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segunda-feira, junho 15, 2015

Prisão preventiva não, prisão preventiva sim

• Alberto Pinto Nogueira, Prisão preventiva não, prisão preventiva sim:
    «(…) José Sócrates foi primeiro-ministro eleito duas vezes pelo voto popular. Imputam-lhe todos os dias a prática de crimes gravíssimos: corrupção, fraude fiscal, branqueamento. Já o vi “condenado” em muitas sedes. Não no tribunal, pelo Estado de Direito.

    O ex-primeiro-ministro está sujeito às mesmas regras válidas para toda a gente. Não pode nem deve ser privilegiado ou beneficiado. Não pode suportar a cruz só porque, ou também porque, foi primeiro-ministro. O processo que lhe diz respeito assume relevância nacional e internacional. É o país que, de algum modo, carrega um fardo enorme. O resto é hipocrisia.

    Como sempre, e aqui mais, exige-se celeridade. Que o processo respire transparência. Legalidade.

    O Estado, pelos seus representantes no processo, não tem legitimidade, nem poder, para fazer o que lhe apetece. Dispor do cidadão a seu bel-prazer. Tudo o que faz ou ordena deve ser muito bem explicadinho. É assim que diz a lei processual.

    A prisão preventiva é uma medida de coacção excepcional, nos termos constitucionais. Não é uma pena. Só pode ser decretada ante certos requisitos e pressupostos legais. Está sempre sujeita à cláusula rebus sic stantibus: pode ser revogada, alterada ou substituída por outra menos gravosa a qualquer momento de acordo com as circunstâncias. Não apenas de três em três meses, como se diz por aí.

    Ao propor ao arguido a aceitação de outra medida em substituição da prisão preventiva, o Estado está a dizer que já não a entende necessária, adequada e proporcional. O Estado tem obrigação de saber que o arguido pode não aceitar a prisão domiciliária com pulseira electrónica. É o Estado que faz as leis. Não o arguido. Ao regressar à prisão preventiva, após recusa do arguido em aceitar a pulseira electrónica, o Estado está a dar o dito por não dito. Nem se percebe que agora se prescinda da prisão preventiva e daqui a bocado se volte a aplicá-la. Sem qualquer alteração de facto ou circunstância.»

domingo, março 15, 2015

«Haverá um critério normativo inconstitucional
se, expirado o prazo legal para o reexame,
o arguido se mantém preso no segundo seguinte»

• Fernanda Palma, O segundo seguinte:
    «Segundo Ronald Dworkin (filósofo do Direito norte-americano falecido recentemente), há casos que não se resolvem só pela interpretação semântica da lei, reclamando a integração num conjunto coerente de valores por juízes "hercúleos". Um exemplo: quem assassinar a pessoa de que é herdeiro, herdará se a lei nada disser? O princípio de que o crime não pode aproveitar ao criminoso impõe a resposta negativa.

    No caso Sócrates, está agora em causa, para além da competência do tribunal, se é legal a manutenção do arguido em prisão preventiva sem que o juiz de instrução tenha proferido despacho de reexame no prazo máximo de três meses. E questiona-se se tal prazo pode ser violado para dar ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório, pronunciando-se sobre novas provas carreadas pelo Ministério Público.

    A ausência de decisão no prazo para o reexame da prisão preventiva não mantém em vigor, por inércia, a decisão anterior. O caráter imperativo do artigo 213º do Código de Processo Penal indica que se trata de um prazo de garantia. Se o tribunal não confirmar a decisão inicial findos três meses, gera-se um vazio que só pode significar que não existem condições processuais para manter a prisão preventiva.

    Não vale o argumento de que a não decisão do tribunal se justifica pelo contraditório e, em última análise, pelo interesse da defesa. Com efeito, o contraditório é uma garantia da defesa, essencial para uma decisão justa. Porém, a impossibilidade de ser exercido no prazo de três meses não dispensa o tribunal de reexaminar atempadamente a prisão preventiva, sem prejuízo de considerar no futuro novas provas.

    A tese de que o exercício de direitos justifica, sem o reexame obrigatório, a manutenção da prisão preventiva não se integra no sistema de valores constitucionais. Haverá um critério normativo inconstitucional, por violação da natureza excecional da prisão preventiva, na base das decisões de adiamento das quais decorra que, expirado o prazo legal para o reexame, o arguido se mantém preso no segundo seguinte

Paulo Pedroso sobre a prisão preventiva:
«a sensação que tenho é de que é aplicada em Portugal
com um efeito objetivo de destruição de credibilidade»

Paulo Pedroso dá hoje uma entrevista ao Diário de Notícias. Eis três passagens da entrevista:
    «A encenação mediática é extremamente negativa para a justiça, em geral, e para a possibilidade de justiça a José Sócrates. Todas as situações são diferentes, mas também devo dizer que há um tipo de relacionamento entre a administração da justiça - em particular nas fases de inquérito - e a comunicação social que é perverso, é mau para a justiça e tem-se repetido ao longo de muitos casos. Não falo só do meu caso - é um padrão que existe ao longo de muitos casos e sobre o qual a justiça não tem querido ou sido capaz de refletir. A encenação mediática da detenção de José Sócrates é algo que é muito difícil de imaginar que tenha acontecido por acidente

    «Se eu fosse jornalista e tivesse a informação de que um ex-primeiro-ministro iria ser detido, claramente que me mobilizava para isso. O problema não é esse. O que está em causa aqui é o seguinte: claramente, com um modus operandi que desconheço, existe um padrão de relação entre a administração da justiça e a comunicação social, que tem décadas, que não está a mudar e que funciona em prejuízo da qualidade da justiça, do prestígio da democracia e das instituições

    «Não quero ficar nas palavras vagas. Há um caso concreto que precisa de ser refletido: a prisão preventiva não é um pré-julgamento, não é uma pré-punição nem sequer depende da força dos indícios. É um juízo sobre a possibilidade de ocorrerem certos factos concretos. A sensação que tenho é de que é aplicada em Portugal com um efeito objetivo de destruição de credibilidade, o que para uma profissão que depende da credibilidade é punitivo. Além disso, e falo exclusivamente como cidadão, tenho muito dificuldade em imaginar como é que um cidadão que é detido no aeroporto quando chega a Portugal é preso preventivamente por perigo de fuga. Abstraindo do caso concreto: há dados mais do que suficientes para refletirmos sobre a aplicação da prisão preventiva e sobre se a cultura judiciária está a evoluir num sentido de acordo com o espírito da lei. E sobre que mecanismos possam existir para garantir que assim seja. O poder político não pode deixar-se levar pelos casos nem criar a ideia, particularmente patética, de ter por um exemplo um ministro da justiça a inibir-se de comentar leis. A origem de tudo isto são atos legais. O Parlamento não pode inibir-se... os políticos ficaram inibidos de comentar a justiça por parecer que estão a entrar numa luta de poderes - não, não é assim. O normal em democracia é que cada um dos poderes atue, dentro da sua esfera, para melhorar o sistema. No caso da justiça, há uma função do poder político que eu tenho muitas dúvidas que esteja a ser cumprida com eficácia.»

terça-feira, março 03, 2015

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a prisão preventiva

• Alberto Pinto Nogueira, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a prisão preventiva:
    «(…) A prisão preventiva é outro instrumento do processo penal que olho de soslaio. É uma medida excepcional. Deve ser substituída por outra menos gravosa sempre que o processo já não a exige.

    (…)

    Uma auditoria revelaria situações significativas. Com esforço, descortinamos os “fortes indícios” da prática de um crime grave nos fundamentos dos despachos que a decretam. Despachos baseados em factos concretos ou em abstracções que repetem as disposições legais. Demonstração precisa e factual de perigo concreto de fuga, de continuação da actividade criminosa, de perturbação da investigação. Ou mera afirmação palavrosa desses princípios legais. Também revelaria como se encarou a prisão preventiva. Medida coactiva excepcional a aplicar em última instância. Ou o princípio constitucional da presunção de inocência já está a ser beliscado.

    (…)

    Quando estão em causa pessoas com relevância política ou social, a coisa é buliçosa. Vira espectáculo. Os jornais informam e julgam. Sentenciam culpas e inocências, com a mesma singeleza. Saciam a nossa ignorância.

    Nesta página, decretam que o arguido vai estar preso pelo menos mais dez dias. Na seguinte, vai estar preso mais três meses. Graças a “fonte ligada ao processo”! É a narração do facto antes do facto.

    Decretam a inutilidade de um recurso sobre a prisão preventiva. No reexame do despacho anterior em recurso, o juiz de instrução atenderá a novos factos. O Código de Processo Penal diz que não, que a revisão dos pressupostos não inutiliza o recurso. Mas os juízes da Relação podem entender o contrário. Teorizam contra a lei. Está bem. O jornal quer o homem preso preventivamente.

    O rigor exigiria reflexão. O recurso no Tribunal da Relação deve ser decidido no prazo legal de 30 dias, desde que o processo aí chegou. Prazo “ordenador”, dizem os juristas. A lei diz 30. Podem ser 60 ou 90. Causa perplexidade. A lei diz uma coisa, o aplicador diz e faz outra. Não a cumpre. Sem consequências.

    O prazo da lei é “ordenador ”. Orienta intervenientes processuais, magistrados e advogados! Trinta não é 30! É assim-assim, conforme a gente quer. Podem decidir muito depois do prazo da lei. O prazo não é obrigatório: “o que se não faz num dia, faz-se no outro dia”. Aritmética não é aritmética. É conveniência.

    Não é assim quando se trata de prisão preventiva. De liberdade. O prazo não é “ordenador”. É para cumprir. A Constituição da República e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem o determinam. Trinta são 30 e não outra coisa. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem está cansado de o dizer. Só o percebemos quando condena o Estado português. A Constituição da República e a Convenção Europeia deveriam sustentar a interpretação da lei comum! Estão acima na hierarquia das leis. Muito acima do Código de Processo Penal.

    O preso/recorrente que espere. Preso. Trinta dias, mais 30, ou mais 30. O prazo de decisão é incerto. Está na lei para estar. Não para cumprir. A liberdade do preso é uma coisa do Estado!»

domingo, março 01, 2015

O dever da dúvida

• Fernanda Palma, O dever da dúvida:
    «Há, no processo de José Sócrates, uma dúvida insuperável. Tal dúvida antecede a que se refere à verdade dos factos e tem a ver com o modo como se fundamenta a prisão preventiva. Se a relação entre factos e juízos de valor é essencial, não é visível para os juristas, e menos ainda para os leigos, uma fundamentação que documente em factos objetivos e consensuais o perigo de fuga ou de perturbação do inquérito.

    Na verdade, está apenas em causa um juízo de perigo, que incide sobre uma mera probabilidade (embora elevada). Mas em que se fundamenta essa probabilidade? Em circunstâncias objetivas conhecidas ou em simples apreciações da personalidade do arguido? Há comportamentos que demonstrem um objetivo de fuga ou uma probabilidade real de o arguido destruir provas ou interferir com testemunhas fora da prisão?

    Para além das dúvidas acerca do juízo e sobre a lógica da decisão (segue um modelo conhecido?), a prisão preventiva não se pode fundamentar na revolta do arguido, no contexto político que o envolve ou na sua posição moral perante o processo. Estas questões não são postas entre parênteses com o argumento de que há um dever de confiança nos tribunais, com um discurso de oráculo ou com fugas de informação.

    A confiança na justiça só pode ser alimentada pela comunicação pública, transparente, refletida e fundamentada de decisões sobre direitos fundamentais. Se não se tem conseguido explicar com exatidão e clareza duas ou três razões sólidas, factuais e lógicas (e não meras conclusões) que justificam a manutenção da prisão preventiva, o dever para com a justiça passa a ser não o de confiança mas sim o de dúvida.

    A dúvida não tem nada a ver com gostos pessoais nem se coloca no mesmo plano da dúvida sobre o significado do que Sócrates terá feito. Esta dúvida sobre a necessidade da prisão preventiva é prévia. Com efeito, a solução justa de um caso pressupõe a verdade dos factos, mas essa verdade pressupõe que quem os define se sujeite a regras de autocontrolo e de justificação sobre as quais não possa haver dúvida

quarta-feira, janeiro 21, 2015

«Canalhice, pura e simples»

Miguel Sousa Tavares na última edição do Expresso:

domingo, dezembro 28, 2014

«A liberdade individual é um assunto público que a todos diz respeito,
por ser a base de um Estado que reconhece
a essencial dignidade da pessoa humana»


• Fernanda Palma (professora catedrática de Direito Penal), Cultura carcerária:
    «Está a tomar-se consciência de que vivemos numa cultura que vê na prisão a solução de todos os problemas individuais, sociais e políticos. A ideia de que reina a impunidade gera decisões difíceis de aceitar, como a prisão preventiva aplicada à avó de Alice (menina levada pelo pai ilicitamente para a Bélgica), que foi agora substituída por "prisão domiciliária".

    Perante as dúvidas que estes casos suscitam, é falacioso o argumento de que juristas ou leigos não devem fazer comentários por não conhecerem os processos. Uma vez que os processos não são públicos e estão sujeitos ao segredo de Justiça na maior parte das situações, valeria no nosso Direito uma regra de legitimação secreta da prisão preventiva.

    Ora, tal regra não tem sentido num Estado de direito democrático, porque a liberdade de qualquer pessoa não é assunto privado, nem se inscreve numa pura relação bilateral dessa pessoa com o Estado. A liberdade individual é um assunto público que a todos diz respeito, por ser a base de um Estado que reconhece a essencial dignidade da pessoa humana.

    De acordo com este princípio, consagrado no artigo 1º da Constituição, a tutela de direitos económicos e sociais não legitima restrições essenciais à liberdade. Todavia, perpassa pela nossa sociedade uma discussão constitucional a propósito do Direito Penal e há quem sustente que certos ideais de purificação ética justificam uma cultura punitiva.

    Esta discussão tem de ser assumida e legitimada. O que os intérpretes das leis não podem é reclamar a utilização de certos critérios e dar-lhes um conteúdo completamente diverso. É isso que parece suceder com a "perturbação do inquérito", que é pressuposto das medidas de coação e justifica, em casos extremos, a proibição de entrevistas públicas de arguidos.

    Terá cabimento, no caso da avó de Alice – já para não falar no caso de Sócrates –, entender que os contactos com a comunicação social podem comprometer a aquisição, a conservação ou a veracidade da prova? A personalidade do agente e a sua atitude perante o Direito, as leis e as instituições judiciárias serão o critério de uma previsível perturbação do inquérito?

    Em certos momentos, a falta de esperança coletiva abre espaço a uma visão autoritária e purificadora do Estado. Fórmulas inocentes da doutrina servem então de alçapões à cultura carcerária. E podemos ser confrontados com as infinitas acusações provisórias, absolvições temporárias e recursos nunca decididos de que nos deu conta Kafka no Processo