funcionários, já que, “segundo um estudo do conselho da Europa, temos mais juízes por milhão de habitantes do que qualquer pais da Europa ocidental, temos rácios que só se aproximam dos antigos países de Leste”.

Face ao exposto, o bastonário defende que “as pessoas têm de ser responsabilizadas e premiadas de acordo com a qualidade do seu trabalho, um juiz devia progredir de acordo com o número de decisões que profere”.

António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, entrou em pânico: considerou as declarações do bastonário da Ordem dos Advogados uma “asneira total”, que decorrem de Marinho e Pinto ter uma visão “meramente quantitativa” da justiça.

Convém chamar a atenção ao sindicalista do que, por exemplo, se passa na Espanha. Com efeito, a LEY 15/2003, DE 26 DE MAYO, REGULADORA DEL RÉGIMEN RETRIBUTIVO DE LAS CARRERAS JUDICIAL Y FISCAL dispõe, no artigo 7, o seguinte: “Las retribuciones variables por objetivos estarán vinculadas al rendimiento individual acreditado por cada juez o magistrado en el desempeño de sus funciones jurisdiccionales y profesionales.”

Esta norma é assim justificada: “Un sistema retributivo justo no puede ser indiferente al cumplimiento especialmente eficaz de las obligaciones profesionales y a la agilidad en el despacho de los asuntos, parámetros ambos que ponen de manifiesto el grado de satisfacción de la demanda social de calidad en la prestación de servicios públicos.”

Da série "Frases que impõem respeito" [117]

    “Nós não vivemos numa República que tenha deferido o poder de legislar a procuradores-gerais adjuntos.”

      Alberto Costa, ministro da Justiça, em entrevista à Visão

CC = 1+1

Quem teve a ideia de criar o CC foi o Afonso. Razões profissionais fizeram com que não pudesse colaborar desde o início. Regressado agora do exílio, eis que o Afonso Mesquita, cujo nome figurou durante muito tempo na barra lateral, vai finalmente escrever no CC. Um reforço de peso, como se verá.

♪ Gordon Lightfoot



If You Could Read My Mind

quarta-feira, janeiro 16, 2008

"Uma circunstância política vantajosa"

Francisco Louçã, depois de Sampaio ter decidido não convocar o referendo imediatamente, por não estarem reunidas condições de participação:

    "Significa que o Parlamento volta a ter a responsabilidade de resolver o problema do julgamento das mulheres. O referendo era uma circunstância política vantajosa do ponto de vista democrático. Se o Presidente da República o recusou, não vamos ficar à espera. Se o referendo não é possível, a Assembleia da República tem que discutir o problema."

02.05.2005 (In Lusa)

Dois em um



Pergunta o Daniel Oliveira:
Um agendamento “protestativo” é um protesto com data marcada?

Menos cem mil pobres

As estatísticas são úteis por duas razões. Uns utilizam-nas para estudos, assumindo o retrato da realidade que o levantamento dos números permite. Outros assumem-nas como instrumento de política.

Dito de outro modo, para um político a publicação de estatísticas e a análise da sua evolução funciona como um tableau de bord (ou, numa versão mais moderna, como o balanced scorecard) para um gestor. Permite saber onde está, qual o efeito de políticas e que medidas se tornam urgentes.

O estudo que o INE ontem publicou sobre "risco de pobreza e a desigualdade na distribuição dos rendimentos" permite objectivamente concluir que:

    • Houve uma redução da taxa de pobreza para 18 por cento — era 19 por cento em 2005 e 20 por cento em 2004;
    • O grupo com maior incidência de pobreza — idosos — foi aquele em que a taxa mais se reduziu — passa de 28 por cento em 2005 para 26 por cento em 2006;
    • O impacte das transferências sociais (excluindo pensões) na redução da taxa de risco de pobreza mantém-se em sete pontos percentuais, sendo que, de 2004 para 2006, aumenta um ponto percentual o impacte das pensões.

Da análise para a política: os resultados são positivos, mas há muito a fazer. A sustentabilidade do sistema de segurança social é vital para reduzir o risco de pobreza em Portugal e assume-se que as novas medidas vão no bom sentido.

No caso do complemento social para idosos, a medida tem impacte e, conforme comprova o INE, incide exactamente no grupo mais atingido pela pobreza. Terá sido a percepção de que há muito a fazer que terá levado o Governo a alargar o âmbito dos beneficiários para abranger todos os que, com mais de 65 anos, cumpram os requisitos.

Quando alguns tanto falam de promessas por cumprir, convinha talvez reconhecer que o rendimento social de inserção é uma promessa que o Governo está a cumprir… apesar de toda a crítica dos que prefeririam a lógica da caridade.

Não está mal visto

A lista de Santos Ferreira obteve 97,76 por cento dos votos enquanto a de Miguel Cadilhe recolheu 2,34 por cento. Que título descobriu o Público para pôr na 1.ª página? Este: “Santos Ferreira e Vara venceram, Cadilhe convenceu”.

O editorial do Público é magnífico. À falta de melhor argumento, Paulo Ferreira, o seu autor, põe-se a contar cabeças para avaliar o grau de democraticidade da assembleia-geral do BCP. Conclui que se trata de um “resultado à antiga albanesa”.

Mas a cereja em cima do bolo foi colocada pelo mui diligente FAL. Depois de lamentar a forma de contagem dos votos, faz chegar aos seus leitores informação privilegiada:

O fotógrafo estava lá


Visivelmente encantada, Naomi dirige-se para a pista ao encontro
do socialite de gabarito internacional que lhe coube em sorte




"Na festa privada numa das boîtes mais in do Rio,
estivemos a dançar uns cinco ou dez minutos"



Que disparate de pergunta! Agora que o Chico trata por tu a Naomi, não o façam perder tempo com as Helenas.

PS — Chico, não sei como se escreve "supetão" no Brasil, mas por cá é com "u".

“Na Quadratura do Círculo, o panorama foi tão variado como o electrocardiograma de um cadáver”

Rui Tavares, na sua coluna de opinião no Público, recorda como foi recebida a referência de Cavaco Silva aos salários excessivos dos gestores:

    «Os adjectivos mais usados: "populista" e "demagógico". Encontramos também "infeliz" e "insólito". Na Quadratura do Círculo, da SIC, o panorama foi tão variado como o electrocardiograma de um cadáver: Pacheco Pereira optou pelo "populista e demagógico", Lobo Xavier pelo "infeliz e insólito" e Jorge Coelho achou que "não fazia sentido" falar do assunto. O Presidente foi até acusado de, crime dos crimes, "ter piscado o olho à esquerda".

    A reacção generalizada foi resumida pelo Jornal de Negócios assim: "Falar em desproporção salarial é 'ceder à demagogia'."

    Reparem bem, não é fazer algo. Não é pensar em fazer. É simplesmente falar do assunto. Ou, como fez o Presidente, "interrogar-se" sobre se seria "justificada" a diferença entre os salários dos administradores e os dos colaboradores.»

Sugestões de leitura

    Ricardo Reis, Não há fogo sem fumo: “Aprendi que existe outra característica que se pode associar aos fumadores: escrevem colunas para os jornais.”

    Teodora Cardoso, A tributação dos lucros: “Portugal acompanhou esta evolução, em especial no que respeita às taxas efectivas de tributação [dos lucros], as que mais importam em termos do seu impacto no investimento. Em Portugal, entre 1982 e 2005, a taxa marginal de tributação efectiva (corrigida do efeito da inflação) passou da mais alta da Europa (quase 50% em 1982) para a terceira mais baixa (cerca de 15%), superior apenas à da Grécia (próxima dos 12%) e da Irlanda (10%).”

Da série "Frases que impõem respeito" [116]

    Foi uma excelente lição para Cadilhe que sabe tanto de economia como eu de costura.”

♪ Tim Hardin



How Can We Hang on to a Dream

terça-feira, janeiro 15, 2008

Da série "Frases que impõem respeito" [115]

    “É preciso ter juízo.”

À conversa com o CAA

“O BCP nunca mais será um banco em que os pequenos accionistas contem para alguma coisa [pois não, eles foram sugados até ao tutano, tendo sido levados, uma vez mais, a comprar “gato por lebre”] - a partir de hoje, o BCP é uma coisa muito diferente de tudo o que conhecíamos [é, pelo menos, o que se espera].”

O PPD/PSD disse que ia a votos…

Sabendo que não venceria as eleições para o conselho de administração do BCP, Miguel Cadilhe apostou tudo na possibilidade de eleger, pelo menos, dois administradores (ele próprio e o multifacetado Bagão): a guerrilha continuaria no seio da administração. A sua lista, contendo dois ex-ministros das Finanças, obteve um resultado assim a modos que humilhante (2,24 por cento).

Mas, tendo-se verificado que Menezes e Santana resolveram meter a cabeça no cepo, ao politizarem a escolha de uma instituição privada — Eureko, BPI, Joe Berardo, Teixeira Duarte, Sonangol, Manuel Fino, Banco Português, Sogema, etc. —, pode concluir-se que também o PPD/PSD obteve um resultado humilhante. Arranjou um candidato, foi a votos e…

Claustrofobia democrática

Esta manhã, a RTP-N não deixou de elucidar o povo em geral acerca do curriculum vitae de Santos Ferreira: “funcionário da secretaria de Estado da Segurança Social e deputado do PS”. Fiquei com a certeza de que o homem nunca andou antes pela banca e pelas seguradoras. Bairrismo (em defesa do nortenho Cadilhe) ou a secção de Menezes no Monte da Virgem a produzir bom trabalho?

Verdade elementar




Por muito que Pacheco Pereira se revele agora impressionado com o bloco central de interesses, a verdade é que tudo aponta para que Mário Lino nunca venha a ser presidente da Lusoponte.

LER OS OUTROS

♪ Ry Cooder (e Flaco Jiménez)



María Elena