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segunda-feira, outubro 06, 2014

Lutámos?



      «Lutámos pela democracia antes e depois do 25 de abril.»

Já homem feito, Cavaco Silva teve um comportamento ignóbil na PIDE, ao intuir que a polícia política do Estado Novo poderia não ver com bons olhos que ele se relacionasse com o sogro, por este se ter casado de novo. Com efeito, numa ficha da PIDE que fora obrigado a entregar, Cavaco não hesitou em escrever, num espaço de preenchimento facultativo, que «não priva» com a segunda mulher do sogro, dando o nome completo da senhora.

Mais do que ter sossegado a PIDE, comunicando-lhe «não exercer qualquer actividade política» e considerar-se «integrado dentro [sic] do actual regime político», foi a atitude em relação ao sogro que revelou a têmpera, o carácter e a probidade de Cavaco Silva.

Mesmo depois do 25 de Abril, Cavaco Silva demonstrou em múltiplas situações que a sua adaptação ao regime democrático foi uma tarefa penosa, quando não mesmo inconseguida. Desde logo em relação à Constituição da República, que, enquanto Presidente da República, jurou cumprir e fazer cumprir. Num discurso proferido em 19 de Maio de 1990, o então primeiro-ministro sustentava que a Constituição submetia o país a uma «tutela colectivista imposta pelo golpe comunista e socialista do 11 de Março», que teria como propósito a «perpetuação de uma orientação marxista e socializante para a sociedade portuguesa» e que fora aprovada num processo que «não respeitou a dignidade de Portugal nem os nossos mais legítimos interesses» (artigo publicado no Jornal de Notícias, em 25.4.1994).

É este Cavaco Silva — que recusou atribuir a Salgueiro Maia uma pensão, mas que concordou com a atribuição de pensões a dois ex-inspectores da PIDE, um dos quais estivera envolvido nos disparos sobre a multidão concentrada à porta da sede daquela polícia política — que tem o desplante de se incluir entre os que lutaram pela democracia antes e depois do 25 de Abril?

domingo, abril 06, 2014

Resistir, lutar, talvez sonhar


    «Uma vez, eu estava presa em Caxias, ele em Peniche. O Domingos tinha escrito estas palavras: “Na minha frente, tenho a fotografia dela. A vida a seu lado era mais bela e mais fácil. Quero-lhe muito, muito, muito. Transmite-lhe beijos e a gratidão do meu amor profundo.” Não falava em nomes, nem meu, nem dele. Só por isto, não me deram a carta. No entanto, sabiam perfeitamente que éramos marido e mulher.»

    «Eu tive a menstruação. E não tinha com que me limpar. O Tinoco dizia: “Ele está muito preocupado que lhe venha a menstruação e não tenha pensos higiénicos.” Ele — o Domingos. Os espancamentos (e tive muitos), a gente aguenta. Os pontapés, os murros, o flash nos olhos. Agora, aquelas torturas morais... a mim doeram-me muito mais. Doeu-me terem-me despido à frente daquelas pessoas. Entraram todos, dez. Tentei esconder-me atrás de uma mesa, mas a pide Madalena empurrou-me para o meio da sala. Isto depois de me espancar: ‘Fala, sua puta. Não te rias’ Chora, tens de chorar’.” Queria obrigar-me a chorar!»
      Passagens da entrevista de Anabela Mota Ribeiro a Conceição Matos e Domingos Abrantes

domingo, dezembro 08, 2013

Dos pontapés de Cavaco na Constituição às causas das coisas


      “(…) e a posição de Portugal foi sempre clara do princípio ao fim: nós exigimos a libertação dos presos políticos, nós queremos o fim do apartheid, mas não queremos a luta armada (…).”

Chama um leitor a atenção, na caixa de comentários deste post, para o que estabelece a Constituição da República Portuguesa (artigo 7.º, n.º 3): “Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.” Depois, o leitor coloca a seguinte questão: para Cavaco Silva, “insurreição” seria o quê?

Se no entender de Cavaco Silva os povos não têm o direito à resistência armada para enfrentarem a opressão e a injustiça, então qual posição de Cavaco Silva em relação aos movimentos de libertação de Angola, de Moçambique e da Guiné? E em relação ao golpe militar do 25 de Abril feito pelo Movimento das Forças Armadas?

Aqui nasce o problema. O regime democrático ignora, para não se envergonhar, que teve dez anos como primeiro-ministro e, se calhar, outros tantos como Presidente da República alguém que, já homem feito, escreveu numa ficha da PIDE/DGS estar “integrado no actual regime” fascista e que não se coibiu, num espaço opcional de observações dessa ficha, de se demarcar do sogro pelo facto de este se ter casado segunda vez: “O sogro casou em segundas núpcias com Maria Mendes Vieira, com quem reside e com quem o declarante não priva.”

A História é indispensável para perceber a realidade que nos cerca.