sexta-feira, outubro 04, 2013

«A "leitura nacional" das eleições autárquicas não depende da autorização de ninguém: impõe-se por si própria»

• Pedro Silva Pereira, Que se lixem os eleitores:
    ‘A resposta do PSD à derrota nas eleições autárquicas do passado Domingo mostra que Passos Coelho está decidido a converter o seu célebre “que se lixem as eleições” numa nova e arrogante máxima: “que se lixem os eleitores”. Um erro grave, que o PSD pagará caro.

    Entendamo-nos: é louvável, sobretudo em situações de grande exigência, que um primeiro-ministro governe com os olhos postos num horizonte mais longínquo do que o ciclo eleitoral e até que o faça com o desprendimento suficiente para desconsiderar as sondagens e pôr o interesse do País acima do interesse partidário. Coisa distinta, porém, é pretender governar em democracia como se as eleições fossem indiferentes. O insuperável desprezo que Passos Coelho revelou desde o início pelos compromissos eleitorais que assumiu com os portugueses foi o primeiro sinal de que não reconhece no mandato concedido democraticamente pelos cidadãos qualquer significado conformador da orientação governativa - como se fosse um mandato vazio de conteúdo ou um "cheque em branco". De certo modo, Passos Coelho parece partilhar ainda a visão pré-democrática, própria do Governo representativo clássico, em que a escolha eleitoral, anterior aos partidos como forma de organização programática da vontade popular, se resumia a um acto puramente designativo, de mera selecção dos governantes, fundando um mandato livre ou representativo porque desprovido de escolhas substantivas e isento de compromissos de política. Agora, confrontado com uma expressiva derrota eleitoral, a sua atitude de ignorar, senão mesmo de hostilizar, os eleitores que votaram de modo a expressar o seu descontentamento é filha da mesma falta de cultura democrática.

    Quando a Comissão Política do PSD se reuniu na passada terça-feira para analisar os resultados eleitorais - por entre muita gritaria e insultos, ao que rezam as crónicas - Passos Coelho, num revelador sinal dos tempos, resolveu confiar ao inefável Marco António a tarefa de falar aos jornalistas. O resultado não surpreendeu: muitos recados para dentro do partido, nenhuma mensagem para o País. Incapaz de produzir qualquer inflexão na leitura dos resultados deixada pela catastrófica comunicação política da noite eleitoral, a direcção do PSD entreteve-se a discutir a magna questão do poder interno e os apelos à abertura massiva de processos disciplinares. Para os eleitores, nada. Nem disposição de corrigir o necessário, nem reconhecimento sequer da necessidade de explicar melhor as medidas governativas ou qualquer outro sinal, por remoto que fosse, de ter compreendido ou tentado compreender o que os portugueses disseram com o seu voto. Até mesmo os óbvios desafios colocados aos partidos políticos pelo fenómeno das candidaturas ditas "independentes" - que implicaram para o PSD a perda de tantas câmaras importantes - não terão motivado qualquer reflexão digna de nota. Ao que parece, nada disso importa. O único ponto sobre o qual Marco António, em nome da direcção do PSD, julgou necessário pronunciar-se foi o seu tema favorito de sempre: se deve haver eleições no partido ou no País. Sendo a resposta negativa quanto a uma e a outra coisa, o caso está, para a direcção do PSD, encerrado: segue-se a tomada de posse dos presidentes de câmara e, logo depois, a aprovação de mais um violento pacote de austeridade no Orçamento para 2014. Se os cidadãos não estão de acordo, azar o deles. Que se lixem os eleitores!

    É a isto que se chama, como sentenciou com raro sentido da oportunidade o Presidente da República, recusar qualquer "leitura nacional" das eleições autárquicas. O problema é que, com resultados tão expressivos, a "leitura nacional" das eleições autárquicas não depende da autorização de ninguém: impõe-se por si própria. Recusar essa evidência é entrar num jogo perigoso de faz-de-conta, fingindo que nada aconteceu. E obrigar a democracia a falar mais alto para se fazer ouvir.

4 comentários :

Anónimo disse...

Acabei de ler no DE que Seguro disse ""PS tudo fará para evitar um segundo programa""... Pelos vistos o Tó Zé entrou no jogo de alteração do significado das palavras pelo governo: será que sabe o que quer dizer "TUDO" ?????
Se sabe, Deus nos livre.... Livrem-se deste pacóvio....Por mim continuarei a votar nulo....enquanto for leader do PS!

jmramalho disse...

Pois! Insultaram e enxovalharam o melhor 1.º Ministro que Portugal teve nos últimos anos. Com a ajuda prestimosa do BE e do PCP, o poder foi entregue de mão beijada a estes ineptos que nos (des) governam mas que se governam e a esta coisa que colocaram no Palácio. Como uma desgraça nunca vem só ainda fizeram eleger para o PS um J sonso. Palavras para quê, são os mesmos portugueses que votam em cadastrados para continuar a presidir desde a Carregueira aos destinos municipais!

Anónimo disse...

Interessante no entanto, é o facto de C Silva ter pedido a alteração da lei eleitoral, nomeadamente em relação ao prazo de convocação e realização de eleições.....De certa forma creio que tem passado despercebida nos comentários... mas creio que trará água no bico: ou porque não confia no poder actual ou para garantir que num pico positivo do governo( ou negativo da oposição, o mais provável...) possa haver uma golpada de convocação de eleições

Arrebimba o malho disse...



Concordo. Tudo o que este patifório diz traz sempre água no bico.

Devemos contudo notar que as suas palavras são mutantes que, com o tempo, ganham novos significados! Como neste recente e já celebérrimo caso do "Masoquismo", em que se chega ao cúmulo de o "mister" Cavaco Silva criticar no princípio do Outono o que o prezidento da República anibalesco discursou... no pretérito Ano Novo!

Contudo, nalguma coisa ele um dia teria de ter razão: não nos esqueçamos de que "isto" só lá vai já com um SOBRESSALTO CÍVICO, mas dos valentes!

Que faça tremer os Jerónimos e, se necessário for, arrasar Belém inteira! Como um castelo de cartas (viciadíssimas!), ou uma pilha de pastéis, completamente podres...