O embaixador de Portugal em Riade, o ministro plenipotenciário de 1.ª classe Henrique Silveira Borges, enviou-nos um e-mail que se reproduz na íntegra:
'Ex.mos Senhores
Duas linhas apenas para manifestar a minha indignação a respeito das referências ao estatuto da carreira diplomática feitas sob a epígrafe "diplomacia do croquete".
Gostaria de, a tal propósito, colocar as seguintes questões ao autor daquelas linhas:
1) Se estaria disponível para prestar serviço em postos de risco como Bagdad, Riade, Bissau, Kinshasa ou Abuja, nas condições em que o fazem os diplomatas que ali se encontram colocados (aconselho-o a informar-se a tal respeito previamente).
2) Se acha que um diplomata colocado actualmente em Bagdad leva uma vida folgada e livre, com cocktails e beberetes diários, para além é claro das inúmeras idas ao cinema...
3) Se acha que as famílias dos diplomatas que se encontram colocados naquele tipo de postos (e que frequentemente acompanham os diplomatas em causa) não fazem sacrifícios consideráveis para os acompanharem (aconselho por exemplo ao referido autor uma estadia prolongada em Riade, onde não há cinemas, não há teatros, as mulheres não podem conduzir e têm de andar quase integralmente cobertas sob temperaturas de 50 graus).
4) Se acha que os referidos diplomatas não merecem qualquer compensação por servirem em postos difíceis e de risco, como os acima mencionados. Desejaria aliás informá-lo que a generalidade dos nossos parceiros comunitários dão largas compensações aos funcionários colocados em tais postos, bem como às respectivas famílias. O Governo Português atribuiu aliás recentemente um subsídio para postos considerados de risco. Acha que devia retirá-lo?
5) Convido assim o seguramente corajoso (e bem informado) autor dos referidos comentários a passar os próximos anos num tour que o leve a Kinshasa, Bissau, Bagdad, Riade e Argel. Que tal, estará seguramente disponível, presumo!?
Com os melhores cumprimentos
Henrique Silveira Borges
Embaixador de Portugal em Riade'
NOTA do CC
1. Desejamos, em primeiro lugar, pontuar o nosso reconhecimento pelo modo cortês como o Embaixador Silveira Borges emitiu a sua opinião, que contrasta com o teor de e-mails e de comentários escritos a propósito de outras situações referidas no CC.
2. A expressão 'diplomacia do croquete', contra a qual se insurge o Embaixador Silveira Borges, foi popularizada pelo Embaixador Martins da Cruz (quando era ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Durão Barroso), como contraponto ao que designou por 'diplomacia económica' — e não por nós, que nos limitámos a reproduzi-la.
3. Em todo o caso, parece que nos colocou perante um quadro tão sombrio que, ao ler o e-mail, qualquer potencial candidato à carreira diplomática fugirá dela a sete pés. A verdade é que a colocação em ‘postos de risco’, como os que refere, é compensada por outros postos em que a vida é bem mais aprazível, como Buenos Aires, Roma, Paris, Nova Iorque, etc.. E a colocação em ‘postos de risco’ tem compensações pecuniárias e de contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação, não é verdade?
4. Os
posts publicados no CC acerca da carreira diplomática (designadamente
este,
este,
este e
este) tiveram um objectivo preciso: pôr em relevo que, quando o Governo quer impor restrições aos servidores do Estado, deve então não isentar desse esforço colectivo nenhum dos ‘
corpos profissionais’ (expressão pedida de empréstimo a António Cluny) que asseguram as funções do Estado. E basta ler os
posts do CC para verificar que, no âmbito da carreira diplomática, há excessos incompreensíveis — que ressaltam na actual conjuntura.
5. Mas o facto de os funcionários diplomáticos não serem tributados em sede de IRS pelas remunerações acessórias que auferem, que ascendem a valores muito superiores aos dos vencimentos-base, transforma-se na questão central do ‘dossié MALA DIPLOMÁTICA’. Se o incumprimento da lei fiscal é em qualquer circunstância intolerável, quando isso ocorre no seio de instituições prestigiadas do Estado, então só poderemos qualificar a situação como um escândalo. Não concorda, Senhor Embaixador Silveira Borges?