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sábado, setembro 19, 2015

Quem foi que não pediu a troika?

• Miguel Sousa Tavares, Quem foi que não pediu a troika? [hoje no Expresso]:
    «1. (…) Porém, o segundo Governo Sócrates apanhou em cheio com as consequências da crise das dívidas soberanas, desencadeada pelo estouro da economia de casino fomentada nos Estados Unidos. Foi Sócrates quem ouviu então, da boca de Merkel, que os tempos não estavam para cortes, mas sim para políticas de expansão que evitassem uma crise global, como a de 29. E foi ele que, logo a seguir, ouviu a orientação oposta: cortar, cortar, cortar, só o controlo do défice público interessava. Durante esses anos de inconsciência final, não me lembro de ter ouvido alguém - partidos, empresários, banqueiros, gente da cultura, das FA - que pregasse consistentemente o corte da despesa do Estado. Pelo contrário: se os governos de Sócrates fizeram auto-estradas e criaram uma imensa massa salarial no Estado, os governos de Cavaco haviam feito bem pior; se o Governo Sócrates sonhou com uma linha de TGV assumidamente condenada ao prejuízo, o Governo de Durão Barroso chegou a projectar seis (!). Alguém se lembra de ter ouvido o país ou os seus representantes pedirem menos hospitais, menos estradas, menos gastos com medicamentos, menos autarquias, menos institutos públicos? Julgo que todos nos lembramos do que aconteceu no estertor final do segundo Governo Sócrates. Ele tinha vindo de Bruxelas e de Berlim com o apoio da UE e de Merkel ao PEC 4. Ninguém pode saber se mais um PEC teria sido suficiente para evitar o pedido de assistência e a vinda da troika, como sucedeu em Espanha. Mas, no imediato, que o teria evitado, isso é incontestável. Mas o PEC 4 foi chumbado no Parlamento por uma coligação contranatura entre a direita e a extrema esquerda. O PSD votou contra porque sabia que isso significava a queda do Governo e a possibilidade de voltar ao poder - o que de há muito constitui o único substracto ideológico do partido; o CDS votou contra porque Portas sentiu que tinha uma oportunidade rara de, através de eleições, arrumar com o fantasma do "partido do táxi" por alguns anos; o PCP votou contra e aliado à direita, porque, vivendo ainda em 1917, tem como principal inimigo qualquer governo do PS e como principal pesadelo o sucesso de um governo PS; e o BE votou contra porque Louçã não teve coragem nem liberdade para se abster. Derrotado o PEC 4 e derrubado o Governo, a situação financeira entrou, como era de prever, em descontrolo acelerado. Mesmo assim, José Sócrates ainda quis resistir e não se cansou de avisar o que significaria a vinda da troika. Mas, finalmente, já não havia nada a fazer: era chamar a troika ou cessar pagamentos.

    Basta ler os jornais de então para relembrar uma quase unanimidade nacional no apelo à troika - com excepção, é claro, do PCP e do BE, que, por direito divino, estão sempre dispensados de terem alternativas sérias para apagar os incêndios que ateiam. Foi isto que aconteceu há quatro anos e meio. A discussão sobre os factos históricos então ocorridos só pode ser feita num quadro de desonestidade intelectual chocante. Concedo que a actual maioria foi exímia em distorcer os factos e apagar memórias ao longo destes anos, até chegar ao ponto em que Passos Coelho é capaz de exclamar, com um ar ofendido, que dizer que o PSD também chamou a troika é uma grosseira mentira. Mas, chamou sim, chamaram- -na todos. Chamaram-na todos os partidos e, de certa forma, todos nós. Pelo menos, todos os que nunca cessaram de exigir mais e mais dos dinheiros públicos, sem quererem saber quem e como pagará a factura. Nem é tanto a tão criticada afirmação de que vivemos acima das nossas possibilidades. Não sei se vivemos ou não, cada um sabe de si e das suas dívidas. Mas sei que o Estado vive acima das nossas possibilidades. E é essa verdade que ninguém quer enfrentar.

    (…)

    3. (…) Ora, falemos claro: o "caso Sócrates" não tem que ver com a culpabilidade ou inocência dele, que é coisa que, pelo menos para mim, só se apurará em tribunal, produzida a prova e a contraprova. O "caso Sócrates", no que tem de importante, não é, por enquanto, a questão de fundo, mas a questão instrumental: pode alguém ser preso com as televisões a filmar em directo, pode ficar preso com requintes de humilhação, como a história das botas ou do cachecol do Benfica, pode ficar preso nove meses sem acusação, enquanto todos os dias é publicamente linchado num julgamento popular feito nos jornais, através de uma indecente e descarada violação do segredo de Justiça e da banal presunção de inocência? O "caso Sócrates" é isto, e isto merece ser discutido, em quaisquer circunstâncias, aproveite a quem aproveitar, prejudique quem prejudicar. Escudado na hipócrita frase de "à justiça o que é da justiça", o PS não apenas abandonou Sócrates à sua sorte, como finge não ver aquilo que é essencial: a questão de saber se para a Justiça vale tudo e qualquer método é aceitável, desde que escudado no julgamento popular - que é a forma como a investigação dos chamados "processos mediáticos" tantas vezes supera a sua incompetência investigatória. Que o PS queira que o homem fique muito caladinho para não prejudicar a campanha em curso, é entre eles e ele. Que queiram que todos os outros fiquem também muito caladinhos, ao serviço dos interesses circunstanciais do partido, é pedir de mais e sem vergonha.»

sábado, setembro 12, 2015

sábado, julho 18, 2015

sábado, junho 13, 2015

sábado, abril 18, 2015

«Nem sempre o que parece é»

Miguel Sousa Tavares, hoje no Expresso:
    «(…) 3. A estratégia de acusação a Sócrates, por parte do Ministério Público, parece assentar numa pirâmide invertida, caminhando do menos para o mais, até chegar à tese defendida. Primeiro, tentando provar que ele vivia acima das suas capacidades conhecidas; depois, tentando provar que isso era possível porque ele tinha uma fortuna oculta, em nome de terceiro; e, finalmente, o mais importante: que essa fortuna teve origem criminosa, designadamente em actos de corrupção passiva, enquanto primeiro-ministro. Lendo os jornais bem informados sobre a acusação, estamos agora na terceira fase: procura-se demonstrar que a corrupção foi feita a favor do Grupo Lena e através dos contratos que este obteve na Venezuela devido à mediação de Sócrates. Não é uma acusação fácil de provar, desde logo porque parte substancial desses contratos foi negociada já sob a égide deste Governo, e depois, porque um primeiro-ministro mover influências para que as empresas portuguesas obtenham contratos no estrangeiro é, não apenas normal, como elogiável. Chama-se a isso diplomacia económica e é o que fazem todos os governos e presidentes por esse mundo fora. É claro que, vindo-se a descobrir que Sócrates foi recompensado pelo Grupo Lena devido à sua intervenção nos contratos obtidos na Venezuela, tal ficaria muito mal ao ex-primeiro-ministro. Mas, mesmo então não vejo como, juridicamente, esse acto moralmente indefensável poderia ser juridicamente enquadrado no crime de corrupção, ainda que na sua forma mais moderada de corrupção para acto lícito.

    Todavia, imagine-se que o MP teria conseguido uma escuta entre Sócrates, ainda primeiro-ministro, e o presidente do Grupo Lena, em que Sócrates diria coisas como "tem todo o meu apoio em tudo o que for necessário, pessoal e institucional... Estou totalmente disponível para tudo... para aquilo que considerar que possa ter alguma utilidade". Nesse caso, suponho que, por exemplo, o Tribunal da Relação de Lisboa teria ainda mais motivos para recusar a revogação da prisão preventiva de Sócrates, reforçando os argumentos indevidamente usados no Acórdão proferido sobre ela, em que declarou a sua convicção da culpabilidade de Sócrates (matéria que não lhe cabia apreciar). Sucede, porém, que tal escuta existe e aquelas frases foram proferidas, de facto, mas não foi Sócrates que assim falou ao presidente do Grupo Lena e sim o presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (que presidiu à leitura do Acórdão sobre Sócrates) quem assim falou a António Figueiredo, ex-director dos Registos e Notariado, preso agora em prisão preventiva no caso dos vistos gold e que então se queixava ao juiz de estar sob investigação. Uma conversa investigada pelo MP, por dever de ofício e cujo processo foi arquivado em dias, concluindo-se não haver quaisquer fundamentos para seguir avante. Como o próprio MP reconheceu neste caso, nem sempre o que parece é. Ou é demonstrável.»

sábado, fevereiro 28, 2015

O ESTADO DO ESTADO DE DIREITO

Miguel Sousa Tavares, O ESTADO DO ESTADO DE DIREITO [hoje no Expresso]:
    «(…) Três meses depois, o meu ponto de partida é o mesmo de então: não sei, não faço ideia e não tenho maneira de saber se as gravíssimas acusações que pendem sobre José Sócrates são verdadeiras ou falsas. Mas não é isso que está em causa agora: eu não faço a defesa de José Sócrates, faço a análise sobre as circunstâncias da sua prisão preventiva e de tudo o que tem acontecido à volta dela. Não é a inocência ou a culpabilidade de José Sócrates — que só se apurará em julgamento — que agora interessa: é o funcionamento do Estado de direito. E isso não é coisa pouca.

    Creio que uma imensa maioria dos portugueses julgará, nesta altura, que José Sócrates está muito bem preso. E por três ordens de razões diversas: uns, porque abominam politicamente Sócrates e acreditam que foi ele sozinho que criou 170 mil milhões de dívida pública (hoje, 210 mil milhões), assim conduzindo o país à ruína; outros, porque acreditam que o "Correio da Manhã", o "Sol" ou o "i" são uma fonte credível de informação e, portanto, já nem precisam de julgamento algum em tribunal, porque a sentença já está dada; e outros, porque, mesmo não emprenhando pelos ouvidos dos pasquins ao serviço da acusação, acreditam mesmo na culpabilidade de Sócrates e, por isso, a sua prisão preventiva parece-lhes aceitável.

    Porém, nenhum destes três grupos tem razão: o primeiro, porque confunde um julgamento político com um julgamento penal, assim fazendo de Sócrates um preso político; o segundo, porque prescinde de um princípio básico de qualquer sistema de justiça, que é o do contraditório e do direito à defesa do acusado: basta-lhes a tese da acusação para se darem por elucidados e satisfeitos; e o terceiro, porque ignora a diferença fundamental entre a fase de inquérito processual e a fase de julgamento. O erro destes últimos (que são os únicos sérios na sua apreciação) é esquecer que a presunção ou convicção de culpabilidade do arguido por parte do juiz de instrução, as suspeitas, os indícios ou as provas que o processo possa conter, não servem de fundamento à prisão preventiva. Se assim fosse, a fase de inquérito seria um pré-julgamento, com uma pré-sentença e uma pena anterior à condenação em julgamento: a pena de prisão preventiva. Que é coisa que a lei não prevê nem consente e que, a meu ver, é aquilo que o juiz Carlos Alexandre aplicou a José Sócrates e a Carlos Santos Silva.

    A lei consente apenas quatro casos em que o juiz de instrução pode decretar a prisão preventiva de um arguido: a destruição de provas, a perturbação do processo, o perigo de fuga ou o alarme social causado pela permanência em liberdade. Sendo esta a medida preventiva mais grave e de carácter absolutamente excepcional (visto que se está a enfiar na prisão quem ainda não foi julgado e pode muito bem estar inocente), a liberdade de decisão do juiz está taxativamente limitada a estas quatro situações e nada mais.

    Não interessa rigorosamente nada que o juiz possa estar absolutamente convencido da culpabilidade do arguido: ou existe alguma daquelas quatro situações ou a prisão preventiva é ilegal. (E convém recordar que, ao contrário daquilo que as pessoas foram levadas a crer, o juiz de instrução não é parte acusatória, mas sim equidistante entre as partes: cabe-lhe zelar tanto pela funcionalidade da acusação como pelos direitos do arguido).

    A esta luz, é difícil ou impossível enxergar em qual dos quatros fundamentos se abrigará Carlos Alexandre para manter Sócrates e Santos Silva em prisão preventiva. O perigo de destruição de provas é insustentável, depois de revistadas as casas dos arguidos, apreendidos os computadores, escutadas as chamadas telefónicas durante mais de um ano. O perigo de perturbação do processo ("fabricando contratos", como foi veiculado para a imprensa) tanto pode ser consumado em casa como na prisão, através do advogado ou por outros meios. O perigo de fuga, para quem se entregou voluntariamente à prisão, tem o passaporte apreendido e pode ser mantido sob vigilância visual e de pulseira electrónica em casa, só pode ser invocado de má fé. E o alarme social, só se for nas páginas do "Correio da Manhã". A avaliar por aquilo que nos tem sido gentilmente divulgado, o dr. Carlos Alexandre não tem uma razão válida para manter os arguidos em prisão preventiva. E mais arrepiante tudo fica quando se torna evidente que o motorista de Sócrates só foi preso para ver se falava, e foi solto, ou porque disse o que o MP queria (verdadeiro ou falso) ou porque perceberam que não tinha nada para dizer. Ou quando a SIC, citando fontes do processo, nos conta que uma das razões para que a prisão preventiva de Carlos Silva fosse prorrogada por mais três meses foi o facto de ele não ter prestado quaisquer declarações quando chamado a segundo interrogatório por Rosário Teixeira. Se isto é verdade, quer dizer que estes presos preventivos não o foram apenas para facilitar a investigação (o que já seria grave), mas para ver se a prisão os fazia falar. Nada que cause estranheza a quem costuma acompanhar os processos-crime, onde a auto-incriminação dos suspeitos — por escutas ou por confissão — é quase o único método investigatório que a incompetência do MP cultiva (e, depois da transcrição da escuta feita a Paulo Portas no processo dos submarinos, ficámos a saber que a incompetência pode não ser apenas inocente, mas malévola e orientada).

    Dizem-nos agora os suspeitos habituais que a prorrogação da prisão preventiva daqueles dois arguidos, requerida pelo MP e fatalmente acompanhada pelo juiz, se ficará a dever à chegada de novos factos ou novas "provas" ao processo — o que, em si mesmo, contradiz o fundamento da prisão baseado em potencial destruição de provas. Pior ainda é se essas tais "novas provas" não são mais, como consta noutras fontes, do que os dados bancários da conta de Santos Silva na Suíça, cuja chegada ao processo o MP terá atrasado deliberadamente durante um ano, justamente para as poder usar no timing adequado para fundamentar a prorrogação da prisão preventiva. Porque ninguém duvida de que tanto o procurador como o juiz estão dispostos a levar a prisão até ao limite absurdo de um ano, sem acusação feita.

    Que a tudo isto — mais a já inqualificável violação do segredo de justiça, transformado numa espécie de actividade comercial às claras — se assista em silêncio, com a procuradora-geral a assobiar ao vento e o Presidente da República, escudado na desculpa da separação de poderes, fingindo que nada disto tem a ver com o regular funcionamento das instituições, que lhe cabe garantir, enquanto se discute, nem sequer a pena ilegal de prisão preventiva, mas a pena acessória de humilhação de um homem que foi duas vezes eleito pelos portugueses para chefiar o Governo e que agora se bate pelo direito de usar as botas por ele escolhidas e ter um cachecol do Benfica na cela, é sinal do estado de cobardia cívica a que o país chegou. As coisas estão a ficar perigosas. Eu não votarei em quem não prometa pôr fim a esta paródia do Estado de direito.»

quarta-feira, fevereiro 25, 2015

Sousa Tavares e o julgamento de Sócrates na praça pública


Segunda-feira, 23 de Feveiro, no Jornal da Noite da SIC

    Clara de Sousa — Boa noite, Miguel. Em relação a esta parte que partiu de José Sócrates [violações do segredo de justiça], ele tem razão na queixa que fez?

    Miguel Sousa Tavares — Basta ler o Sol, o i e o Correio da Manhã todos os dias para perceber que ele tem razão. De facto, a fuga do segredo de justiça é banal, mas é pior do que isso: não se limitam a canalizar factos que estarão no processo, mas canalizam as suposições do Ministério Público. Ou seja, a acusação está a ser feita nos jornais por violações do segredo de justiça. (…) O prejuízo que quer ser causado, está causado. Ou seja, antes de haver acusação formal, antes de haver pronúncia, antes de haver julgamento, José Sócrates já foi julgado na opinião pública, na praça pública, graças à violação do segredo de justiça, que é escandalosa, que é pura e simplesmente escandalosa. Aquilo que tem acontecido é escandaloso, quer da parte dos jornais que se prestam a esse serviço, quer da parte dos que fornecem as informações — mais do que informações, como dizia o advogado de Sócrates e com razão, as opiniões aos jornais.

quarta-feira, janeiro 21, 2015

«Canalhice, pura e simples»

Miguel Sousa Tavares na última edição do Expresso:

sábado, dezembro 27, 2014