Mostrar mensagens com a etiqueta Segredo de justiça. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Segredo de justiça. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, outubro 30, 2015

Direito de difamar


• Fernanda Câncio, Direito de difamar:
    «Na semana passada, uma manchete do Correio da Manhã asseverava que numa conversa telefónica comigo após a detenção de Carlos Santos Silva a respetiva mulher me tinha dito, "sem margem para dúvidas", que o dinheiro nas contas do marido era na verdade de Sócrates. Sabendo que nunca tal conversa tinha ocorrido, fiz uma declaração pública acusando o Correio da Manhã (e a CMTV, que repetiu, em peça televisiva, as mesmas imputações) de difundir uma falsidade e anunciando ir exigir ao MP (o que já fiz) acesso direto às escutas em que sou interveniente - convém lembrar que o processo ainda está em segredo para quem, como eu, não é arguido nem assistente.

    Em resposta, a direção do CM exarou um revelador comunicado. Em vez de sustentar o que publicou e prová-lo, faz uma declaração genérica: "As escutas e os factos que o CM tem noticiado foram validados pelo juiz de instrução por serem determinantes na produção de prova no processo." Vale a pena olhar bem para esta frase: o que nela se lê, textualmente, é que o que o CM publica é validado por um juiz - no caso, Carlos Alexandre. Uma espécie, então, de censura prévia, e da qual ainda por cima a direção do CM se gabaria ao público?

    A ideia é risível, mas é aquela que o CM quer fazer passar. A de que se confunde em tudo com a justiça e está por ela "autorizado" - para tal se fez "assistente" no processo, pervertendo quer a figura do assistente quer a deontologia jornalística - funcionando como seu braço armado. Ora sucede que o CM engana os seus leitores, como a CMTV engana os seus espectadores, ao dar a entender que tem acesso direto e autorizado às "escutas" e "factos". Nesta fase, o que está de escutas no processo são resumos interpretativos, não as conversas ipsis verbis, e os "factos" são igualmente interpretações, ou seja, opiniões e perspectivas, da acusação. Que por sua vez o CM "interpreta" e falseia a seu bel-prazer, como no caso da conversa aludida. Falseamento tão óbvio que não existe em toda a peça publicada uma frase entre aspas com o conteúdo que o CM coloca em manchete, e por um motivo muito simples: tal frase não existe. De resto, a ausência de rigor é tal que o CM não diz sequer quem estava sob escuta: as duas interlocutoras? Uma só delas? Qual? Não interessa; para o CM é igual: vai tudo corrido a suspeito.

    Perante isto, que pode alguém fazer? Como se defende? Num Estado de direito democrático, recorre aos tribunais. Além de ações criminais e cíveis, interpus uma ação para tutela dos direitos de personalidade com vista a proibir que estes e outros meios continuem a invocar gratuitamente o meu nome e a minha qualidade de jornalista do DN em peças sobre o processo Marquês, transformando meras relações pessoais numa espécie de "suspeição por contaminação". Previsivelmente, serei acusada de "censura" e de "constrangimento ao exercício do direito de informar." É que, parece, há quem considere que é mais grave tentar impedir crimes do que cometê-los.»

terça-feira, outubro 27, 2015

O segredo de justiça é uma arma

Ontem no Público

    «1. Este é um excerto do jornal "Público", descrevendo o modus operandi seguido no Brasil na Operação Lava Jato:
      “[ A operação] Lava Jato (…) é levada a cabo por uma task-force de procuradores do Ministério Público e polícias federais comandados pelo juiz Sergio Moro, especializado em crimes financeiros e lavagem de dinheiro e um estudioso da Operação Mãos Limpas em Itália, cujas estratégias tem procurado aplicar na condução da Lava Jato.
      Uma delas é a fuga de depoimentos e provas para a imprensa e a ampla exposição mediática do processo ­– reforçada pela disseminação nas redes sociais –, garantindo o apoio da opinião pública e impedindo as figuras investigadas de travar o trabalho judicial.(…)”.

    2. É sempre bom conhecer os métodos usados pelas autoridades judiciais. Este é de facto muito próximo do que parece ser seguido agora pelo MP português, em vários processos.

    3. E é sempre bom perceber que, quando falamos dos outros, usamos de uma clareza que evitamos quando tratamos de nós.

    4. Só tenho uma dúvida: "fuga de depoimentos e provas para a imprensa" não é crime de violação do segredo de justiça?

    5. E não é um bocadinho feio que autoridades judiciais cometam crimes?»

sexta-feira, outubro 23, 2015

Tradições que nunca o foram


Hoje, Luís Montenegro lastimou-se por Fernando Negrão, que teve, em tempos, uns problemas embaraçosos com violações do segredo de justiça, não ter sido eleito para a presidência da Assembleia da República, afirmando ele não ter sido cumprida a tradição, o que vem sendo papagueado pelas televisões. É falso. Com efeito, Oliveira Dias, na imagem supra, foi presidente da Assembleia da República, sendo militante do CDS. E, tanto quanto se sabe, o CDS nunca esteve perto de vencer quaisquer eleições.

quarta-feira, junho 17, 2015

Violações

    «1. Vou-me dando conta de que aqui e ali se vai insinuando que as fugas de informação sobre o processo 'Operação Marquês' viriam da defesa, isto é, do lado de José Sócrates e dos seus advogados. Li até, mas não pude confirmar, que Maria José Morgado, diretora do DIAP, também já tinha posto publicamente essa hipótese.

    2. Não me canso de dizer que sou, profissionalmente, um cientista. Portanto, estou habituado a não pôr de parte nenhuma hipótese, por mais absurda que pareça, e, admitindo-a, sujeitá-la (a) à prova dos factos e (b) à lógica da razão.

    3. Prova dos factos, não posso fazer. Mas sei que o 'Correio da Manhã', a 'Sábado' e o 'Sol', que são os maiores beneficiários dessas fugas de informação e sabem, portanto, quem as comete, já nos teriam explicado que elas são cometidas pela defesa, se o fossem. Eles, que há tantos anos procuram convencer-nos de que Sócrates comete crimes, não deixariam certamente passar esta oportunidade soberana de demonstrar que, diretamente ou através dos seus advogados, cometeu reiteradamente este, de violar o segredo de justiça.

    4. Quanto à razão, também não me ajuda a acreditar nessa tal hipótese. Como é que alguém que se quer defender da imputação de crimes há de colaborar ativamente na sua própria condenação pública antecipada?

    5. Portanto, o meu espírito científico só pode arrumar a hipótese na mesma gaveta em que vem armazenando as tentativas de condenar fora do tribunal competente o ex-primeiro-ministro. Mas faz mais, básico como é: como o processo está à guarda dos magistrados que o conduzem, é a eles que institucionalmente responsabiliza pela violação dessa guarda; e como é à Procuradora-Geral da República que compete dirigir o MP também no apuramento dos criminosos que cometem este crime, é a ela que institucionalmente responsabiliza pela impunidade com que ele se comete em Portugal.»

terça-feira, junho 16, 2015

Quem quer publicar interrogatório em segredo de justiça?

    «Neste artigo, Luís Marinho - que não é uma pessoa qualquer: é um jornalista veterano - diz, preto no branco, que a transcrição de um interrogatório sujeito a segredo de justiça foi oferecida a vários órgãos de comunicação social. Ora:

    1. O jornalismo deve ou não ter por único critério o interesse público?

    2. É ou não é do máximo interesse público saber como são oferecidos documentos em segredo de justiça - por quem e a quem, por que meios e a troca de que contrapartidas?

    3. Sendo vários os jornais beneficiados com essa oferta, quais são? Porque recusaram os que recusaram? Porque aceitaram os que aceitaram? Sabendo como têm de saber quem os ofereceu, porque se recusam sequer a esclarecer a opinião pública de qual das partes - a acusação, a defesa, terceiros e que terceiros - saiu a oferta?

    4. Pelo menos esses jornais têm, por definição, as informações indispensáveis para responder a estas perguntas - sendo que, tendo havido vários casos em que as fontes também por definição os usaram para manipulá-los, estão por isso dispensados, à luz do Código Deontológico, do dever de as proteger. Então porque as protegem?

    5. Porque é que, havendo tanta 'investigação' jornalística sobre os crimes alegadamente cometidos pelos arguidos, não há nenhuma investigação jornalística sobre o único crime até agora efetivamente comprovado, a violação do segredo de justiça? E, não havendo, porque continuamos a falar de jornalismo?»

domingo, maio 17, 2015

Segredo de justiça sepultado

• João Araújo*, Segredo de justiça sepultado:
    «A 22 de abril, o juiz dr. Carlos Alexandre e o procurador-geral-adjunto dr. Rosário Teixeira, acompanhados de polícias diversos, iniciaram buscas de dois dias, nos escritórios do Grupo Lena. Terminada a cerimónia, um administrador do Grupo foi detido, constituído arguido, interrogado e sujeitado a prisão preventiva, logo convolada em prisão domiciliária.

    De pronto, jornais - de referência e de preferência - relataram as diligências, com detalhes em tudo e em todos coincidentes: marcas e número de computadores e gigabytes apreendidos; quantidade de pastas e de papéis; suspeitas, conclusões, alusões, e até pensamentos, do Ministério Público.

    Depois, as informações recolhidas, sobre contas e movimentos bancários, ilustradas com datas, quantias, gráficos, a desembocarem em nomes. E, setas corridas, sem nenhuma relação com o que constasse das contas, o nome de José Sócrates, a causa, afinal, de toda aquela agitação.

    Tratava-se, dizia-se, de diligências no seguimento da resposta das autoridades suíças, formalmente recebidas em fevereiro de 2015, a uma carta rogatória, urgente, de novembro de 2013, do Ministério Público, mais de um ano depois do envio da carta e de ter sido comunicada, ainda em novembro de 2013, a disponibilidade nas autoridades suíças da informação rogada. A pedido do Ministério Público, as autoridades suíças suspenderam o procedimento rogatório por mais de um ano, causando o alargamento, por vários meses, do prazo máximo de duração do inquérito, com influência sobre a planeada, já na altura e para a altura, prisão de José Sócrates.

    E certo é que as informações recebidas desmentem a teoria de que o dinheiro de Carlos Santos Silva pertence a José Sócrates: depois de tanta busca, de tantas detenções, de tantos interrogatórios, de tantas apreensões, o nome dele continua teimosamente ausente, tanto quanto distante José Sócrates está dos negócios, das contas e do mais de que ali se tratava.

    Por isso, chamá-lo ao assunto, como beneficiário de transações, sem correspondência com a informação recebida, mais do que especulação, é uma falsificação grosseira, uma mentira, como são outras tantas mentiras as novas vias inventadas de cambulhada para a investigação.

    Não ressaltando das notícias que a comitiva para buscas integrasse repórteres (já lá chegámos), é de concluir que aquela tanta informação, toda ela coincidente nos seus detalhes e unânime nas conclusões, foi transmitida pela investigação, por responsabilidade do senhor juiz, do senhor procurador, ou de ambos, que a ambos cabe a guarda do processo.

    Ficam, assim, sepultados os restos do "segredo de justiça" (salvo para esconder de José Sócrates os inexistentes factos da sua culpa). Confortados pelos arquivamentos, por colegas deles, dos processos de violação do segredo, animados pela inércia da procuradora-geral, protegidos da censura social por uma Imprensa acrítica ou conivente e pelo geral amedrontamento, os magistrados entraram em roda livre, num exercício de vale tudo, mesmo, ou sobretudo, tirar olhos.

    Entretanto, fica a saber-se que os 23 milhões que, diz o Ministério Público, o Grupo Lena gastou para obter "contratos de adjudicação" de 200 milhões, caíram para 17, sendo o Grupo Lena substituído por personagens novinhas em folha, incluindo um holandês, que ainda não tinha entrado na história.

    A par de tanta novidade, só falta dizer o que José Sócrates reclama: quem o corrompeu; para quê; onde; e como. Sem esse esclarecimento, de direito e de decência, o que este foguetório não esconde é o beco sem saída da história da corrupção.

    Eis ao que a Justiça chegou: uma prisão sem factos e sem provas; diligências essenciais proteladas; a busca da verdade substituída pelo alarido mediático cirurgicamente alimentado; a difamação, a calúnia, o sofisma, em lugar de imputações claras, sérias e honestas.

    No princípio disto tudo, José Sócrates denunciou a hipocrisia e a indiferença daqueles a que, por cargo ou por função, o país pode exigir voz. Falta denunciar a cobardia de tantos e a pequenina ambição de alguns. E a estupidez dos que pensam que os crocodilos poupam ao jantar os que os deixaram almoçar em paz.»

______
*Advogado

sábado, abril 18, 2015

A idade dos porquês (sobre jornalismo e justiça)

• Rui Patrício, A idade dos porquês (sobre jornalismo e justiça):
    «(…) Desde 2007, quando as leis penais foram revistas, que deixou de haver dúvidas de que qualquer pessoa, tenha ou não tido contacto com o processo, comete um crime de violação de segredo de justiça se divulgar o teor de actos de um processo que esteja sob segredo. O que (concorde-se ou não com a solução legal) se aplica também, e sem dúvidas, aos jornalistas. Não estão, obviamente, impedidos de investigar, mas, obviamente também, essa liberdade de investigar não é de investigar os elementos, os actos e os termos processuais e de os divulgar. O verdadeiro jornalismo de investigação - tão escasso entre nós quanto importante e necessário - significa investigar matérias que também podem estar a ser investigadas em processos, não significa investigar o processo que está em segredo e querer olhar para dentro dele. Todavia, dia sim, dia não, ou todos os dias (em certos casos), encontramos actos, elementos e termos de processos em segredo escarrapachados em jornais, telejornais e radiojornais. E nada acontece ou acontece muito pouco, apesar de cada uma dessas divulgações constituir um crime. Porquê? Também não há dúvidas de que a lei proíbe e pune a divulgação do teor de escutas telefónicas. Mas elas aí estão, às escâncaras, dia sim, dia não, ou todos os dias (em certos casos). E acontece pouco ou nada, não é? Porquê? (…)»

sexta-feira, abril 17, 2015

A lógica do “interesse público”

• Alberto Pinto Nogueira, A lógica do “interesse público”:
    «(…) Irmãs de sangue e alimento do segredo de Justiça são as escutas telefónicas. Instrumento sub-reptício de investigação de tudo e de todos. A usar, dizem as leis, quando o crime é impossível, ou quase impossível, de ser investigado com e por outros meios. Usadas, mantidas e armazenadas a torto-e-a-direito. Adicione-se o sigilo fiscal. À disposição de milhares que revelam o seu conteúdo a outros tantos milhares.

    Porque tudo se resguarda em segredo, os privilegiados, com avença nas sedes próprias, fazem disso negócio. Ao serviço do “interesse público”! Que também têm o privilégio de definir. De mão dada com os segredos de justiça e fiscal, informam-nos de tudo o que temos, devemos e precisamos saber sobre o vizinho. Vamos digerindo, meses a fio e em lume brando, a culpabilidade deste ou daquele. Conhecendo, sem pudor, aquela e esta faceta da sua vida privada.

    Humilhação, devassa, delação com vestes de “interesse público” não são umas boas, outras más. São o que são. Não se prescinde do comentário maldoso, da nota depreciativa, do juízo reprovador. Somos inteirados de que um ex-ministro, prendado com duas garrafas de vinho e tabaco, retribui com bilhetes de futebol. Outro não escreveu o livro que escreveu. Um magistrado disponibiliza o seu apoio a um visado. Dirigentes almoçam juntos, um terceiro paga a refeição. Merecem condenação comunitária na rua. A Justiça do Estado tem a mania dos códigos, regras, procedimentos. Dos direitos de defesa. Muitas vezes absolve. É ronceira. (…)»

sábado, março 28, 2015

Perguntar não ofende

Na biblioteca da SciencesPo (via ignatz)

Uma leitura mais atenta da folha com que o pequeno grande arquitecto se entretém a esbanjar os fundos que lhe chegam do paraíso fiscal do Panamá revela que a categórica (e elegante) manchete («Livro de Sócrates não foi escrito por ele») não tem correspondência no artigo, no qual se lança apenas uma hipótese: «Terá sido um professor catedrático português a escrever o livro A Confiança no Mundo - Sobre a Tortura em Democracia».

Seja como for, o outrora luminoso Sol já deu provas de que não está imune a alucinações. Mas aceitando que alguém possa ter vendido informações, alegando, para as valorizar, que estavam em segredo de justiça, cabe perguntar:
    1. Qual é o interesse que este fait-divers tem para as investigações em curso?
    2. Uma tese de mestrado relativamente avantajada pode ter sido ditada ao telefone?
    3. Sabendo-se que José Sócrates esteve em Paris entre 2011 e 2013, e observando que se trata de uma tese de mestrado que manifestamente não foi escrita do pé para a mão, pelo que terá começado a ser redigida (pelo menos) em 2012, desde quando é que o ex-primeiro-ministro está a ser investigado?

sexta-feira, março 27, 2015

Lista de infâmias

• Fernanda Câncio, Lista de infâmias:
    «(…) O problema será sempre a prática: quem, com que critérios e fito, definiria o universo dos contribuintes com proteção reforçada? E quem tem legitimidade para aprovar tal definição? E aí, já se percebeu, tudo nesta estória está errado. Não só a lista terá sido pensada na sequência de revelações sobre o historial contributivo do PM como ninguém quer assumir a sua existência, paternidade, responsabilidade e critério, o que nunca é um bom sinal.

    Ontem, não só vimos a revista Visão comprovar documentalmente a existência da dita lista como foi difundida a informação de que esta conteria apenas quatro nomes (o do PM, do PR e do vice-PM, mais o do secretário de Estado da Administração Fiscal). A ser assim - difícil crer, apesar de tudo -, a lista não seria uma medida de preservação de privacidade de pessoas avaliadas como sendo de alto risco de "ataque", aceitável embora discutível, mas uma clara instrumentalização da administração pública por parte de interesses privados. Os interesses das personalidades em questão e das forças e setores políticos que representam, assim protegidos por uma aplicação informática especialmente criada para o efeito pelo Estado - e em ano eleitoral.

    O mesmo ano eleitoral em que assistimos diariamente à "revelação", nos media, de alegadas peças processuais e informações apresentadas como estando em segredo de justiça, incluindo matérias do foro privado (e até político) sem que no governo uma sobrancelha se levante, quanto mais se proponham medidas, por exemplo de alerta informático?, para o evitar. O mesmo ano em que o governo propõe uma outra lista - a de abusadores sexuais com pena cumprida, obrigados a viver em perpétua exposição e infâmia - alegando para tal dados falsos sobre reincidência. Proteger a privacidade (intocabilidade) de uns, atacar e anular as de outros, usando o aparelho de Estado, a insídia e a demonização como meio para os dois fins: o método tem barbas e bastos exemplos históricos. Dá ideia é que há muita gente sem memória. Ou distraída.»

sábado, março 21, 2015

A submissão pelo medo

• Cristina Azevedo, A submissão pelo medo:
    «Dito isto, considero que está em curso, pela gestão integrada dos media e da justiça, designadamente no processo movido ao eng.° José Sócrates, um perigoso amedrontamento coletivo que nos tornará cidadãos mais fracos, mais submissos e mais vulneráveis.

    Qualquer cidadão que observe o desenrolar dos acontecimentos se vê entrincheirado entre, por um lado, uma justiça que apenas comunica generalidades sobre o processo, uma justiça, o que é pior, que teima em fechar os olhos a sistemáticas fugas de informação sobre quem devia ter à sua sigilosa guarda.

    E, por outro lado, uma comunicação social que desinforma porque diz tudo o quer, tantas vezes sem qualquer fidedignidade, queimando em praça pública um dos pilares mais importantes de qualquer regime democrático: a preservação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos como sejam o direito ao bom nome e à presunção de inocência até trânsito em julgado.

    Em conjunto, ambos os poderes quebram o seu contrato de confiança com os cidadãos e fragilizam dia a dia a iniciativa dos portugueses, paulatinamente amedrontados pelo cerco em que, finalmente, também cada um de nós pode ser enredado. E à medida que o tempo passa, o tic-tac kafkiano tudo reduz a uma névoa infinita. Seres humanos incluídos.

    É que, aquilo a que todos temos acesso sobre as sucessivas decisões judiciais, por exemplo no caso do eng.° Sócrates, não nos esclarece em nada, o que não estaria mal de todo se não estivesse o arguido permanentemente sujeito à apresentação, na generalidade dos media, de esquemas tortuosos, incriminatórios, sem a mínima validação factual ou, o que é pior, alegadamente provados por fuga de elementos do processo, o que é vergonhoso, antidemocrático e anticonstitucional.

    Afinal, sempre ouvi dizer que o direito penal é direito constitucional aplicado e a Constituição protege o direito ao segredo de justiça e determina que a lei estabelecerá garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas (...) de informações relativas às pessoas e famílias.

    Podemos continuar assim, mas seremos todos mais fracos, mais submissos e mais medrosos!»

sexta-feira, março 20, 2015

A inteligência das pessoas

• Fernanda Câncio, A inteligência das pessoas:
    «Há muito menos violação do segredo de justiça do que o que se crê. É o procurador-geral adjunto João Aibéo (acusador no julgamento do processo Casa Pia) a dizê-lo, durante um debate promovido na quarta à noite no Sindicato dos Jornalistas. Exemplifica: "Há uns 15 dias uma revista dizia que publicava todos os documentos secretos de um processo. Mas quem compra vê que nas 15 páginas de artigo nem um documento. Sim, há transcrições de um recurso, de uma resposta ao recurso, de um despacho judicial. Documentos, nenhuns."

    Mas os tais excertos são, alegadamente, de documentos em segredo. Responsabilidade de quem? Aibéo não sabe: é como, diz, adivinhar o que está atrás de uma porta fechada: "Não sei, portanto não posso dizer que não é um gato." Já o outro interveniente no debate, Eduardo Dâmaso, diretor adjunto do Correio da Manhã, sabe. Tem de saber - a publicação em causa, mais a TV do mesmo nome, são veículos privilegiados do que está, ou apresentam como estando, em segredo de justiça. E se vê na discussão sobre a matéria "um garrote da atividade jornalística que resulta muito de estratégias de defesa de pessoas que têm poder para as conduzir, dando a ideia de que a violação do segredo de justiça é o crime mais grave que um jornalista pode praticar". Prossegue: "É um crime dos anos 90, um crime da moda. Essas pessoas que estão hoje muito preocupadas com ele nunca se preocuparam quando a violação atingiu pessoas que não tinham importância social e económica." E conclui: "O segredo de justiça para mim não é um valor absoluto, se tiver de o violar violo, essa ponderação assumo como um direito totalmente legítimo enquanto jornalista."

    Parece assim assente que para Dâmaso o crime de violação do segredo de justiça, se não criado para proteger "poderosos", limita o jornalismo; violá-lo poderá pois ser um imperativo de interesse público. Quem passa o segredo ao jornalista estará então a colaborar com esse interesse, certo? Parece que não: "Pensar que o titular de um inquérito, um magistrado, num caso muito importante, tem interesse em promover a violação do segredo de justiça para obter a condenação pública de um arguido, é um pouco bizarro, porque [os arguidos] têm o poder e a capacidade de inverter essa discussão contra a justiça. Pensar que alguém do MP ou um juiz tem esse interesse de torpedear a própria verdade material de um processo - porque a violação do segredo torpedeia a verdade material da investigação, não tenho dúvidas sobre isso, e tem um efeito boomerang sobre a justiça - é muito pouco abonatório para a inteligência comum das pessoas." Então quem? "A quem aproveita o crime", diz o representante do CM. Além de aproveitar àqueles que publicam as violações, como o próprio e o seu grupo, o crime beneficia que outros interesses? Ora, os dos arguidos, responde Dâmaso. O mesmo que garante ser capaz de ir para a prisão para proteger as fontes - a não ser, diz, que o enganem.»

domingo, março 15, 2015

Paulo Pedroso sobre a prisão preventiva:
«a sensação que tenho é de que é aplicada em Portugal
com um efeito objetivo de destruição de credibilidade»

Paulo Pedroso dá hoje uma entrevista ao Diário de Notícias. Eis três passagens da entrevista:
    «A encenação mediática é extremamente negativa para a justiça, em geral, e para a possibilidade de justiça a José Sócrates. Todas as situações são diferentes, mas também devo dizer que há um tipo de relacionamento entre a administração da justiça - em particular nas fases de inquérito - e a comunicação social que é perverso, é mau para a justiça e tem-se repetido ao longo de muitos casos. Não falo só do meu caso - é um padrão que existe ao longo de muitos casos e sobre o qual a justiça não tem querido ou sido capaz de refletir. A encenação mediática da detenção de José Sócrates é algo que é muito difícil de imaginar que tenha acontecido por acidente

    «Se eu fosse jornalista e tivesse a informação de que um ex-primeiro-ministro iria ser detido, claramente que me mobilizava para isso. O problema não é esse. O que está em causa aqui é o seguinte: claramente, com um modus operandi que desconheço, existe um padrão de relação entre a administração da justiça e a comunicação social, que tem décadas, que não está a mudar e que funciona em prejuízo da qualidade da justiça, do prestígio da democracia e das instituições

    «Não quero ficar nas palavras vagas. Há um caso concreto que precisa de ser refletido: a prisão preventiva não é um pré-julgamento, não é uma pré-punição nem sequer depende da força dos indícios. É um juízo sobre a possibilidade de ocorrerem certos factos concretos. A sensação que tenho é de que é aplicada em Portugal com um efeito objetivo de destruição de credibilidade, o que para uma profissão que depende da credibilidade é punitivo. Além disso, e falo exclusivamente como cidadão, tenho muito dificuldade em imaginar como é que um cidadão que é detido no aeroporto quando chega a Portugal é preso preventivamente por perigo de fuga. Abstraindo do caso concreto: há dados mais do que suficientes para refletirmos sobre a aplicação da prisão preventiva e sobre se a cultura judiciária está a evoluir num sentido de acordo com o espírito da lei. E sobre que mecanismos possam existir para garantir que assim seja. O poder político não pode deixar-se levar pelos casos nem criar a ideia, particularmente patética, de ter por um exemplo um ministro da justiça a inibir-se de comentar leis. A origem de tudo isto são atos legais. O Parlamento não pode inibir-se... os políticos ficaram inibidos de comentar a justiça por parecer que estão a entrar numa luta de poderes - não, não é assim. O normal em democracia é que cada um dos poderes atue, dentro da sua esfera, para melhorar o sistema. No caso da justiça, há uma função do poder político que eu tenho muitas dúvidas que esteja a ser cumprida com eficácia.»

Da violação do segredo de justiça


• Magalhães e Silva, O crime de deslize:
    «Primeiro ponto: o jornalista tem o dever e o direito de informar, mas não é depositário de qualquer verdade, nem tem especial clarividência ou presunção de que informa com verdade.

    Segundo ponto: todo o cidadão tem direito a que, salvas razões de maior interesse público, se não saiba, até haver provas que o levem a julgamento, que está a ser investigado criminalmente.

    Terceiro ponto: se MP, Juiz ou Advogado violam o segredo de justiça, essa violação só é lesiva e eficaz porque o jornalista a publica.

    Quarto ponto: quando passar a ser jurisprudência que jornalista que viole o segredo de justiça – ou tem um deslize, no eufemismo da PGR –, sem razão de interesse público, vai para a cadeia, acaba este cancro da justiça penal e talvez passe a haver jornalismo de investigação, esse pilar insubstituível da democracia.

    Entretanto, aguarda-se o processo contra os magistrados que Joana Marques Vidal sabe que tiveram… deslizes!»

sábado, março 07, 2015

Sentido de oportunidade

O anterior congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público foi notícia porque, entre os «altos patrocínios» que obteve, estavam os grandes bancos, depois de alguns deles aparecerem envolvidos na malograda «Operação Furacão»:



Agora, para a realização do novo congresso, caíram os «altos patrocínios». O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público ficou-se por uns singelos «parceiros». Discutindo-se na hora actual tão intensamente a violação do segredo de justiça, a selecção dos «parceiros» não poderia ter sido mais apropriada, com os órgãos de comunicação da Cofina em peso:


sábado, fevereiro 28, 2015

O ESTADO DO ESTADO DE DIREITO

Miguel Sousa Tavares, O ESTADO DO ESTADO DE DIREITO [hoje no Expresso]:
    «(…) Três meses depois, o meu ponto de partida é o mesmo de então: não sei, não faço ideia e não tenho maneira de saber se as gravíssimas acusações que pendem sobre José Sócrates são verdadeiras ou falsas. Mas não é isso que está em causa agora: eu não faço a defesa de José Sócrates, faço a análise sobre as circunstâncias da sua prisão preventiva e de tudo o que tem acontecido à volta dela. Não é a inocência ou a culpabilidade de José Sócrates — que só se apurará em julgamento — que agora interessa: é o funcionamento do Estado de direito. E isso não é coisa pouca.

    Creio que uma imensa maioria dos portugueses julgará, nesta altura, que José Sócrates está muito bem preso. E por três ordens de razões diversas: uns, porque abominam politicamente Sócrates e acreditam que foi ele sozinho que criou 170 mil milhões de dívida pública (hoje, 210 mil milhões), assim conduzindo o país à ruína; outros, porque acreditam que o "Correio da Manhã", o "Sol" ou o "i" são uma fonte credível de informação e, portanto, já nem precisam de julgamento algum em tribunal, porque a sentença já está dada; e outros, porque, mesmo não emprenhando pelos ouvidos dos pasquins ao serviço da acusação, acreditam mesmo na culpabilidade de Sócrates e, por isso, a sua prisão preventiva parece-lhes aceitável.

    Porém, nenhum destes três grupos tem razão: o primeiro, porque confunde um julgamento político com um julgamento penal, assim fazendo de Sócrates um preso político; o segundo, porque prescinde de um princípio básico de qualquer sistema de justiça, que é o do contraditório e do direito à defesa do acusado: basta-lhes a tese da acusação para se darem por elucidados e satisfeitos; e o terceiro, porque ignora a diferença fundamental entre a fase de inquérito processual e a fase de julgamento. O erro destes últimos (que são os únicos sérios na sua apreciação) é esquecer que a presunção ou convicção de culpabilidade do arguido por parte do juiz de instrução, as suspeitas, os indícios ou as provas que o processo possa conter, não servem de fundamento à prisão preventiva. Se assim fosse, a fase de inquérito seria um pré-julgamento, com uma pré-sentença e uma pena anterior à condenação em julgamento: a pena de prisão preventiva. Que é coisa que a lei não prevê nem consente e que, a meu ver, é aquilo que o juiz Carlos Alexandre aplicou a José Sócrates e a Carlos Santos Silva.

    A lei consente apenas quatro casos em que o juiz de instrução pode decretar a prisão preventiva de um arguido: a destruição de provas, a perturbação do processo, o perigo de fuga ou o alarme social causado pela permanência em liberdade. Sendo esta a medida preventiva mais grave e de carácter absolutamente excepcional (visto que se está a enfiar na prisão quem ainda não foi julgado e pode muito bem estar inocente), a liberdade de decisão do juiz está taxativamente limitada a estas quatro situações e nada mais.

    Não interessa rigorosamente nada que o juiz possa estar absolutamente convencido da culpabilidade do arguido: ou existe alguma daquelas quatro situações ou a prisão preventiva é ilegal. (E convém recordar que, ao contrário daquilo que as pessoas foram levadas a crer, o juiz de instrução não é parte acusatória, mas sim equidistante entre as partes: cabe-lhe zelar tanto pela funcionalidade da acusação como pelos direitos do arguido).

    A esta luz, é difícil ou impossível enxergar em qual dos quatros fundamentos se abrigará Carlos Alexandre para manter Sócrates e Santos Silva em prisão preventiva. O perigo de destruição de provas é insustentável, depois de revistadas as casas dos arguidos, apreendidos os computadores, escutadas as chamadas telefónicas durante mais de um ano. O perigo de perturbação do processo ("fabricando contratos", como foi veiculado para a imprensa) tanto pode ser consumado em casa como na prisão, através do advogado ou por outros meios. O perigo de fuga, para quem se entregou voluntariamente à prisão, tem o passaporte apreendido e pode ser mantido sob vigilância visual e de pulseira electrónica em casa, só pode ser invocado de má fé. E o alarme social, só se for nas páginas do "Correio da Manhã". A avaliar por aquilo que nos tem sido gentilmente divulgado, o dr. Carlos Alexandre não tem uma razão válida para manter os arguidos em prisão preventiva. E mais arrepiante tudo fica quando se torna evidente que o motorista de Sócrates só foi preso para ver se falava, e foi solto, ou porque disse o que o MP queria (verdadeiro ou falso) ou porque perceberam que não tinha nada para dizer. Ou quando a SIC, citando fontes do processo, nos conta que uma das razões para que a prisão preventiva de Carlos Silva fosse prorrogada por mais três meses foi o facto de ele não ter prestado quaisquer declarações quando chamado a segundo interrogatório por Rosário Teixeira. Se isto é verdade, quer dizer que estes presos preventivos não o foram apenas para facilitar a investigação (o que já seria grave), mas para ver se a prisão os fazia falar. Nada que cause estranheza a quem costuma acompanhar os processos-crime, onde a auto-incriminação dos suspeitos — por escutas ou por confissão — é quase o único método investigatório que a incompetência do MP cultiva (e, depois da transcrição da escuta feita a Paulo Portas no processo dos submarinos, ficámos a saber que a incompetência pode não ser apenas inocente, mas malévola e orientada).

    Dizem-nos agora os suspeitos habituais que a prorrogação da prisão preventiva daqueles dois arguidos, requerida pelo MP e fatalmente acompanhada pelo juiz, se ficará a dever à chegada de novos factos ou novas "provas" ao processo — o que, em si mesmo, contradiz o fundamento da prisão baseado em potencial destruição de provas. Pior ainda é se essas tais "novas provas" não são mais, como consta noutras fontes, do que os dados bancários da conta de Santos Silva na Suíça, cuja chegada ao processo o MP terá atrasado deliberadamente durante um ano, justamente para as poder usar no timing adequado para fundamentar a prorrogação da prisão preventiva. Porque ninguém duvida de que tanto o procurador como o juiz estão dispostos a levar a prisão até ao limite absurdo de um ano, sem acusação feita.

    Que a tudo isto — mais a já inqualificável violação do segredo de justiça, transformado numa espécie de actividade comercial às claras — se assista em silêncio, com a procuradora-geral a assobiar ao vento e o Presidente da República, escudado na desculpa da separação de poderes, fingindo que nada disto tem a ver com o regular funcionamento das instituições, que lhe cabe garantir, enquanto se discute, nem sequer a pena ilegal de prisão preventiva, mas a pena acessória de humilhação de um homem que foi duas vezes eleito pelos portugueses para chefiar o Governo e que agora se bate pelo direito de usar as botas por ele escolhidas e ter um cachecol do Benfica na cela, é sinal do estado de cobardia cívica a que o país chegou. As coisas estão a ficar perigosas. Eu não votarei em quem não prometa pôr fim a esta paródia do Estado de direito.»

sexta-feira, fevereiro 27, 2015

Separação de poderes

Paula Teixeira da Cruz invoca «lealdade institucional» e «um profundo respeito pelo princípio da separação de poderes» para se recusar a comentar as recorrentes violações do segredo de justiça. Mas de imediato não se escusa a comentar a «acção penal». O Público regista o episódio através deste lead genial:
    «Governante não quis comentar as declarações da procuradora-geral da República sobre as violações do segredo de Justiça, alegando a separação de poderes. Porém, salientou a "mudança efectiva" na "actuação de todas as forças e de todos que devem intervir na acção penal".»