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quinta-feira, outubro 08, 2015

O vigésimo saiu ao Governo fora de horas


O Governo andou quatro anos a brincar à lotaria com o Tribunal Constitucional. O vigésimo chumbo viu hoje a luz do dia, quando o Tribunal Constitucional ditou ser inconstitucional que o Governo decida sobre a aplicação das 40 horas de trabalho semanais nas autarquias:
    «O Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que conferem aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da administração pública legitimidade para celebrar e assinar acordos coletivos de empregador público, no âmbito da administração autárquica» por «violação do princípio da autonomia local».

David Crisóstomo dá-se ao trabalho de elencar as «duas dezenas de violações da lei fundamental da República». Rever estes 20 chumbos é uma boa perspectiva para recordar o que foram estes quatro dolorosos anos.

segunda-feira, setembro 14, 2015

O papão do consumo


• João Galamba, O papão do consumo:
    «Passos Coelho é especialista em mitos cuja maioria nem chega a ser urbano. No seu debate com António Costa, o líder da coligação PSD-CDS tentou agitar o papão do regresso ao passado.

    Não apresentou argumentos, apenas repetiu, muitas vezes em desespero e porque não tinha mais nada para dizer, as palavras "regresso ao passado" e "Sócrates". Passos Coelho afirma - o que não é o mesmo que argumentar - que as propostas do PS são um perigo porque assentam em estímulos ao consumo. Vamos por partes.

    Em primeiro lugar, Passos tem de perceber que houve um estímulo ao consumo significativo durante o seu mandato. Não porque Passos Coelho o desejasse, mas porque lhe foi imposto. É preciso recordar que, no final de 2012, Passos Coelho anunciou querer cortes adicionais de quatro mil milhões de euros nos rendimentos dos portugueses. Em Abril de 2013, na sequência de mais um acórdão do Tribunal Constitucional (TC), Passos Coelho reafirmava esse plano de cortes violentos nos rendimentos de muitas centenas de milhares de portugueses, alertando, à semelhança do que faz hoje com as propostas do PS, para os perigos de não fazer esses cortes, alegadamente salvíficos.

    Acontece que - felizmente - esses cortes foram sucessivamente travados e os rendimentos de pensionistas, funcionários públicos e de quem recebe prestações sociais como subsídio de desemprego e subsídio de doença, acabaram por ser muito mais elevados do que desejava Passos Coelho (cerca de três mil milhões de euros mais elevados). O resultado é conhecido: o efeito conjunto das decisões do TC, da queda do preço de petróleo e das taxas de juro constituiu um choque no rendimento dos portugueses que teve efeitos poderosos na procura interna. Portugal saiu da recessão de 2011/13 à custa da procura interna, praticamente toda explicada pela recuperação do consumo.

    Em segundo lugar, Passos, embora agite o papão do consumo, prevê, no seu PEC 2015/19 enviado a Bruxelas em Abril deste ano, uma evolução da economia praticamente toda assente na recuperação desse indicador. Em 2019, último ano das projecções do PEC da coligação, é suposto que o consumo represente 65% do PIB, percentagem superior à verificada em 2010, quando era apenas de 62%. A retórica de Passos critica aquilo que lhe permitiu, no passado, sair da recessão e critica aquilo que assegura grande parte do crescimento previsto até 2019. Se já estamos habituados a que o discurso de Passos Coelho não bata certo com a realidade, aqui a contradição é ainda maior: é o discurso de Passos Coelho que não cola com as suas próprias previsões. Em matéria de consumo, a grande diferença entre o programa do PS e o "programa" da coligação não é a sua evolução e o seu peso na retoma.

    Tanto o PS como a coligação prevêem crescimentos do consumo, porque, como vimos nos últimos anos, não há recuperação económica possível sem uma evolução positiva deste indicador. A diferença entre os dois programas é que só o do PS tem medidas de recuperação de rendimento que sustentem essa evolução. O corte de 600 milhões nas pensões previsto para 2016, o adiamento, para o final da legislatura, da devolução dos cortes nos vencimentos dos funcionários públicos e a ausência de quaisquer medidas adicionais que aumentem o rendimento dos portugueses contrariam as previsões da própria coligação para a evolução positiva do consumo e, ao invés de reforçar a retoma prevista, penalizam-na.

    Embora a recuperação do consumo seja necessária, ela não é suficiente. Se só houver consumo, a recuperação não é sustentável e gera desequilíbrios. É por isso essencial criar condições para que, juntamente com o crescimento do consumo, também haja uma forte aceleração do investimento (público e privado) que aumente a capacidade produtiva do país, garantindo que podemos crescer de forma sustentável. Não há retoma sem consumo e não há retoma sustentável sem que haja investimento modernizador. Por essa razão, o PS propõe actuar simultaneamente do lado da procura e do lado da oferta. Se não houver uma retoma robusta do investimento, os bancos continuarão dedicados a aumentar o crédito ao consumo, em vez de canalizar o dinheiro para as empresas. Consumo assente no crescimento do rendimento, e não no crédito ao consumo para a compra de automóveis, investimento assente na cooperação estratégica entre o estado e os agentes económicos, para que, conjuntamente, Portugal possa crescer de forma robusta e sustentada, criando emprego de qualidade.»

sexta-feira, julho 10, 2015

Constituição da República Portuguesa,
esse empecilho que azucrina a moleirinha de Passos


Passos Coelho escreveu no Twitter em 2 de Maio de 2011: «Vamos ter de cortar em gorduras e de poupar. O Estado vai ter de fazer austeridade, basta de aplicá-la só aos cidadãos

O alegado primeiro-ministro confessou hoje que tinha em mente um objectivo que fracassou: «Mais de dois terços da despesa pública concentram-se justamente nas prestações sociais e nos salários. Temos limitações óbvias do ponto de vista constitucional para lidar com o problema dos salários¹.» Daí que o pantomineiro-mor conclua ser uma «ilusão» pensar-se que reforma do Estado traz «profundas» poupanças.

Nesta conferência da CIP onde discursou, o alegado primeiro-ministro procurou explicar aos patrões como pretende superar este imbróglio. O que Passos Coelho lhes disse é que, para resolver «o problema dos salários» — ou seja, a redução dos salários —, necessita de previamente resolver «limitações óbvias do ponto de vista constitucional» — ou seja, virar do avesso a Constituição da República, como o projecto de revisão encomendado a Paulo Teixeira Pinto, que foi preciso esconder em 2011, preconizava.

No fundo, em período de eleições, Passos Coelho tem agora de suavizar o que disse, em 2013, na «Universidade» de Verão do PSD: «Não acredito que se possa persistir neste absurdo»… de ter um Tribunal Constitucional que obriga o alegado primeiro-ministro a governar de acordo com a Constituição. Mas, como se vê, ele não descansa enquanto não rasgar a Constituição — para «cortar em gorduras» (salários, pensões e outras prestações sociais).

ADENDA — Se Passos Coelho já tinha concluído que a reforma do Estado não resolvia o «problema dos salários», escusava de ter obrigado Paulo Portas à tristíssima figura de mostrar que não faz ideia nenhuma do que como está estruturado o Estado.

______
¹ Já o sabíamos, mas é bom que o pantomineiro-mor o confirme: quando ele se referia em 2011 aos «cidadãos», estava a excluir os pensionistas, os funcionários públicos e todos aqueles que, por estarem desempregados ou serem pobres, auferem prestações sociais.

segunda-feira, julho 06, 2015

Durão Barroso, o amnésico

— Pedro, Rio? E eu?

• João Galamba, Durão Barroso, o amnésico:
    «Durão Barroso, não contente em participar na despudorada e algo obscena operação de recauchutagem política de Miguel Relvas, também decidiu dar o seu valioso contributo para o processo de rescrita da história em curso. Aparentemente, o mesmo Durão Barroso que, em 2010, em 2011, em 2012, em 2013 e em 2014 sempre disse que Portugal não era a Grécia, vem agora, a três meses das eleições, dizer que, afinal, Portugal só não é a Grécia por obra e graça da determinação e firmeza de Passos Coelho.

    Não sei se estão recordados, mas, para além de ter passado os últimos cinco anos a dizer que Portugal não era a Grécia, Durão Barroso, antes da entrada da ‘troika' em Portugal, empenhou-se mesmo em dizer que Portugal não só não era a Grécia como, também, não seria a Irlanda. E não seria nem a Grécia nem a Irlanda porque, ao contrário destes dois países, Portugal não seria intervencionado pela ‘troika'.

    Havia um acordo, no qual o próprio Durão Barroso, na qualidade de presidente da Comissão Europeia, se empenhou, que envolvia Portugal, a Comissão Europeia, o Conselho Europeu e o Banco Central Europeu e que visava impedir um terceiro resgate a um país da zona euro. O empenho de Durão Barroso no chamado PEC 4 foi público, bem como todas as tentativas de evitar que a oposição, e em particular Passos Coelho, não inviabilizassem o acordo que o Governo português e as instituições europeias, bem ou mal, consideravam suficiente para evitar a vinda da ‘troika'.

    Todos sabemos o que se passou. Passos Coelho, forçado a escolher entre os interesses do seu país e os interesses do seu partido, escolheu os segundos, tirou o tapete ao país e empurrou Portugal para a ajuda externa. Tudo isto com a oposição (pública) de Durão Barroso (e de outros líderes europeus). Por essa razão, se há algo que a determinação de Passos conseguiu foi mesmo dinamitar a possibilidade de esse acordo ser bem sucedido.

    Apesar de Portugal ser empurrado para o programa da ‘troika' pela irresponsabilidade de Passos Coelho, Durão Barroso continuou a dizer que, ainda assim, a Grécia era um caso singular. Não só a Grécia tinha um défice e uma dívida pública muito maiores que Portugal, não só o programa grego era significativamente mais duro que o nosso, como o nosso sector exportador já era bastante mais robusto e pujante que o grego, o que atenuou os efeitos da recessão. Portugal, ao contrário da Grécia, nunca teve quedas do PIB de 7% ao ano, nem o PIB português caiu 30% nos últimos quatro anos. Mas não foi certamente por obra e graça de Passos Coelho que isso aconteceu.

    Para além das diferenças que sempre existiram entre os dois casos, se há algo que explica que o caso português não tenha sido tão trágico como o grego é que, na Grécia, não houve Tribunal Constitucional a travar as loucuras austeritárias do governo e da ‘troika'. Se olharmos apenas para o ano de 2012, o ano em que o governo de Passos decidiu ir muito além da ‘troika' e aplicar a tese (grega) da austeridade expansionista, a economia portuguesa colapsou. Não tanto como a grega, é certo, mas foi o ano em que Portugal mais se aproximou dos gregos, com o PIB a cair 4% e com a destruição de 200 mil empregos. Essa loucura foi travada, mas não por Passos, para quem os cortes deviam ser aprofundados, como constava do seu alucinado plano de corte de quatro mil milhões de euros em salários e prestações sociais, anunciado em outubro de 2012 e reafirmado, depois, em abril de 2013. Se a despesa primária grega caiu 30%, a portuguesa, depois de uma queda de cerca de 9% em 2012, com a intervenção do Tribunal Constitucional, a situação mudou radicalmente e Passos Coelho foi obrigado a recuar em parte dos cortes e a devolver rendimento aos portugueses. Ou seja, se não tivemos outro ano igual ao de 2012, não foi seguramente porque Passos não quis; foi o oposto: foi porque não o deixaram.

    É uma pena que Durão Barroso tenha sido atacado pelo vírus dos mitos urbanos e se dedique, sem qualquer pudor ou respeito por quem o ouve, à prática da rescrita da história. É sabido que Durão Barroso ainda acalenta esperanças de ser apoiado por Passos Coelho para Belém. Mas, em política, não vale tudo.»

Sensatez (dos credores) precisa-se

• João Galamba, Sensatez (dos credores) precisa-se:
    «No final de abril de 2010, quando a Grécia assinou o seu primeiro memorando, a União Europeia inverteu a sua política orçamental, apostando na austeridade expansionista: austeridade rápido e em força. O objectivo desta estratégia, para além de alegadamente servir para melhorar a sustentabilidade da dívida pública, era o de criar um choque positivo na confiança dos investidores que reduziria os juros, criaria estabilidade e que levaria a um ciclo virtuoso de crescimento económico e criação de emprego. Aconteceu o oposto. A crise alastrou-se e tornou-se (explicitamente) sistémica, a situação da dívida deteriorou-se ainda mais, a confiança dos investidores piorou, os juros na periferia não baixaram, a instabilidade aumentou, a situação económica degradou-se significativamente e o desemprego disparou. A tal confiança só começou a surgir quando o BCE entrou em cena e a economia só começou a recuperar quando a austeridade abrandou, nuns países por opção, noutros, como o nosso, a contragosto, por imposição do Tribunal Constitucional.

    A austeridade expansionista falhou todos os seus objectivos, e falhou tanto mais quanto mais violentamente foi aplicada. É difícil encontrar um teste empírico sobre a validade da tese da austeridade expansionista mais definitivo do que este. E o que fazem os defensores da estratégia que falhou de forma tão clamorosa? Recusam-se a reconhecer a devastação causada pelas suas políticas e inventam desculpas, cada vez mais esfarrapadas e, sobretudo, cada vez mais indecorosas para não admitir o seu erro e reconhecer a necessidade de mudar de políticas.

    A Grécia é apenas a versão extrema desta cegueira e radicalismo. Uma queda do PIB superior a 25%, cortes na despesa primária de 30%, desemprego superior a 25%, desemprego jovem acima dos 60%, a pensão média caiu 40%, e por aí fora. Isto é, a todos os níveis, uma tragédia económica e social. E isto não aconteceu porque os sucessivos governos gregos, e foram vários, não aplicassem a receita prescrita. Antes pelo contrário, como mostram os números e o relatório da OCDE que diz que a Grécia foi o país europeu que fez mais “reformas estruturais”. Ninguém questiona que a Grécia tem enormes deficiências institucionais e económicas e carece de reformas profundas. Mas tais reformas nunca poderão ocorrer enquanto o país se mantiver numa situação de depressão económica e de desagregação social.

    O governo grego pode ser radical, incompetente, chantagista, irresponsável, extremista, pouco sério ou louco. Ou pode ser o oposto. Pouco importa. Porque o governo grego é, acima de tudo, um produto da destruição e da loucura dos últimos 5 anos. O governo grego não é a causa dos problemas, é o seu resultado. É o resultado do desespero de uma população e do fracasso de todos os governos que tentaram cumprir as imposições, cada vez mais irrazoáveis, dos credores. Bem ou mal, de forma mais ou menos aceitável, os gregos dizem uma verdade incontornável: a estratégia que está a ser seguida na Grécia não está a resultar, é insustentável e tem de ser alterada. Discutir a natureza do Syriza e dos governantes gregos, discutir a estratégia negocial, condenar ou elogiar o seu comportamento torna-se um pouco irrelevante quando o problema principal é o facto de todas as propostas feitas pelos credores, antes e depois das eleições, implicarem um agravamento da situação crise grega. Não são uma solução, nem sequer o primeiro passo de uma solução, representam o agravamento do problema, a todos os níveis – económico, social e, sobretudo, político. E é natural e inteiramente razoável que os gregos insistam em dizer não.

    A Grécia pode ter muitas culpas, imensos defeitos, mas foi a maior vítima de uma estratégia fracassada, que não resolveu nenhum problema, agravou os que já existiam e criou novos, como a implosão do centro político e o aparecimento de uma força política nazi. A Grécia é o caso extremo da aplicação da austeridade expansionista, e é por isso que está como está. Até que se reconheça este facto, e até que existam propostas que permitam melhorar a situação económica e social na Grécia, não haverá lugar para a Grécia na Zona Euro. E a culpa não será seguramente dos gregos, nem do seu governo, mas sim da irredutibilidade dos credores (e dos aspirantes a credores). Se a Grécia sair do euro, para além do irreparável dano político no projecto europeu, uma coisa é certa: a dívida que os credores recusam negociar com a Grécia não será paga e os custos serão ainda maiores.»

sexta-feira, julho 03, 2015

«Andas à procura de emprego
e a pedir à Virgem para não encontrares!»


Habituámo-nos a ver Cavaco Silva como o porta-voz do Governo. Mas nos últimos tempos o Presidente da República decidiu ir mais longe, ocupando o lugar do Dr. Relvas que o ministro Maduro não foi capaz de preencher: o de caceteiro de serviço. Ninguém se expôs tanto, em Portugal ou na Europa, como Cavaco em relação à Grécia (19-1=18).

Cavaco terá por isso surpreendido algumas almas mais inocentes ao requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva de normas do diploma sobre o «enriquecimento injustificado», demarcando-se aparentemente dos propósitos da coligação de direita.

Acontece que a iniciativa da coligação de direita é apenas um expediente populista para desviar as atenções dos desmandos cometidos nos últimos quatro anos (aflorados pelo Tribunal de Contas na auditoria à enxurrada de privatizações). O advogado Magalhães e Silva desmonta de uma forma simples o faz-de-conta da direita:
    «Basta ler o acórdão do Tribunal Constitucional que reprovou a lei anterior para se concluir que, também esta, vai ser reprovada. O que o PSD/CDS bem sabem.

    Esta teimosia lembra-me a observação que, a propósito do tema, farei pela enésima vez e que assente como luva à atitude parlamentar da coligação.

    No célebre filme de Ettore Scola, a avó, interpelando o neto desempregado, atira-lhe o escárnio: "Andas à procura de emprego e a pedir à Virgem para não encontrares!"»

Não significa isto que não possam ser criados crimes para combater a corrupção. Veja-se o que escrevi há mais de quatro anos:
    «1. O direito criminal português baseia-se num princípio de culpa que tem de estar vertido num facto concreto que é imputado a alguém. No enriquecimento ilícito, esse facto é pressuposto, mas não é exigida a sua concreta prova.

    2. Realmente, o enriquecimento ilícito é uma forma indirecta de punir aquilo que se presume ser corrupção. É sintomático que os arautos desta solução a apresentem como uma solução nova para punir a corrupção.

    3. Mas aqui é que está o busílis, porque como todos sabemos a presunção de inocência e o in dubio pro reo são princípios constitucionais que não podem ser ignorados. Ao pretender punir a corrupção sem a provar, o legislador estaria a consagrar uma inconstitucionalidade.

    4. Invoca-se muitas vezes a imoralidade de alguém aparecer com uma fortuna inexplicada sem que o Estado nada possa fazer. Mas não é assim. É possível criar crimes, que já existem, que obriguem a apresentar declarações de património, devidamente fundamentadas, punindo aqueles que as não apresentarem ou as não fundamentarem.

    5. Uma solução que viole os princípios constitucionais, mesmo pelos «melhores» motivos, arrisca-se sempre a instaurar um clima de injustiça e perseguição baseada nas aparências. É nestas épocas que não nos podemos esquecer que Portugal foi um dos países europeus em que a Inquisição foi mais forte e a polícia política (a PIDE) mais activa.

quinta-feira, julho 02, 2015

Tratado sobre a promiscuidade


Jorge Bravo é economista. Na sua carteira de clientes, destacam-se os fundos de pensões e dos seguros, que há vários anos vêm defendendo um reforço dos descontos para os sistemas privados e que são parte interessada nas políticas públicas para a Segurança Social.

Como se vê, Jorge Bravo reúne as condições para ser o autor de um programa eleitoral que justifique a ida ao pote na área da Segurança Social. O PSD escolheu-o por isso para colaborar na elaboração do seu programa eleitoral (aqui e aqui).

Mas como a vida custa a (quase) todos, o Governo pagou a Jorge Bravo para que ele defenda que a Segurança Social é insustentável. Desta vez, saíram dos cofres do Estado 75 mil euros. Mas, já em 2013, Jorge Bravo, quando a direita procurava justificar os cortes nas pensões da Caixa Geral de Aposentações (e que foram chumbados pelo Tribunal Constitucional), recebeu do Governo 40 mil euros para fabricar um papel a atestar a insustentabilidade da Segurança Social.

Jorge Bravo conseguiu uma proeza de se lhe tirar o chapéu: é pago pelos fundos privados de pensões e dos seguros para defender os seus interesses; é também pago pelo Governo para defender os interesses desses fundos privados e reproduzi-los no programa eleitoral do PSD e do CDS (cujo parto, aliás, está a revelar-se uma empreitada ciclópica); e, apesar destes antecedentes, anda pelas televisões a defender o desmantelamento da Segurança Social, sendo apresentado como economista independente.

sábado, junho 20, 2015

«Pensam que ganham a luta com vénias e salamaleques?»


    «1. O sujeito - Pedro Passos Coelho - que aumentou o IVA da restauração e da energia, e queria aumentá-lo outra vez para reduzir a TSU das empresas, diz que foi só uma recomposição do cabaz de bens?

    2. O sujeito - Pedro Passos Coelho - que retirou o RSI e o abono de família a milhares de pessoas e reduziu as prestações do RSI e do complemento solidário de idosos diz que os cortes não afetaram os mais pobres?

    3. O sujeito - Pedro Passos Coelho - que só não cortou nos salários e pensões a partir de 600-700 euros e só não cobrou impostos sobre o subsídio de doença e desemprego porque foi impedido pelo Tribunal Constitucional, diz que os cortes não afetaram os mais pobres?

    4. O sujeito - Pedro Passos Coelho - que é o primeiro-ministro do país que viu sair meio milhão de emigrantes nos últimos quatro anos, diz que é falso que tenhamos tido mais emigrantes do que a Espanha ou a Irlanda?

    5. Chamem-lhe o que ele é, senhoras e senhores deputados socialistas, senhores e senhoras porta-vozes do PS, chamem-lhe mentiroso, aldrabão, indiferente ao sofrimento do seu próprio povo e indigno das funções que exerce! Chamem-lhe o que ele é, não tenham medo! Ou pensam que ganham a luta com vénias e salamaleques?»

segunda-feira, junho 15, 2015

Mitos urbanos

• João Galamba, Mitos urbanos:
    «Depois de se refundar em “Somos o que escolhemos ser”, Passos Coelho parece ter-lhe tomado o gosto e quer transformar todo o seu passado conhecido (e documentado) num enorme mito urbano. A ideia de que Passos Coelho sempre desejou a vinda da troika, precipitou a sua vinda e, depois, foi além da troika, é, tudo leva a crer, o maior de todos os mitos urbanos. Para Passos Coelho, essa é uma tragédia que, embora seja bem real e amplamente documentada, nunca aconteceu.

    Passos Coelho, coadjuvado por Paulo Portas, está empenhado em apagar da realidade os 450 mil empregos destruídos desde que o atual governo assumiu funções, a maior vaga de emigração desde os anos 60, o recuo do investimento para níveis de meados dos anos 80, o corte de salários e prestações sociais, o recuo de uma década no combate à pobreza e à exclusão social, a degradação da educação, da saúde, da justiça e da segurança social. Isto não são episódios passados de uma história que acabou bem. Isto é o presente. É aqui que estamos.

    E podíamos estar bem pior.

    O facto do Tribunal Constitucional (e as eleições) ter travado o desvairado plano de Passos Coelho, anunciado em outubro de 2012, e reafirmado em Abril de 2013, de cortar 4 mil milhões de euros em salários e prestações sociais, e de tal ter tido um efeito positivo na economia e no emprego, também é apagado da história.

    A despesa que Passos Coelho dizia querer cortar em 4 mil milhões de euros subiu 3 mil milhões de euros, e foi o aumento da despesa que Passos Coelho queria cortar, nomeadamente rendimento de funcionários públicos e de pensionistas, que permitiu estabilizar a procura interna. Se o plano de corte em salários e prestações sociais desejado por Passos Coelho tivesse ido avante, a recessão teria sido mais profunda e a procura interna, que é o que explica a saída da recessão, não teria recuperado como recuperou. A recuperação da procura interna ocorre apesar do governo, e contra sua política, nunca por sua causa. Se dúvidas houvesse, o corte de 600 milhões de euros em pensões, que a coligação já prometeu para 2016, é prova disso mesmo.»

    Cortes excessivos, errados e desnecessários, que tiveram efeitos catastróficos na economia, no emprego e na coesão social, e não criaram a famosa “confiança”. A patranha da austeridade expansionista. Um plano de cortes suicida, sucessivas vezes tentado, e, felizmente, sucessivas vezes travado pelo Tribunal Constitucional. Degradação acelerada do serviços públicos e da relação do Estado com os cidadãos. Uma realidade que só não é pior porque o governo foi impedido de pôr em prática (toda) a sua estratégia. Não, esta não é uma história com um final feliz. Esta é uma história que só poderá vir a ter um final feliz se, nas eleições, a dupla Passos Coelho e Paulo Portas for derrotada.»

quarta-feira, junho 03, 2015

Voltar ao ponto de partida, mas agora de tanga


Em jeito de balanço de 2014, Passos Coelho sustentou que o país estava viver uma «recuperação saudável», sem retorno a «velhas políticas»: «O nosso crescimento é saudável e sustentável quer quando olhado por via da procura interna — consumo sem endividamento — quer do lado investimento, que está no essencial a ser dirigido para equipamentos, maquinaria, que acabará por produzir um aumento do produto potencial a prazo.» E para que não subsistissem dúvidas, o alegado primeiro-ministro acrescentou: «tudo isto sem acrescentar dívida, quer às famílias, quer às empresas, sem qualquer modelo económico que esteja condenado ao fracasso no médio prazo».

A cantilena com que Passos & Portas se vão aventurar a ir a votos é linear: a economia deu a volta e agora assiste-se a um crescimento sem endividamento. Acontece que isto é falso.

É certo que o Tribunal Constitucional deu um leve empurrão ao consumo quando chumbou os cortes inconstitucionais do Governo. Mas agora sabe-se, através do Banco de Portugal, que o crescimento, mesmo medíocre, foi impulsionado pelo crédito ao consumo, que regressou a níveis do início de 2011. E que o investimento de que fala o alegado primeiro-ministro («equipamentos, maquinaria») é, como mostra o INE, em automóveis.

Mas não é caso para a coligação de direita desanimar. O PSD e o CDS podem ousar apresentar-se às eleições erguendo a grande reforma estrutural do Governo: uma redução brutal dos salários e a constituição de um monstruoso exército de desempregados como Portugal não conhecia.

domingo, maio 31, 2015

«O caminho a seguir devia ter sido criar um dever de declarar
bens e rendimentos e criminalizar a sua violação»


• Fernanda Palma, Novo Enriquecimento:
    «A Assembleia da República aprovou ontem uma lei que criminaliza o enriquecimento injustificado. O crime consiste em "adquirir, possuir ou deter património incompatível com os rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados" e pode ser praticado por qualquer pessoa, embora as penas, cujo máximo vai até oito anos de prisão, sejam agravadas para titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos.

    Mas existe um precedente que torna a medida duvidosa. Por acórdão de 4 de abril de 2012, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional uma lei que previa o crime de enriquecimento ilícito. A lei nunca entrou em vigor, porque o Presidente da República pediu a fiscalização prévia da constitucionalidade e a votação do acórdão foi categórica: só se registou um voto de vencido e mesmo esse foi parcial.

    Esta decisão do Tribunal Constitucional nem sempre é compreendida pela opinião pública. Afinal, um político (ou outra pessoa) que exibe uma fortuna inexplicável não pode ser obrigado a provar a sua origem, sob pena de ser sancionado? A dificuldade reside em a nossa Constituição consagrar o direito ao silêncio e a presunção de inocência do arguido e atribuir à acusação o "ónus da prova" em processo penal.

    Em 2012, o Tribunal Constitucional entendeu ainda que não havia um bem jurídico claramente definido. Agora, a lei afirma que o crime atenta contra o Estado de Direito. Duvido de que essa proclamação baste. Porém, o maior problema resulta de a norma legal configurar um estado de coisas e não um facto. O caminho a seguir devia ter sido criar um dever de declarar bens e rendimentos e criminalizar a sua violação.

    No entanto, se a lei entrar em vigor, uma última questão que se coloca é a do seu âmbito de aplicação temporal, que deveria ser limitado pela proibição constitucional de retroatividade das normas que preveem crimes e penas. Se o crime for punível abstraindo do facto que originou o enriquecimento, a lei poderá ser aplicada ao passado e o procedimento criminal não estará sujeito a um regime de prescrição

segunda-feira, maio 25, 2015

Uma maioria viciada em enganos

• João Galamba, Uma maioria viciada em enganos:
    «A Ministra das Finanças, discursando num evento da JSD, voltou à tese de que cortar a fundo na despesa pública é essencial para a consolidação orçamental e para a recuperação da economia e para o emprego. E alertou para os perigos de quem ousa dizer o contrário:
      "Quando alguém diz que vai ter tantas mais despesas e que vai conseguir um crescimento económico que vai permitir que não haja mais impostos ou até que eles baixem não dá para acreditar porque simplesmente não é verdade".

    Acontece que discordar da Ministra não é um acto de irresponsabilidade financeira, é uma questão de respeito pelos factos e pela experiência dos últimos 4 anos.

    No orçamento para 2012, o Governo PSD-CDS duplicou a austeridade acordada no memorando inicial. O resultado foi uma recessão de 4%, mais do dobro do que o Governo previa inicialmente.

    Em Outubro de 2012, em pleno debate do Orçamento para 2013, o Primeiro-Ministro, depois de já ter cortado cerca de 7 mil milhões de euros em salários, pensões e investimento público (e de ter aumentado os impostos em 2 mil milhões de euros), e com a economia em colapso, diz que é essencial voltar a cortar 4 mil milhões de euros na despesa. Sem isso, garantia Passos Coelho, teríamos um segundo resgate.

    Na verdade, e se excluirmos a despesa com juros, o que acabou por acontecer foi que a despesa não baixou, como pretendiam o Primeiro-Ministro e a Ministra das Finanças. A despesa aumentou, passando de aproximadamente 73 mil milhões de euros em 2012 para 76 mil milhões de euros em 2014. Só no ano de 2013, com a devolução dos subsídios de férias e natal, cujo corte foi considerado inconstitucional, a despesa ficou quase 3 mil milhões de euros acima do que o governo previa no orçamento desse ano.

    E qual foi o resultado?

    Ao contrário das previsões catastrofistas do Primeiro-Ministro, não consta que não se ter cortado 4 mil milhões de euros na despesa tenha levado a um segundo resgate. Como reconheceu, no Parlamento, o próprio Secretário de Estado do Orçamento: o aumento da despesa pública resultante da intervenção do Tribunal Constitucional - que aumentou o rendimento disponível de pensionistas e funcionários públicos - levou uma melhoria da actividade económica.

    E foi assim que, depois de bater no fundo no primeiro trimestre de 2013, a economia iniciou a sua (lenta) trajectória de recuperação - à boleia de uma recuperação do consumo privado e de um corte no consumo público muito abaixo das pretensões iniciais do governo. Foi o recuo na austeridade e nos cortes na despesa que permitiram à economia respirar e sair da recessão.

    Não é possível olhar para o que se passou a partir de 2013 e não reconhecer que o recuo (forçado) no corte de 4 mil milhões de euros em despesa pública teve efeitos positivos na economia portuguesa. Teve efeitos positivos em 2013, com a devolução dos subsídios de férias e natal. Teve efeitos positivos em 2014, porque o TC voltou a travar mais um corte de pensões e salários e fez com que, durante três meses, não houvesse quaisquer cortes salariais na função pública. E está a ter efeitos positivos em 2015: para além da devolução de 20% dos cortes salariais, o fim da Contribuição Extraordinária de Solidariedade devolveu cerca de 600 milhões de euros aos pensionistas. Como é evidente, tudo isto tem impacto positivo no Consumo, que é a variável que explica a saída da recessão (mas não da crise). Se juntarmos os efeitos positivos da queda do preço do petróleo, da queda dos juros e da desvalorização do euro, é fácil perceber por que razão cresce a economia portuguesa.

    Se, para além da despesa em salários e pensões, incluirmos o dinheiro público gasto a financiar estágios e todas as políticas activas de emprego, que são o que explica grande parte da criação de emprego nos últimos anos, é fácil concluir que, ao contrário do que nos é dito pelo Primeiro-Ministro e pela Ministra das Finanças, o aprofundamento dos cortes na despesa pública não gera prosperidade. Cortar nos salários, nas pensões, na saúde, na educação, no investimento em ciência e cortar em tudo o que cheire a Estado não é seguramente o caminho para criar emprego e crescimento económico. É o que nos mostra a experiência dos últimos anos. E é o que manda o bom senso.

    Depois de ter sido obrigado a devolver 600 milhões de euros aos pensionistas em 2015, o Governo já anunciou que, se os portugueses deixarem, quer voltar a cortar esses mesmos 600 milhões já em 2016. PSD e CDS não aprendem com a experiência e não têm nada a oferecer ao país.»

quinta-feira, maio 21, 2015

Há disciplina que obrigue a votar leis inconstitucionais?

• Rui Pereira, Antidisciplina:
    «Paulo Mota Pinto foi juiz constitucional. É deputado, presidente do Conselho de Fiscalização do SIRP e professor de Direito. Li, atónito, que "considera o sistema de registo de identificação criminal de condenados pela prática de abusos sexuais contra menores inconstitucional" e ainda que "só votou a favor porque foi imposta a disciplina de voto".

    Compreende-se a disciplina de voto quando se trata da sobrevivência de um Governo. Mas há disciplina que obrigue a calar a voz da consciência e a votar leis inconstitucionais? Não é a Constituição que proclama que "os deputados exercem livremente o seu mandato"? A "fidelidade" partidária vale mais do que a Constituição para os deputados?

    Paulo Mota Pinto tem a palavra. A notícia é verdadeira ou exagerada? Como explica o seu voto? Uma coisa é certa, o PSD impôs a disciplina. Como se arroga um partido, seja ele qual for, a negar a liberdade numa matéria em que há dúvidas constitucionais? São estes episódios que desacreditam a democracia. Não chorem, depois, lágrimas de crocodilo.»

quarta-feira, maio 20, 2015

Ministra das Finanças na Assembleia da República

A ministra das Finanças esteve hoje na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública. As notas que João Galamba publicou no Facebook dão uma ideia da forma como Maria Luís Albuquerque se comporta no parlamento, ora fugindo às perguntas, ora respondendo ao lado:

    «A ministra das Finanças que apenas conseguiu fazer a economia crescer à custa do consumo privado (porque foi forçada pelo Tribunal Constitucional a devolver salários e pensões) e que, no horizonte 2015-19, prevê que o consumo privado continue a ser o principal motor do crescimento da economia portuguesa tem o descaramento de dizer que crescimento com base no consumo é horrível e já deu provas de não ser sustentável.»
    «Quando perguntei como é possível haver uma aceleração do PIB em 2016 se o governo pretende cortar 600 milhões de euros em pensões, a ministra responde com as previsões da OCDE, que não incluem qualquer corte nas pensões.»
    «A Ministra das Finanças insiste em brincar com as palavras em torno do corte de 600 milhões em pensões previsto para 2016. Instada a clarificar os detalhes desse corte e, sobretudo, a explicar como é possível haver um corte que contribui para reduzir o défice mas (misteriosamente) não tem qualquer impacto negativo no défice, Maria Luís Albuquerque recorre à opacidade e não responde.

    Ou seja, temos um governo que apresenta a estratégia orçamental para o período 2015-2019 e que acha normal não incluir qualquer explicação ou detalhe sobre a medida de austeridade mais importante do próximo ano.»

quinta-feira, abril 16, 2015

Zé Manel, o coronel de lápis azul de Passos


Qual foi o órgão de comunicação social que fez hoje o melhor título ao noticiar o que disse a Miss Swaps no briefing que se seguiu ao Conselho de Ministros? Caro leitor, reconheça que foi o blogue da direita radical: «Governo quer manter cortes salariais chumbados pelo TC no próximo ano».

O atrevimento durou pouco tempo. Como a imagem acima mostra, o título foi mudado, mas as impressões digitais ficaram gravadas no link. Ao ver o título, o publisher José Manuel Fernandes deitou as mãos à cabeça e censurou o director executivo David Dinis (que é co-autor da peça).

Asfixia democrática à parte, o título inicial da notícia do Observador sintetiza as propostas do Governo para a próxima legislatura: manter a austeridade «custe o que custar», procurando, como até agora, fazer tábua rasa das decisões do Tribunal Constitucional.

quinta-feira, abril 09, 2015

Intervenções no âmbito da Interpelação ao Governo (pedida pelo PCP)
centrada na continuação da política da troika



Pedro Nuno Santos: «Como é que explica que há seis meses o emprego esteja a cair de forma ininterrupta, Senhora Ministra [Miss Swaps]? O que é que está a acontecer?»


João Galamba: «A Senhora Ministra das Finanças [Miss Swaps] disse uma coisa espantosa que, de facto, resume grande parte da dissonância cognitiva deste governo: numa mesma intervenção disse que o Governo foi obrigado a aumentar impostos por causa do Tribunal Constitucional (e que queria era ter cortado salários e pensões) e terminou a sua intervenção vangloriando-se da devolução de salários e pensões.»

quinta-feira, março 26, 2015

Pior do que o anunciado, muito pior do que o previsto


    «Segundo o INE, a recessão em 2012 e 2013 foi bastante pior do que o previamente anunciado (que já era bem pior do que o inicialmente previsto):
      1) em 2012, PIB cai 4%, em vez de 3.4%;
      2) em 2013, PIB cai 1.6%, em vez de 1.4%;

    Ou seja, quando o governo implementou a sua estratégia de frontloading e austeridade expansionista, o PIB colapsou. A "espiral recessiva" só foi travada quando, a partir do segundo trimestre de 2013, o Tribunal Constitucional obrigou o governo a rever a sua estratégia e a recuar na austeridade prevista (quer na composição, quer no volume).

    Quando o governo não pôde cortar os 4 mil milhões de euros na despesa que Passos tinha considerado essencial para evitar um segundo resgate (ver declarações proferidas durante a campanha das autárquicas, em 2013), as coisas correram menos mal na frente económica e na frente orçamental.»

quarta-feira, março 11, 2015

Sentimento de urgência

    «(…) Independentemente da posição que tem vindo a ser assumida pelo Governo grego, concordemos ou não com as suas propostas e com a sua atitude, é inaceitável assistirmos à tentativa de branqueamento do que aconteceu nos países sob assistência financeira, em particular, em Portugal, onde se apresentam os resultados do programa de assistência financeira como um caso de sucesso. O expoente máximo desta encenação foi a figura muito infeliz da ministra das Finanças portuguesa numa conferência de imprensa ao lado do ministro das Finanças alemão, a servir de cobaia e simultaneamente a procurar, deliberadamente, enfraquecer a posição negocial do Governo grego que estava ativamente a questionar as políticas e os resultados alcançados e a pedir mudanças. (…)»

segunda-feira, março 09, 2015

Regresso à casa de partida (despojado de quaisquer bens)

A OCDE confirma desaceleração na recuperação da actividade económica em Portugalem contraciclo com o que está a ocorrer na zona euro. Nada que não fosse expectável.

No triénio 2011/2013, foram destruídos 350 mil empregos e o investimento sofreu uma redução de 30%. Em lugar da reestruturação da economia portuguesa, ocorreu um violento empobrecimento do país.

O anémico crescimento verificado em 2014 (0,9%) pode o Governo agradecer ao Tribunal Constitucional, que obstou que se consumassem na totalidade os cortes previstos no Orçamento do Estado. Ou seja, o que a direita tanto criticou — o crescimento por via da procura interna — permitiu travar a recessão, mas não impediu a degradação da balança externa.

Após ter posto o país a ferro e fogo durante quatro anos, o Governo reconduz a economia portuguesa ao ponto de partida. Mas imensamente mais pobre. É o seu legado.

segunda-feira, fevereiro 16, 2015

«A Grécia está no estado que Portugal estaria
se a desvairada paixão pela austeridade de Passos Coelho
não tivesse sido (parcialmente) travada pelo Tribunal Constitucional»

• João Galamba, O cachecol de Varoufakis:
    «Vale a pena comparar as declarações de Obama e de outros responsáveis da Casa Branca sobre a Grécia com as de Passos Coelho, Cavaco, Machete, Marques Guedes e afins. Os americanos, que percebem o que está em causa, saem em defesa do projecto europeu (e dos Gregos) denunciando a irracionalidade da austeridade e a falta de bom senso dos países credores. Os representantes lusitanos, com Cavaco à cabeça, fazem o oposto e, em vez de se solidarizarem com a Grécia — percebendo que é isso que serve o interesse da Europa (e de Portugal) —, comportam-se como alemães e fingem que também são credores, se necessário inventando dados. Parece que os EUA podem voltar a estar condenados a salvar a Europa da sua própria estupidez.

    O Governo e o Presidente da República, não se solidarizando com a Grécia, não defendem o interesse nacional e não defendem o interesse europeu; limitam-se a defender-se a si próprios, a defender a sua narrativa moralista (e errada) sobre a crise e a tentar, por todos os meios (mesmo os mais mesquinhos), salvar a face. É triste, mas, até às eleições, é certo que não teremos governantes que percebam que o caso grego não é mais do que a redução ao absurdo das políticas que foram implementadas em Portugal.

    Nós somos a Grécia, pela simples razão que os gregos estão como estão, não porque não tenham cumprido, não porque não tenham feito o suficiente, não porque não se tenham esforçado, mas porque tentaram, mais do que todos os outros, responder à crise com austeridade e "reformas estruturais" (leia-se desregulação do mercado laborai e esmagamento de direitos sociais). A Grécia está no estado que Portugal estaria se a desvairada paixão pela austeridade de Passos Coelho não tivesse sido (parcialmente) travada pelo Tribunal Constitucional. Aliás, uma parte das medidas do governo grego não são mais do que a reposição de medidas que, em Portugal, foram consideradas inconstitucionais.

    Sim, os gregos foram quem mais cortou na despesa pública, foram quem mais reduziu o défice e, segundo a OCDE, foram quem mais apostou nas salvíficas e redentoras reformas estruturais. Os resultados são aqueles que se conhece. Segundo a lógica de Passos Coelho, os gregos deviam ser uma hiper-Alemanha. Mas não, são apenas Portugal, mas em muito pior. É por esta razão que a solidariedade com os gregos, para além de inteiramente justificada, é também uma forma de defender Portugal. E tudo isso, no fundo, é única forma que hoje existe de defender a Europa. A vergonha portuguesa não é a de ser um país incumpridor, é a de ser um país cujos governantes se comportam como o caseiro que acha que é o dono da quinta. Triste destino, o dos que acham que nas costas dos outros não vêem as suas.»