Mostrar mensagens com a etiqueta 2.º resgate. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta 2.º resgate. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, maio 25, 2015

Uma maioria viciada em enganos

• João Galamba, Uma maioria viciada em enganos:
    «A Ministra das Finanças, discursando num evento da JSD, voltou à tese de que cortar a fundo na despesa pública é essencial para a consolidação orçamental e para a recuperação da economia e para o emprego. E alertou para os perigos de quem ousa dizer o contrário:
      "Quando alguém diz que vai ter tantas mais despesas e que vai conseguir um crescimento económico que vai permitir que não haja mais impostos ou até que eles baixem não dá para acreditar porque simplesmente não é verdade".

    Acontece que discordar da Ministra não é um acto de irresponsabilidade financeira, é uma questão de respeito pelos factos e pela experiência dos últimos 4 anos.

    No orçamento para 2012, o Governo PSD-CDS duplicou a austeridade acordada no memorando inicial. O resultado foi uma recessão de 4%, mais do dobro do que o Governo previa inicialmente.

    Em Outubro de 2012, em pleno debate do Orçamento para 2013, o Primeiro-Ministro, depois de já ter cortado cerca de 7 mil milhões de euros em salários, pensões e investimento público (e de ter aumentado os impostos em 2 mil milhões de euros), e com a economia em colapso, diz que é essencial voltar a cortar 4 mil milhões de euros na despesa. Sem isso, garantia Passos Coelho, teríamos um segundo resgate.

    Na verdade, e se excluirmos a despesa com juros, o que acabou por acontecer foi que a despesa não baixou, como pretendiam o Primeiro-Ministro e a Ministra das Finanças. A despesa aumentou, passando de aproximadamente 73 mil milhões de euros em 2012 para 76 mil milhões de euros em 2014. Só no ano de 2013, com a devolução dos subsídios de férias e natal, cujo corte foi considerado inconstitucional, a despesa ficou quase 3 mil milhões de euros acima do que o governo previa no orçamento desse ano.

    E qual foi o resultado?

    Ao contrário das previsões catastrofistas do Primeiro-Ministro, não consta que não se ter cortado 4 mil milhões de euros na despesa tenha levado a um segundo resgate. Como reconheceu, no Parlamento, o próprio Secretário de Estado do Orçamento: o aumento da despesa pública resultante da intervenção do Tribunal Constitucional - que aumentou o rendimento disponível de pensionistas e funcionários públicos - levou uma melhoria da actividade económica.

    E foi assim que, depois de bater no fundo no primeiro trimestre de 2013, a economia iniciou a sua (lenta) trajectória de recuperação - à boleia de uma recuperação do consumo privado e de um corte no consumo público muito abaixo das pretensões iniciais do governo. Foi o recuo na austeridade e nos cortes na despesa que permitiram à economia respirar e sair da recessão.

    Não é possível olhar para o que se passou a partir de 2013 e não reconhecer que o recuo (forçado) no corte de 4 mil milhões de euros em despesa pública teve efeitos positivos na economia portuguesa. Teve efeitos positivos em 2013, com a devolução dos subsídios de férias e natal. Teve efeitos positivos em 2014, porque o TC voltou a travar mais um corte de pensões e salários e fez com que, durante três meses, não houvesse quaisquer cortes salariais na função pública. E está a ter efeitos positivos em 2015: para além da devolução de 20% dos cortes salariais, o fim da Contribuição Extraordinária de Solidariedade devolveu cerca de 600 milhões de euros aos pensionistas. Como é evidente, tudo isto tem impacto positivo no Consumo, que é a variável que explica a saída da recessão (mas não da crise). Se juntarmos os efeitos positivos da queda do preço do petróleo, da queda dos juros e da desvalorização do euro, é fácil perceber por que razão cresce a economia portuguesa.

    Se, para além da despesa em salários e pensões, incluirmos o dinheiro público gasto a financiar estágios e todas as políticas activas de emprego, que são o que explica grande parte da criação de emprego nos últimos anos, é fácil concluir que, ao contrário do que nos é dito pelo Primeiro-Ministro e pela Ministra das Finanças, o aprofundamento dos cortes na despesa pública não gera prosperidade. Cortar nos salários, nas pensões, na saúde, na educação, no investimento em ciência e cortar em tudo o que cheire a Estado não é seguramente o caminho para criar emprego e crescimento económico. É o que nos mostra a experiência dos últimos anos. E é o que manda o bom senso.

    Depois de ter sido obrigado a devolver 600 milhões de euros aos pensionistas em 2015, o Governo já anunciou que, se os portugueses deixarem, quer voltar a cortar esses mesmos 600 milhões já em 2016. PSD e CDS não aprendem com a experiência e não têm nada a oferecer ao país.»

quinta-feira, março 26, 2015

Pior do que o anunciado, muito pior do que o previsto


    «Segundo o INE, a recessão em 2012 e 2013 foi bastante pior do que o previamente anunciado (que já era bem pior do que o inicialmente previsto):
      1) em 2012, PIB cai 4%, em vez de 3.4%;
      2) em 2013, PIB cai 1.6%, em vez de 1.4%;

    Ou seja, quando o governo implementou a sua estratégia de frontloading e austeridade expansionista, o PIB colapsou. A "espiral recessiva" só foi travada quando, a partir do segundo trimestre de 2013, o Tribunal Constitucional obrigou o governo a rever a sua estratégia e a recuar na austeridade prevista (quer na composição, quer no volume).

    Quando o governo não pôde cortar os 4 mil milhões de euros na despesa que Passos tinha considerado essencial para evitar um segundo resgate (ver declarações proferidas durante a campanha das autárquicas, em 2013), as coisas correram menos mal na frente económica e na frente orçamental.»

quarta-feira, maio 07, 2014

De mentira em mentira até às eleições

Expresso, 3.05.2014

Mão amiga fez chegar ao Expresso mais uma produção literária da central de propaganda: o Governo vai de peito feito para os mercados, mas, se estes voltarem a endoidecer, a Europa atira-nos um programa cautelar. Como quem consegue sol na eira e chuva no nabal.

Acontece que Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, em entrevista ao Expresso Diário, veio desmentir o spin governamental:

Expresso Diário, hoje

Isto reforça a irresponsabilidade desta «saída limpa». Não que tenha sido uma escolha como o Governo quer fazer crer — não foi —, mas porque a festa feita pelo Governo assenta numa mentira: a de que isto foi bom e que só foi possível porque o «ajustamento» correu bem.

quarta-feira, abril 02, 2014

As saídas limpas saem muito caras


O programa de assistência económica e financeira tem um objectivo primordial: o regresso de Portugal aos mercados. É preferível esperar pela conclusão do programa para avaliar os resultados, muito embora a simples observação de que estamos em presença de um país destroçado leve qualquer pessoa a inquietar-se quando se vê o Governo a falar de sucesso. Sucesso com quê?

Em todo o caso, uma coisa é certa: a saída formal da troika está a sair muito cara. A almofada financeira que o Governo está a constituir custou ao Estado, em 2013, 435 milhões de euros em juros. Vamos aguardar para saber em que condições é que se dá o regresso (ou não) aos mercados.

quinta-feira, fevereiro 13, 2014

"A oportunidade de aplicar um programa político há muito ambicionado"


• Fernando Medina, Uma tragédia em três atos :
    ‘«Portugal mais perto da saída à irlandesa». Era esta a manchete de anteontem do Negócios. Há quem queira ver nisto um «milagre económico português», mas provavelmente estamos perante o último ato da tragédia política, económica e financeira que se abateu sobre o país nos últimos anos.

    O primeiro ato foi o pedido de resgate e a chegada da Troika. No contexto da crise global e sistémica que atingiu a Zona Euro, está hoje amplamente demonstrado que a Europa queria para Portugal uma solução diferente do resgate à Grega ou à Irlandesa. Essa solução diferente estava encontrada e negociada, e foi conscientemente rejeitada pelos partidos da maioria. A vinda da Troika foi pois uma opção clara e consciente de vastos sectores em Portugal, numa aliança explícita entre aqueles que procuravam chegar avidamente ao poder e os que, na direita liberal, viram a oportunidade de aplicar um programa político há muito ambicionado. Foi assim que Portugal entrou num processo profundamente doloroso a nível económico, social e político.

    O segundo ato desta tragédia foi a forma escolhida para a execução do memorando de entendimento. Em vez de seguir uma estratégia prudente e flexível, assente na manutenção dos diferentes equilíbrios e numa atitude de negociação tensa e permanente com a Troika, o Governo optou por assumir como sua a leitura de que a "culpa da crise" estava nos países deficitários do Sul e no peso do Estado Social. O "front-loading" orçamental e a desvalorização salarial acelerada não resultaram sobretudo de uma imposição externa. Foram antes opções políticas conscientes de um projecto político e ideológico que tem no combate ao Estado e na desvalorização interna (e não no combate à crise) o seu elemento central.

    Os resultados desta estratégia são, infelizmente, bem conhecidos. Nenhuma das metas iniciais do memorando de entendimento foi cumprida, o défice continua elevado e não teve redução sustentável, a dívida disparou, a recessão foi muito mais profunda e o desemprego mantém-se em níveis socialmente insustentáveis. E mais importante, apesar de toda a retórica em torno das reformas estruturais, não assistimos a nada que possa indiciar uma qualquer melhoria da capacidade competitiva da economia portuguesa e da sua capacidade de crescimento. Pelo contrário, vários indicadores apontam para que estejamos pior ao nível do que são hoje modernos factores de competitividade (a imigração de quadros qualificados ou o investimento em ciência são dois exemplos apenas). Em síntese, a aplicação do programa constituiu para a direita liberal a oportunidade de concretizar um velho sonho, mas não permitiu ao país qualquer melhoria na sua capacidade de vencer a crise.

    Já com o fim (formal) do programa de ajustamento à vista entramos no terceiro ato desta tragédia. Nem o Governo português nem os governos europeus querem ouvir falar em mais resgates. Passos e Portas, motivados pela obtenção de ganhos políticos de curto prazo ("nós retiramos de cá a Troika e agora vamos melhorar"), contam com a cumplicidade pré-eleitoral da Europa para uma «saída limpa». Trata-se, na verdade, de uma saída sem rede, num momento em que o estado do país não se compadece com voluntarismos que podem ter efeitos irremediáveis.

    Na verdade, o peso da dívida pública no PIB que era de 70% em 2008 está hoje acima dos 125%. Na emissão de dívida desta semana (mais uma para preparar a «saída limpa») os juros superavam os 5%, mais do que aquele (já alto) que atualmente pagamos à Troika e muito mais alto do que as nossas condições realisticamente permitem sustentar. Ora, como nada nos permite antecipar níveis de crescimento económico (e de redução do défice) compatíveis com este nível de endividamento e de taxa de juro, é bem possível que nos estejam a empurrar para o abismo. E que estejam, ao mesmo tempo, a assegurar a entrada do país num período de "austeridade perpétua", agora sustentada pela necessidade de "não deixar a Troika regressar". De novo a aliança explícita entre os que procuram a todo o custo manter o poder e aqueles que o procuram para aplicação de um programa ideológico que não de superação da crise.

    Vítor Gaspar admitiu recentemente que se apercebeu da «força e da relevância da política» após a reação que a demissão de Paulo Portas provocou nos mercados. A história já aconteceu antes e repete-se agora, a propósito da «saída à irlandesa». Estamos a falar «da força e da relevância da política», mas da política de «p» pequeno, i.e., da prevalência do interesse próprio dos actores políticos sobre o interesse do país. Pois este último impunha outras soluções.’

quinta-feira, janeiro 30, 2014

Saída em falso

• Fernando Medina, Saída em falso:
    ‘Debater o interesse nacional nestes termos é, pois, um absurdo. Convém, desde logo, constatar uma realidade aritmética com taxas de crescimento e de inflação previsivelmente baixas, a única forma de assegurar a estabilização da dívida pública nas actuais condições de mercado é com saldos orçamentais primários elevados (para os que defendem a inevitabilidade de um caminho de redução rápida da dívida, numa leitura muito própria do tratado orçamental, a exigência de superavit é muito maior).

    Se a União Europeia funcionasse de forma regular, e se o nosso sistema político tivesse outra capacidade de compromisso, o debate seria outro: queremos um "pós-troika" assente em financiamentos com as actuais taxas de mercado, o que implica insistir na ideia de que seremos capazes de gerar um excedente orçamental elevado? Ou queremos antes defender na Europa a construção de uma solução mais realista, que reduza os encargos da dívida para patamares compatíveis com os previsíveis níveis de crescimento e correspondente trajectória orçamental? Percebe-se bem que um debate nestes termos não interesse ao Governo: a "saída da troika", num quadro de degradação menos visível dos indicadores económicos, parece-lhe mais do que suficiente para cantar vitória. Ao mesmo tempo, para os sectores mais informados da direita, esta solução tem a vantagem de deixar o país ainda mais amarrado à estratégia de austeridade que têm defendido: a austeridade continuará a ser necessária, agora já não para "tirar a troika" mas para "a troika não regressar".

    Mas todos aqueles que não acreditam na viabilidade deste caminho ganhariam em substituir o debate acerca das formas de saída da troika pelo debate das escolhas substantivas. São essas as escolhas que interessam e que podem levar o país a ganhar alguma coisa.’

segunda-feira, janeiro 13, 2014

Quando a “saída limpa” ou o programa cautelar
podem implicar juros maiores para a República Portuguesa



O spin governamental sobre a “retoma” e o programa pós-troika está a confundir muito boa gente. Vale muito a pena ver as duas intervenções de Ricardo Paes Mamede na última edição do Expresso da Meia-noite (via As Minhas Leituras):
    • A primeira sobre a situação da economia portuguesa;
    • A segunda, a partir dos 10:40, sobre o que se seguirá à saída da troika, sendo que os rótulos — “saída limpa”, programa cautelar ou 2.º resgate — mistificam o que aí vem, agravado pelo facto de o Governo, por motivos eleitorais, poder estar a querer optar por um programa de facto mais gravoso, em termos de custo do financiamento, para dizer que “salvou” o país.

sábado, janeiro 04, 2014

sexta-feira, janeiro 03, 2014

O Presidente deles

• Pedro Silva Pereira, O Presidente deles:
    ‘Na sua desconjuntada mensagem de ano novo, Cavaco Silva confirmou o que já se sabia: renunciou a ser o Presidente de todos os portugueses. A mensagem é elucidativa: está tudo a correr bem, como diz o Governo (do seu partido); deixou de haver limites para os sacrifícios que podem ser pedidos aos portugueses; sair do programa de assistência para um novo "programa cautelar" não é mau de todo; e ninguém conte com o Presidente para atrapalhar fazendo cumprir a Constituição. Em suma: não contem com ele para nada.

    O alinhamento de facção perfilhado pelo Presidente da República começa na sua persistente distorção das circunstâncias históricas que levaram ao pedido de ajuda externa. Na versão do Presidente, agora repetida, as coisas passaram-se assim: "Importa não esquecer que Portugal chegou, no início de 2011, a uma situação de colapso financeiro iminente, que levou o Governo de então a solicitar o auxílio de emergência das instituições internacionais. Hoje, existe a consciência clara de que não era possível continuar a caminhar rumo àquilo que, na altura devida, classifiquei de ‘situação explosiva'". Para construir esta narrativa manipulada, Cavaco Silva faz desaparecer, de uma só vez, a redução do défice e o controlo da dívida pública conseguidos pelo Governo socialista até 2007-2008 (à custa de medidas e reformas estruturais exigentes); a grande crise internacional de 2008-2009; a consequente crise das dívidas soberanas, que se instalou na zona euro em 2010 e, finalmente, o efeito devastador nos mercados causado pela crise política de Março de 2011, no seguimento da rejeição do PEC IV (que tinha acabado de obter o apoio expresso do BCE e dos nossos parceiros europeus). Será possível, com um mínimo de seriedade, contar a história do nosso pedido de ajuda externa sem sequer mencionar estes factos elementares e decisivos? O Presidente sabe que não mas faz de conta que sim. Prefere a sua versão distorcida, porque mais conveniente para si e para os seus. E é também isso que faz dele um Presidente de conveniência para alguns, não o Presidente de todos os portugueses.

    Por outro lado, a súbita indiferença do Presidente para com os "limites para os sacrifícios que podem ser exigidos ao comum dos portugueses", agora que eles são impostos, de forma agravada, pelo Governo da sua própria família política, diz mais do que mil palavras sobre os dois pesos e duas medidas que norteiam a gestão político-partidária do Presidente. Mas onde essa duplicidade mais insidiosamente se revela é no ostensivo apagão que se nota no discurso presidencial quanto às várias revisões do Memorando, que o Presidente trata como se nunca tivessem existido, apesar de terem estipulado o dobro (!) da austeridade prevista na versão inicial. Repare-se nas palavras cuidadosamente escolhidas pelo Presidente: "No ano que terminou, o Programa de Assistência Financeira subscrito por Portugal em 2011 com as instituições internacionais continuou a exigir pesados sacrifícios à maioria dos Portugueses". A intenção é clara: imputar ainda ao Memorando negociado pelo anterior Governo os sacrifícios que apenas foram exigidos nas suas posteriores revisões, em parte por força da desastrosa opção do actual Governo por um ‘front-loading' das medidas de austeridade (no quadro de uma austeridade "além da ‘troika'") e em parte decorrentes dos sucessivos fracassos na prossecução das metas, que se acumularam a ponto de minar a credibilidade do próprio Governo, como aliás reconheceu o ministro das Finanças Vítor Gaspar na sua reveladora carta de demissão.

    Neste contexto, não é propriamente uma surpresa que o Presidente, tal como fez em 2012, se escuse a pedir a fiscalização, preventiva ou sucessiva, da constitucionalidade do Orçamento para 2014, mesmo quando são mais do que muitas as dúvidas sobre as medidas que atingem os suspeitos do costume: funcionários públicos e pensionistas, em particular titulares de pensões de sobrevivência. A esses, na curiosa ponderação de custo-benefício a que o Presidente sujeita o seu dever de fazer cumprir a Constituição, saiu a fava: cabe-lhes suportar os custos, enquanto ao Governo sorriem os benefícios. É por essas e por outras que a garantia da Constituição não está apenas nas mãos do Presidente.’

Pareceres com nada

• Fernanda Câncio, Pareceres com nada:
    ‘Cavaco, abençoado seja, é um grande e inesgotável tema de comentário. Mas apresenta dificuldades: manter um registo publicável num jornal e atualizada a lista de todas as suas piruetas, contradições, sonsices e patifarias.

    Temos pois agora o não envio do OE 2014 para fiscalização da constitucionalidade: num dia diz que é fundamental evitar novo resgate (ele que nada fez para evitar o primeiro) e portanto a possível desconformidade do orçamento com a lei fundamental que se coiso; no seguinte, que "tem pareceres" certificando que as normas constantes do orçamento não são inconstitucionais. Realmente, para que precisamos de um Tribunal Constitucional? Era o Presidente divulgar os seus pareceres e ficava tudo esclarecido - a começar pelo quesito de saber quem os assina, já que o que apareceu anteriormente lá dos juristas de Belém é pouco parecido: "Quem tenha um nível de rendimento menor pode vir a ser obrigado, em razão do seu estatuto de funcionário público, a fazer um esforço contributivo sensivelmente maior do de quem tenha um nível de rendimento superior, importando aferir se, nestes cenários de desigualdade, o referido esforço contributivo é ou não excessivo, o que envolve a submissão da mesma norma a um teste de proporcionalidade." Isto é, imagine-se, do seu pedido de fiscalização do OE 2013. Portanto, em janeiro de 2013, os "pareceres" de Belém achavam que tirar uma parte do subsídio de férias - 220 euros - a um ordenado de 700 euros de um funcionário público só por ser funcionário público suscitava dúvidas quanto aos princípios da igualdade e proporcionalidade; em janeiro de 2014, tirar 313,6 euros anuais (3,2%) ao mesmo ordenado não faz duvidar de nada.

    O mesmo quanto ao corte nas pensões de sobrevivência: em janeiro de 2013, Belém via "a lesão do princípio da proteção da confiança" em reduções (a Contribuição Extraordinária de Solidariedade) que "frustram de forma súbita, em muitos casos exorbitante e carente de fundamento constitucional, as legítimas expectativas dos pensionistas em auferirem uma pensão cujo valor efetivo não se afaste excessivamente do valor esperado e calculado". Em novembro de 2013, indignava-se com o diploma da convergência, que incluía cortes de 10% em pensões de sobrevivência da CGA. Em janeiro de 2014, népias.

    Pode o PR ter mudado de juristas? Pode, claro. Pode até ter pedido em novembro a fiscalização de um diploma cujo chumbo obriga já a um orçamento retificativo, para nem mês e meio depois frisar que "o OE 2014 é um instrumento da maior relevância" para evitar novo resgate e "se exige a todos" (juízes do TC incluídos, naturalmente), "um sentido patriótico da responsabilidade". Quer dizer: Cavaco pode tudo, parece. É mesmo isso, quer parecer, que está decidido a provar - que é possível aparecer-nos um Presidente assim, e restar-nos esperar que passe.’

terça-feira, dezembro 17, 2013

Da banalização da mentira
— Os casos do plano B e da saída à irlandesa portuguesa

1. Ainda na semana passada, Passos Coelho repetiu que o Governo não se precaveu com um plano B para o caso de o Tribunal Constitucional chumbar o corte de 10% a aplicar às pensões acima de 600 euros pagas pela Caixa Geral de Aposentações. A troika desmentiu, através de um comunicado, o Governo: “Se algumas destas medidas forem consideradas inconstitucionais, o governo reafirmou o seu compromisso de que irá então identificar e aplicar medidas compensatórias de elevada qualidade para cumprir o objectivo do défice de 4% do PIB”.

2. Também na semana passada, Passos Coelho reafirmou que só em Janeiro do próximo ano o Governo irá estudar o que se segue ao programa de “ajustamento”, tendo colocado apenas duas hipóteses: ou uma saída à irlandesa ou um programa cautelar. Ontem, enquanto Paulo Portas e a Miss Swaps papagueavam a narrativa do alegado primeiro-ministro, o presidente do BCE, Mario Draghi, trocava-lhes as voltas: à saída do actual resgate, em Junho de 2014, Portugal só terá duas possibilidades — ou um novo resgate se não for capaz de se financiar no mercado ou um programa cautelar.

Mario Draghi dá três pauladas no Governo:
    • Deixa implicitamente cair que as negociações para a saída do programa de “assistência” estão em curso, ao contrário do que garantiu Passos Coelho;
    • Desmente o Governo de que uma saída à irlandesa é uma possibilidade;
    • Sublinha o falhanço do Governo no regresso aos mercados (anunciado por Vítor Gaspar para 23 de Setembro de 2012), que era o objectivo nuclear do programa de “ajustamento”.

3. Mas Draghi foi mais longe: ao sustentar que o fim do programa de “assistência” implicará um 2.º resgate ou um programa cautelar, arrancou das mãos do Governo a possibilidade de justificar o falhanço do regresso aos mercados com um eventual chumbo do corte das pensões. Antes de se conhecer o acórdão do Tribunal Constitucional, a sentença de Draghi é demolidora: Portugal terá necessidade de um novo programa.

4. Nem perante as derradeiras pressões sobre o Tribunal Constitucional por parte de entidades não nacionais — BCE, através de Draghi, e a troika —, o Presidente da República quebrou o seu ensurdecedor silêncio para as condenar e defender um órgão de soberania previsto na Constituição que jurou cumprir e fazer cumprir. Nada de novo na frente de Belém.

segunda-feira, novembro 11, 2013

Orquestra sem maestro [1]

Bloomberg

O Governo já afirmou tudo e o seu contrário relativamente ao financiamento externo a partir de 2014: que o país regressa aos mercados em pleno, que o país vai ter ainda de entrar com pezinhos de lã, que o país vai precisar de ser amparado e que o país vai estatelar-se contra a parede.

Foi a última versão desta epopeia, soletrada pelo alegado primeiro-ministro, que Rui Machete memorizou e decidiu partilhar com o mundo a partir da Índia: um segundo resgate não é evitável se as taxas de juro a 10 anos se mantiverem acima de 4,5%.

Machete é um homem que não guarda segredos. Alguém lhe disse que as averiguações que envolviam dirigentes angolanos tinham sido arquivadas e ele tratou logo de anunciar as boas notícias, socorrendo-se do meio mais à mão para conseguir ser ouvido pelas autoridades angolanas: a Rádio Nacional de Angola.

Agora, o ministro dos Negócios Estrangeiros terá ficado a conhecer no Conselho de Ministros a hipotética linha vermelha do 2.º resgate e comunicou-a ao mundo. Os mercados, como se pode ver na imagem supra, tomaram boa nota de que estão em presença de uma orquestra sem maestro.

Tudo leva a crer que Rui Machete foi uma escolha pessoal de Passos Coelho.

Machete foi, de novo, ao estrangeiro

segunda-feira, outubro 28, 2013

Programa cautelar

Jorge Nascimento Rodrigues [via Pedro Marques] escreve sobre o programa cautelar:
    “CAUTELA NO CAUTELAR -- a conversa fiada sobre a "linha cautelar" ou "seguro cautelar" continua, com a inacreditável patetice de nenhum dos intervenientes se dignar ir consultar o site do EFSF (FEEF em português, o Fundo que funcionou para os resgates) e ver quais são as "guidelines" sobre o assunto, aliás definidos desde novembro de 2011.

    Pois, imaginem, até há 3 variantes "cautelares", que são conhecidas pelas siglas PCCL (esta, na verdade, é aquela que tem no nome o termo "cautelar"), ECCL (uma linha de crédito com condições mais exigentes) e uma ECCL+ (que é a anterior mais uma protecção parcial de risco soberano).

    A piada da coisa é que os analistas internacionais inclinam-se mais para a ECCL, nem tanto para a PCCL (aquele que tem o "precautionary" na sigla que o ministro Pires disse na entrevista à Reuters em Londres ). Ah ah ah. Vão ter de deitar o "cautelar" às urtigas, se calhar.

    E os analistas inclinam-se mais para a ECCL, porquê?

    Porque a gente não chega aos calcanhares para ter uma PCCL.

    A nossa situação é "mais vulnerável" (do que o que se exige para uma PCCL), isto admitindo que o Eurogrupo e o BCE (e o FMI que continua a ser considerado um parceiro técnico) continuam, em 2014, a considerar que a dívida portuguesa é sustentável e que não há necessidade de um PSI (reestruturação da dívida dos credores privados) no médio prazo.

    Mesmo uma ECCL o que é que implica?
      # um MoU e um acordo de assistência
      # condições ex-ante e ex-post (a PCCL não tem condições ex-post)
      # dura 1 ano podendo ser renovada por 6 meses duas vezes (o que no nosso caso permitiria estender a linha até junho de 2016, grosso modo); depois acaba;
      # A linha pode ir de 2% a 10% do PIB do país solicitante; os analistas inclinam-se para a hipótese de Portugal requerer os 10% (o que andaria entre 16 e 17 mil milhões de euros).

    O que será avaliado, provavelmente o que tiver a ver com o "regresso aos mercados" (obrigacionistas) já realizada ou em perspetiva:
      a) trocas de divida com recompra de obrigações que vencem em 2014 (junho, outubro) e 2015 (outubro) -- como aliás se fez numa primeira abordagem em outubro de 2012; o IGCP poderá não fazer como em 23 de setembro liquidando na totalidade a OT que venceu no valor de 5,8 mil milhões;
      b) alguma emissão sindicada de dívida de médio ou longo prazo logo em 2014, eventualmente antes de junho -- como aliás se fez em janeiro e maio de 2013 com emissões a 5 e 10 anos.

    Com os níveis atuais indicativos no mercado secundário, ainda acima dos verificados em maio de 2013, não nos safamos. Teremos de continuar na prateleira e recorrer à almofada que o IGCP dispõe.

    Finalmente, há que insistir que a situação portuguesa e irlandesa não é comparável, nem como "aproximação". A Irlanda dispõe de uma almofada de 25 mil milhões de euros no seu "IGCP" e tem yields (ou seja juros indicativos) no mercado secundário de 1,27% a 2 anos (PT tem 3,9%), de 2,45% a 5 anos (PT tem 5,197%) e 3,54% a 10 anos (PT tem 6,2%).

    As vulnerabilidades da Irlanda são muito menores do que as portuguesas em qualquer análise mesmo superficial -- a Irlanda está mais próxima de uma verdadeira "cautelar" do que Portugal. A punição da sua economia e do seu povo foi menor -- o efeito acumulado de redução do défice orçamental primário entre 2011 e 2013 foi de 4% do PIB potencial (inferior inclusive ao de Espanha); no caso português foi de 6,73% do PIB potencial (dados das previsões da primavera de 2013 da Comissão Europeia) (…)”.

domingo, outubro 27, 2013

PAS versus PML

Dois temas:
    1. Um segundo resgate ou um programa cautelar
    2. Guião para a reforma do Estado