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terça-feira, abril 14, 2015

Diz que é uma espécie de retoma


• Manuel Caldeira Cabral, Diz que é uma espécie de retoma:
    «(…) A retoma desejável e sustentada, teria de ser baseada, em primeiro lugar, na recuperação do investimento e na aceleração das exportações. Os números dos trimestres seguintes confirmaram a manutenção de crescimento, mas sem aceleração, e de um crescimento baseado na procura interna, mais do que no reforço do investimento e do crescimento das exportações.

    No último trimestre de 2014, o crescimento homólogo do PIB foi de 0,7%, metade do registado um ano antes. O investimento cresceu pouco mais de 2% face aos valores do ano anterior, o que contrasta com a queda de mais de 30% verificada com o ajustamento.

    As exportações apresentaram, em 2014, o pior crescimento dos últimos cinco anos. E nos primeiros dois meses do corrente ano cresceram ainda menos (cerca de 1% em termos homólogos).

    Todos estes dados sugerem que se mantém a retoma, mas esboçam um quadro de retoma lenta, pouco sólida, e pouco sustentável.

    (…)

    Isto é ainda mais estranho num momento em que a descida do preço do petróleo e as melhorias no quadro europeu, no crescimento e no financiamento, estão a dar um contributo positivo. Estranho porque, depois de uma contracção tão forte do PIB, do emprego, do investimento e dos salários, e de tantos sacrifícios e alegadas reformas, que deviam colocar o país a crescer com mais força, os dados apresentam uma retoma fraca e hesitante.

    A resposta do Governo tem sido apenas a de negar estes problemas, culpar os mensageiros que apresentam estes dados, e afirmar, contra a abundante evidência, que tudo está a correr bem no programa de ajustamento. Não está.

    Nos últimos quatro anos a economia portuguesa ficou mais pobre e mais fraca. Perdeu capital e perdeu força de trabalho, para a emigração e para a desmotivação. Desinvestiu na ciência, abandonou e minou a confiança dos seus cidadãos nas instituições públicas. Prometeram reduzir gorduras. Mas reduziram músculo e cérebro.

    Com um "stock" de capital mais baixo, menos trabalhadores, instituições de ciência e tecnologia asfixiadas, e menor confiança dos cidadãos e investidores nas instituições públicas e privadas, é hoje mais difícil conseguir criar a riqueza. Este foi talvez o maior erro da troika e de quem entusiasticamente quis ir mais longe do que esta. A destruição da capacidade de criar riqueza não reforça a solvabilidade de nenhum país.

    O maior problema do adiar de uma retoma mais forte é que, ao manter as mesmas condições, mantém o mesmo incentivo à saída de jovens, a mesma incerteza nos investidores, que significam que o país poderá continuar por mais alguns anos a perder "stock" de capital e trabalhadores, perdendo capacidade de produção, se não actuar urgentemente em alterar esta situação.»

segunda-feira, abril 06, 2015

«A destruição que se limitou a ser destrutiva»


• João Galamba, Competitividade e desenvolvimento:
    «Depois de divulgar dados que mostram que o investimento recuou a valores pré-adesão à CEE, o INE informa que o desemprego está a aumentar há 5 meses, tendo já ultrapassado os 14%, e que a população empregada, em fevereiro de 2015, foi estimada em 4399,9 mil pessoas, um pouco menos do que em 1987.

    Desde que o actual Governo entrou em funções há menos 420 mil empregos em Portugal. Só em 2012 foram destruídos cerca de 190 mil empregos, mais do que os 150 mil verificados em 2009, o auge da crise financeira internacional.

    Se a opção de ir para além da Troika teve resultados ruinosos no crescimento, no investimento, no emprego, transformando uma recessão que se previa pouco intensa e muito curta numa gravíssima crise económica e social, a agenda alegadamente reformista do governo não parece ter criado qualquer tipo de dinâmica positiva na economia portuguesa.

    Para além da destruição, que foi muito maior do que o previsto, tardam em chegar quaisquer tipos de sinais de recuperação, muito menos sinais de uma recuperação sustentável. Tudo leva a crer que a destruição se limitou a ser destrutiva.

    Baixar salários, tornar o emprego mais precário e reduzir a taxa de IRC - que são as grandes apostas do actual governo em matéria de competitividade - podem tornar o país mais barato e, por essa via, mais competitivo para certo tipo de investidores, mas não são apostas sustentáveis, porque não apostam no desenvolvimento e na modernização do país.

    Portugal tem atrasos estruturais em matéria de qualificações da sua população e em matéria de stock de capital e de inovação. Porém, uma estrutura produtiva atrasada não se transforma liberalizando as relações laborais e tornando o país mais barato para investidores; aliás, o efeito dessa aposta estratégica, que é a do actual Governo, pode mesmo bloquear qualquer tipo de transformação estrutural, cristalizando o país no seu actual modelo de especialização produtiva.

    O país precisa de investir nas qualificações da sua população jovem e adulta; precisa de investir em ciência e em inovação; precisa de combater a pobreza e a desigualdade; precisa de dignificar o trabalho. O país precisa de políticas públicas que contribuam positivamente para o esforço de superação dos seus principais bloqueios estruturais; não precisa de uma cartilha liberal segundo a qual todos os problemas se resolvem desregulando, privatizando e deixando o mercado funcionar.

    Olhemos para a experiência de sectores que, tendo passado por dificuldades, são hoje casos de sucesso, como o calçado, o têxtil ou a agricultura. A transformação destes sectores envolveu recursos públicos e privados e teve como objectivo aumentar o valor acrescentado nacional. Não foram projectos sacrificiais e miserabilistas, foram projectos de investimento e modernização, foram apostas no futuro - o oposto daquilo que o Governo, todos os dias, e de todas as formas, garante ser a única alternativa para o país

segunda-feira, fevereiro 02, 2015

Também somos a Grécia

• João Galamba, Também somos a Grécia:
    «(…) O ano de 2013 foi o ano em que o Tribunal de Constitucional travou parte da austeridade desejada por este governo. Aconteceu o mesmo em 2014 e em 2015. Já sabemos que isso ajudou a economia a estabilizar e a sair da recessão. Mas tudo indica que não tenha sido suficiente para pôr termo à crise social criada pelas políticas deste governo. Os cortes no Rendimento Social de Inserção, os cortes no Complemento Solidário para Idosos, e os cortes no Abono de família são uma constante ao longo de todo o mandato e têm um impacto muito significativo na pobreza em Portugal. Todos os anos o Partido Socialista propôs medidas para atenuar a crise social. Neste último orçamento, por exemplo, propusemos aumentar o abono de família e o subsídio social de desemprego. Estas propostas custavam menos de metade da redução da taxa de IRC. O governo, como já o havia feito no passado, chumbou todas as propostas.

    A ideia de que o retrocesso social tinha poderes salvíficos e regeneradores foi aplicada na Grécia, foi aplicada em Portugal, foi aplicada em Espanha, foi aplicada na Irlanda, foi aplicada em Itália, e tem sido aplicada um pouco por toda a Europa. Em maior ou menor grau, é por isso que somos todos a Grécia. É natural que o Primeiro-Ministro se não reconheça este facto. Fazê-lo seria equivalente a reconhecer a sua própria responsabilidade pela existência e pela manutenção da crise social (económica e política) que afeta uma parte significativa da Europa e da qual a Grécia é apenas um caso extremo.»

quarta-feira, dezembro 31, 2014

Ousar governar

• Hugo Mendes, Ousar governar:
    «(…) O actual governo nunca compreendeu isto e encarou a chegada da (desejada) ‘troika' como a oportunidade para regenerar o país moral e economicamente. A estratégia saiu furada: na frente orçamental foi pulverizada pelo choque com a realidade em 2012, e com a Constituição em 2013-14; na frente económica, resultou na destruição líquida de 350 mil empregos e no colapso de investimento. Mesmo a ténue retoma de 2014 não valida a sua estratégia: não só as exportações abrandaram fortemente, como a recuperação, toda ela assente no consumo, foi patrocinada pela reposição de salários e pensões a que o Tribunal Constitucional obrigou. (…)»

domingo, dezembro 21, 2014

O idiota da aldeia


    «(…) esta desvalorização interna aumenta o peso da dívida dos Estados que praticam tal medicina. O que é absolutamente óbvio num exemplo inspirado em Tepper (2012): se um Estado tem um PIB de 100 e uma dívida de 100, o seu rácio de dívida é elevado, 100%; mas se, através de medidas recessivas, reduzir o seu PIB para 50, o seu rácio de dívida aumenta para 200% e só o idiota da aldeia pode propor esta estratégia para resolver o problema.»
      Francisco Louçã e João Ferreira do Amaral, A Solução Novo Escudo (p. 12)

domingo, outubro 12, 2014

“Se os tanques Boxers se mantêm de pé
é graças à laca da ministra da Defesa”


• Teresa de Sousa, Baralhar e dar de novo:
    « (…) Na sexta-feira, a ortodoxa Finlândia (o país que mais deu dores de cabeça a Bruxelas em matéria de contribuição para os resgates) viu o seu “triplo A” ser reduzido para um “duplo A” pela Standard & Poor’s. Já só restam a Alemanha e o Luxemburgo. Vale a pena lembrar o que disse em 2011 o actual primeiro-ministro finlandês, Alexander Stubb, agora às voltas com uma inevitável recessão, citado pela Reuters: “Os princípios darwinistas devem aplicar-se à zona euro e as economias mais fortes devem ter a decisão final sobre a maneira de dirigi-la”. Agora lembra que a crise na Ucrânia e o abrandamento da economia russa trocaram as voltas à economia finlandesa. (…)

    2. Vale, aliás, a pena começar pela Alemanha, que esta semana andou nas bocas do mundo por duas razões mais ou menos inesperadas. A primeira, quase hilariante pelos seus contornos, foi o estado das suas Forças Armadas. A questão foi debatida no Bundestag a partir de um relatório a que os jornais tiveram acesso, que as descreve como um desastre. Meia dúzia de exemplos: só um dos seus quatro submarinos funciona; só 70 dos seus 180 tanques Boxer estão em condições operacionais; apenas sete da sua frota de 43 helicópteros da Marinha podem voar, etc. É irresistível reproduzir um título de um jornal alemão, citado pela Reuters: “Se os tanques Boxers se mantêm de pé é graças à laca da ministra da Defesa”. Úrsula von der Leyen é criticada por gostar mais de se deixar fotografar do que de tratar da Bundeswehr. Médica e mãe de sete filhos, quer ser a sucessora de Angela Merkel na CDU. Judy Dempsey, do Carnegie Europe, recordava há dias que a Alemanha está a ter dificuldades para trazer os seis soldados no Afeganistão de volta a casa porque os aviões estão avariados. Dos 56 há apenas 24 operacionais. A analista também lembra que a Alemanha viu-se obrigada informar a NATO de que não consegue arranjar os aviões pedidos para patrulhar a fronteira dos Bálticos. Os exemplos são infindáveis. Para um país a quem toda a gente pede que assuma maiores responsabilidades internacionais, não é o que se estava à espera. A redução do orçamento da Defesa para 1,3 % do PIB pode ser uma explicação. A falta de prioridades é outra. Talvez valesse a pena explicar aos alemães que as despesas com a defesa têm de aumentar num mundo cada vez mais caótico, incluindo à volta das fronteiras da Europa.

    A segunda questão que irrompeu no debate alemão tem a ver com a economia. Marcel Fratzscher, director do DIW (Instituto Alemão para a Investigação Económica), conselheiro habitual do Governo, acaba de publicar um livro sobre “A Ilusão Alemã”, que aponta para as fragilidades de uma economia que se apresenta como o modelo a seguir. As infra-estruturas de transportes estão envelhecidas e ninguém as repara. O desemprego baixo deve-se aos “mini-jobs” mal pagos e em part-time. O investimento caiu para 17 por cento e cada vez mais as grandes empresas preferem investir fora da Alemanha, por exemplo nos EUA. A produtividade cresceu muito pouco nos últimos anos (entre 2007 e 2002, 0,3%, para 0,5 na Dinamarca, 0,7 na Áustria, 0,9 no Japão ou 1,5 nos EUA e 3,2 na Coreia). Os salários continuam a perder valor real. Só exportar, exportar, exportar torna a economia alemã particularmente vulnerável a cada desaceleração da economia europeia e mundial. O director do DIW lembra que a Alemanha está em condições de se financiar a custos baixíssimos e era o que devia fazer para estimular a economia. O último sinal de alarme foi a queda inesperada das encomendas à indústria de 5,7% no segundo trimestre. Como escreve o Telegraph, “a Alemanha apenas parece saudável porque as outras economias europeias estão moribundas.” (…)»

Os zombies da austeridade da Europa

Já tinha feito referência aqui a um artigo recente de Joseph Stiglitz, Europe’s Austerity Disaster. É reproduzido na edição de ontem do Expresso, com o título «OS ZOMBIES DA AUSTERIDADE DA EUROPA». Ei-lo:

quarta-feira, agosto 20, 2014

Da série "Frases que impõem respeito" [863]


Todos achavam que a austeridade era a solução e agora a Europa está a pagar o preço da austeridade.
      Joseph Stiglitz, que lembra que «o crescimento marginal e o enorme desemprego em vários países da Europa» provam que as medidas adoptadas «não estão a funcionar» e que a estratégia da Europa devia mudar radicalmente, sob pena de se regressar a uma nova recessão

sexta-feira, maio 16, 2014

Pés de barro

• Pedro Silva Pereira, Pés de barro:
    «Os dados divulgados esta semana pelo INE provam que o apregoado "sucesso do ajustamento" não passa afinal de uma perigosa fantasia: a economia portuguesa entrou de novo numa trajectória de recessão, caindo 0,7% no 1º trimestre deste ano face ao trimestre anterior. Resumindo: a propaganda governamental foi atropelada pela realidade e teve morte imediata.

    O recuo da economia portuguesa no primeiro trimestre deste ano é decepcionante e ainda mais por ocorrer em contraciclo, já que neste mesmo trimestre a economia da União Europeia apresentou, em termos médios, um crescimento de 0,3%. O pior, todavia, é que a explicação do INE para este mau resultado da economia portuguesa desmente toda a narrativa em que o Governo pretendia fazer assentar a sua fantástica teoria do "milagre económico". De facto, feitas as contas, o que o INE diz, preto no branco, é que "A procura externa líquida apresentou um contributo negativo expressivo (...), devido principalmente ao abrandamento das Exportações de Bens e Serviços, tendo as importações de Bens e Serviços acelerado".

    Perante isto, duas conclusões se impõem e ambas desautorizam a propaganda governamental. Em primeiro lugar, o abrandamento significativo das exportações (fortemente determinado, como é sabido, pela diminuição conjuntural do contributo da produção da refinaria da GALP em Sines, um projecto lançado e apoiado ainda durante os governos socialistas) prova que, ao contrário do que diz o Governo, não ocorreu nestes últimos três anos nenhuma modificação estrutural da economia portuguesa que permita sustentar duradouramente o crescimento das exportações. Em segundo lugar, bastou a coincidência de um abrandamento conjuntural das exportações com um ligeiro crescimento da procura interna para reduzir a pó a propalada jóia da coroa do programa de ajustamento - o equilíbrio na balança com o exterior - e dar lugar a um "contributo negativo expressivo" da procura externa líquida.

    Trajectória recessiva, abrandamento das exportações, procura externa líquida negativa - todos estes dados gritam a mesma coisa: o sucesso de que fala o Governo está em rota de colisão frontal com a realidade da vida da economia, com a realidade da vida das empresas e com a realidade da vida das famílias e das pessoas. É, aliás, nesse mundo real que, segundo dados revelados também esta semana pelo INE, os portugueses, contra tudo o que lhes foi prometido, tiveram de suportar em 2013 um aumento brutal da receita do IRS de 34,3% (!) contribuindo assim para o recorde absoluto da carga fiscal em Portugal, que atingiu os 34,9% do PIB.

    É por essas e por outras que se tornam absolutamente grotescas tantas celebrações festivas e todo este frenesim que para aí vai de conselhos de ministros extraordinários. Não creio que nada disso possa sobrepor-se ao conhecimento que os portugueses têm da situação do seu país e à consciência do que será o seu futuro se nada mudar. Eles sabem, melhor do que ninguém, que o sucesso de que fala a propaganda do Governo tem pés de barro.»

terça-feira, abril 08, 2014

Ter companhia para “ir além da troika”?


Manuel Caldeira Cabral faz, no Jornal de Negócios, um breve balanço da estada da troika, resumindo-a assim: «Portugal financeiramente não está melhor, economicamente ficou mais fraco e socialmente está mais dividido.»

Vale a pena ler o artigo, porque Caldeira Cabral não deixa de tocar em alguns aspectos essenciais:
    • A estratégia de frontloading, indo para além do memorando, provocou um aprofundamento significativo da austeridade, com um impacto importante no agravar da recessão, que acabou por condicionar muito os avanços em termos de diminuição do défice;
    • A troika aplaudiu a estratégia do Governo de Passos & Portas, mesmo quando os estudos das instituições que a integram explicavam porque é que esta estava a dar maus resultados;
    • A dívida cresceu o dobro do previsto, o défice diminuiu menos de metade do acordado e o desemprego explodiu;
    • O equilíbrio das contas externas não é sustentável;
    • As privatizações traduziram-se na entrega a monopólios privados de sectores críticos da economia portuguesa (e respectivas rendas).

Face ao exposto, Caldeira Cabral conclui: «Em 2011, a crise política [ou seja, o chumbo do PEC IV] fez o rating da dívida Portuguesa cair a pique (de Março a Junho caiu 3 a 4 níveis). A entrada da troika e da maioria foram recebidas com o murro no estômago da descida de mais 2 a 4 níveis, colocando-nos em lixo. Três anos depois a classificação de lixo mantêm-se. A troika não contribuiu para dar confiança às agências de rating.

No entanto, o artigo de Caldeira Cabral peca por omitir os efeitos políticos e sociais da estratégia de «ir além da troika», que se traduziram numa brutal alteração da relação de forças na sociedade portuguesa. E esta omissão é tanto mais surpreendente quanto Caldeira Cabral aplaude as duas reformas feitas pelo Governo: «Salvam-se as reformas no mercado de trabalho e no mercado de arrendamento, mesmo se esta última, já aprovada pelo anterior parlamento¹, tenha sido atrasada um ano e meio, pela transição entre Governos.» Que aspectos positivos terá Caldeira Cabral encontrado nestas duas reformas?

_______
¹ Julgo que a reforma do mercado de arrendamento de Assunção Cristas não tem nada a ver com a anterior, a não ser na designação.

terça-feira, abril 01, 2014

É mais fácil enganar as pessoas
do que convencê-las de que foram enganadas

• Manuel Pinho, O maior inimigo da verdade:
    «(…) No que respeita à economia, todos sabemos que o maior inimigo da verdade não é a mentira, são os mitos com base nos quais se cria um diagnóstico errado da situação, o que naturalmente conduz a um tratamento errado. Todos conhecemos o discurso de que a zona euro serve da mesma forma os interesses de todos os participantes e estava a funcionar muito bem até à crise provocada pela Grécia, que a recessão é o melhor remédio para baixar a dívida pública nos países atingidos pela crise, que em Portugal se trabalha pouco e o Estado gasta muito e que a solução consiste em cortar as despesas sociais "insustentáveis" e fazer reformas estruturais.

    1- O euro serve da mesma forma todos os países que a ele aderiram. Não, da mesma forma que no passado o padrão dólar deu um privilégio exorbitante aos Estados Unidos, o euro serve, acima de tudo, os interesses da Alemanha porque lhe assegura uma taxa de câmbio hiperdesvalorizada, cujo resultado é um excedente da balança de pagamentos superior ao da China.


    2 - A recessão é o melhor remédio para baixar a dívida pública. Não, a figura mostra que a dívida pública aumentou em 26 p.p. na zona euro e 33 p.p. nos Estados Unidos. Nos países do euro em crise, o aumento foi superior: 79 p.p. na Irlanda, 63 na Grécia, 54 em Espanha e 56 p.p. em Portugal.


    3 - Trabalha-se menos nos países do sul da Europa. Não, os trabalhadores portugueses não são preguiçosos uma vez que trabalham, em média, 20% mais horas/ano do que os alemães, os holandeses e os franceses.


    4 - A raiz dos problemas é o peso excessivo da despesa pública. Não é, nem foi.

    Primeiro, se olharmos para os valores dos últimos 60 anos verifica-se que a despesa pública foi, de uma forma geral, menor do que na Alemanha, na França e na Suécia, por exemplo. Segundo, os valores de 2013 mostram que em Portugal o peso da despesa pública está na média da UE e da zona euro, sendo semelhante à da Holanda e da Áustria, mas muito inferior à da Bélgica, Finlândia e França.


    5 - Vivemos num país onde existem poucas desigualdades, o que justifica plenamente o ataque cerrado ao Estado social. Não, Portugal é um país relativamente pobre e com uma enorme desigualdade na distribuição de rendimentos, tal como medida pelo coeficiente de Gini, por exemplo. Em 2005-2010, os indicadores de desigualdade estavam a evoluir no bom sentido, porém, estão a piorar desde então. É preciso muita imaginação para atribuir as culpas da crise aos benefícios sociais das viúvas, pensionistas e polícias e aos salários excessivos pagos aos funcionários públicos e militares.


    6 - A solução mágica passa por reformas estruturais. Só faltava mesmo a OCDE vir agora dizer no seu Relatório sobre Reformas Económicas, 2014 que de acordo com o indicador PRM (product market regulation) Portugal está no top 10 mundial dos países em que há menos barreiras à concorrência, estando mais bem colocado do que, por exemplo, o Canadá, o Luxemburgo, a Espanha, a França e a Suécia). Em termos de barreiras ao empreendedorismo, está em 7.º lugar, à frente da Alemanha e do Reino Unido e tem o 4.º mercado da energia menos regulamentado na OCDE, sendo apenas ultrapassado pelo Reino Unido, pela Espanha e pela Alemanha!


    O PIB em 2013 está ao mesmo nível do de 2001. Por definição, o crescimento do PIB é igual à soma do crescimento da produtividade (produto por trabalhador) e do crescimento do número de trabalhadores. O nível de vida em Portugal é baixo porque, como mostra a figura abaixo, a produtividade do trabalho é perto de metade do registado na Holanda, Alemanha, Bélgica e França e o crescimento da economia é baixo porque a produtividade tem crescido muito aquém do necessário. É uma questão de aritmética, não é de teoria económica.

    Porque é que a produtividade é tão baixa? Também sobre a produtividade há muitas opiniões com base em mitos. Como disse Mark Twain, é mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas. Enterremos os mitos, melhorar a produtividade tem de ser o tema central de qualquer discussão séria sobre a economia.»

quarta-feira, março 19, 2014

"Ir além da troika"

• Maria de Lurdes Rodrigues, Avaliar o presente para construir o futuro:
    «(…) Procura-se assim contribuir para o conhecimento e, consequentemente, para o debate sobre as políticas públicas a adoptar no novo ciclo político, pós Troika. Vejamos algumas das conclusões a que foi já possível chegar.

    1. No que respeita às políticas para a sustentabilidade das finanças públicas, foi elevado o grau de incumprimento do programa, das suas metas e objectivos. A declaração de inconstitucionalidade de algumas das medidas anunciadas (que não estavam previstas no memorando inicial), por um lado, e o facto de o programa de ajustamento orçamental efetivamente concretizado ter tido um efeito recessivo na economia muito superior ao inicialmente previsto, por outro, geraram, desde o início do programa, sérias dificuldades de cumprimento das metas. A ocorrência de quebras acentuadas, em simultâneo, na procura interna, no crédito para financiamento da economia e no investimento público tiveram como consequência elevados níveis de recessão que, por sua vez, geraram desemprego e quebra de receitas, o que impediu o cumprimento das metas do PIB, do défice e da dívida, numa dinâmica de círculo vicioso.

    2. No que respeita às políticas para a estabilização do sistema financeiro, foram cumpridas as medidas de política e alcançados os objectivos. Todavia, o efeito recessivo da política orçamental fez aumentar o crédito mal parado, dificultando o cumprimento, pelas instituições bancárias, da sua missão de financiamento da economia.

    3. No que respeita às políticas para a competitividade e reformas estruturais, regista-se uma diversidade de situações. (…) Já quanto à regulação do mercado de trabalho, foram abandonados vários dos objectivos inicialmente previstos e centrada a intervenção na alteração do equilíbrio de poderes nas relações de trabalho e nos níveis de proteção do trabalho. (…)»

quinta-feira, março 13, 2014

Estará ele na posse de todas as suas faculdades?

O ambiente foi concebido para os delírios mais inimagináveis: Passos Coelho à compita com o nosso bem conhecido Poul Thomsen. Sem papel para deletrear, o alegado primeiro-ministro confirmou o que dele se sabe (e Teofrasto antecipou): «Um orador sem critério é como um cavalo sem freio.»

Com efeito, estando o país a confrontar-se com o mais alargado período de recessão de que há memória, que coincide com os três anos de vigência do seu governo, Passos Coelho não foi módico nas palavras: «Estamos a mostrar um nível de crescimento que não temos há mais de 12 anos.» Ninguém prepara o alegado primeiro-ministro antes de o soltarem? Uma pequena cábula que cabe num bolso do casaco?

PS — Com aquele seu jeito muito próprio, Passos Coelho não excluía há um ano a possibilidade de uma espiral recessiva (travada pelo chumbos dos cortes pelo Tribunal Constitucional): «Ninguém pode afastar a hipótese de uma espiral recessiva». Mas neste comício dos austeritários organizado pelo Jornal de Negócios e pela RR, o alegado primeiro-ministro, referindo-se aos signatários do manifesto, disse: «são os mesmos que falavam na espiral recessiva. E quanto a isso estamos conversados». Esta deselegância atinge também Cavaco Silva, que mais uma vez comeu e calou.

sexta-feira, fevereiro 21, 2014

O tiro no porta-aviões

      «Exportações são o porta-aviões da recuperação do país»

• Pedro Silva Pereira, O tiro no porta-aviões:
    «Ainda se viam no ar os foguetes coloridos do Governo para comemorar o apregoado sucesso do "ajustamento estrutural" da economia portuguesa e já o FMI estragava a festa reconhecendo no Relatório da 10ª avaliação que esse ajustamento não passa de uma ilusão. Apanhado em falso, o Governo não gostou e discordou. Mas qual deles, Governo ou FMI, está em campanha eleitoral?

    As palavras do FMI são absolutamente claras e dizem que o tão falado ajustamento externo, expresso na balança de mercadorias, tem sido conseguido, em larga medida, devido ao efeito conjugado da queda das importações - por força do empobrecimento - e do crescimento das exportações de combustíveis. E com isso deixa, sobretudo, um aviso: os ganhos conseguidos podem ficar em causa "assim que as importações recuperarem de níveis anormalmente baixos e as unidades de refinação eventualmente esgotem a sua capacidade extra", sendo que a melhoria registada na exportação de serviços, designadamente no turismo, é também muito vulnerável a choques na procura.

    O que tudo isto significa é muito simples para quem o queira entender: os resultados obtidos no ajustamento externo - o tão falado porta-aviões das exportações - não traduzem uma reforma estrutural da economia mas sim o efeito da queda brutal da procura interna, do contexto favorável no sector do turismo e, sobretudo, da entrada em funcionamento de um projecto lançado ainda no tempo do Governo socialista: a refinaria da Galp, em Sines.

    Os números, aliás, são absolutamente claros: os combustíveis explicam quase 60% do aumento das exportações de mercadorias. E se excluirmos os combustíveis das exportações e das importações, a balança comercial de mercadorias seria afinal negativa e não positiva.

    Houve - ninguém o nega - uma resposta positiva das empresas portuguesas que reforçaram em vários sectores a sua aposta nos bens transaccionáveis. Isso é um facto. Como é também um facto positivo que a economia portuguesa dê finalmente sinais de recuperação, beneficiando de uma conjuntura externa menos desfavorável e tirando partido dos travões à política de austeridade impostos pelo Tribunal Constitucional. Ao contrário do que se pretende fazer crer, o Mundo não se divide entre os que se alegram com os bons resultados e os que se zangam com eles. Nem entre os que reconhecem o esforço dos portugueses e os que o menosprezam. Essa dicotomia primária é falsa e apenas serve para alimentar despiques parlamentares e políticos vazios de conteúdo e de sentido.

    O que está em causa é outra coisa: é saber se o País aproveita esta oportunidade para convergir numa leitura realista da situação da economia portuguesa. Que reconheça os problemas e não que os disfarce. Que crie condições para novas respostas políticas e não que insista no erro desta política que assenta numa nota só: austeridade.

    Nem adianta fingir: uma economia que sofreu três anos consecutivos de recessão, viu o desemprego disparar para 16% e regista uma dívida pública que galgou em três anos dos 94% para os 130% do PIB não está nem pode estar melhor do que estava. Não se insista, pois, na ilusão de um sucesso que ninguém vê e numa transformação estrutural da economia em que ninguém acredita. Faz mal o Governo em rejeitar o diagnóstico e faz pior em abusar da receita. Porque a fantasia já não engana ninguém. O Carnaval pode estar à porta mas a máscara já caiu.»

terça-feira, fevereiro 18, 2014

Achegas para as eleições europeias

Engelbert Stockhammer, economista austríaco, é investigador em Economia Política na Universidade de Massachusetts e professor na Universidade de Kingston, em Londres. Dá uma entrevista ao Público, que vale a pena ler. Eis alguns excertos:

    ‘Os países em crise deveriam juntar-se e começar por dizer: “Bom, há algo de errado em toda a política estrutural, que está a estrangular-nos, numa situação de desemprego elevado e empobrecimento real da nossa população”. Sim, estes países têm de propor alternativas. O Governo de um país como Portugal deve fazer propostas a nível europeu e ter como ambição criar uma maior cooperação entre os países do Sul. Por outro lado, as regras do Six Pack têm cláusulas de excepção para circunstâncias especiais. (…)’

    ‘(...) Os pacotes de austeridade não estão a resultar: o crescimento económico ainda não trouxe a retoma, os níveis de rendimento nacional estão mais baixos do que antes da crise e, ao mesmo tempo, a dívida pública aumentou de forma exorbitante. A austeridade não ajudou a reduzir a dívida, antes pelo contrário. A austeridade falhou o seu objectivo, é preciso mudar de estratégia, mesmo admitindo que no imediato será difícil. Afirmar que não há alternativa é falacioso. A estratégia claramente não tem tido em conta as necessidades das pessoas. E claramente há alternativas. Se compararmos a performance nos EUA, é melhor há muito tempo, porque foram muito menos restritivos em termos de política orçamental.’

    Os salários, mesmo em períodos de recessão, devem crescer normalmente em função da inflação e da evolução da produtividade. Perante uma recessão e um nível de desemprego elevado, não se podem cortar salários nominais, é só uma questão de tempo até o consumo começar a cair, até o investimento começar a cair e assim sucessivamente. O ganho que há nas exportações não consegue compensar a queda efectiva da procura interna. Não deve haver um crescimento dos salários de 20% – o crescimento deve ser moderado, mas tem de existir. A Europa precisa de coordenação das políticas salariais, porque o sistema actual só promove a desigualdade. Seria bom que a Europa reconhecesse que o nível salarial europeu não só não é um fardo para a competitividade, como pode ter um papel positivo na estabilização da procura interna. Cortar salários e tentar exportar não é uma estratégia para se sair da crise.’

    ‘Os tratados são assinados entre os Estados-membros e, em princípio, podem ser reescritos. É um processo difícil, mas é uma questão de vontade política. O quadro actual é que não é viável economicamente. Diria até que os líderes assinaram um pacto suicida, fixando limites às dívidas e aos défices públicos. Implementados de forma estrita, conduzem a um desastre económico.’

terça-feira, fevereiro 04, 2014

Até tu, BCE?


    ECB policymakers have said that weak lending is mainly due to a lack of demand in the 18-nation euro zone, with firms unwilling to invest when the economic outlook remains cloudy.”