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sábado, fevereiro 21, 2015

quarta-feira, junho 11, 2014

«Uma bola de neve com uma bomba-relógio acoplada»

• Alexandre Abreu, A máquina de criar dívida:
    «(…) Para Portugal e para as periferias europeias, a moeda única significou uma escolha entre estagnação e endividamento. Neste momento, já nem sequer há escolha: significa estas duas coisas ao mesmo tempo.

    E agora? Agora temos nas mãos o Euro, a dívida externa (só no primeiro trimestre de 2014, a PII aumentou de -196 mil milhões de Euros para -205 mil milhões) e a dívida pública (reflexo secundário do problema principal, e que anda pelos 130% do PIB). O emprego e o investimento estão no estado que se conhece. E poucos são os que reconhecem a dimensão ou a verdadeira natureza do problema: a maior parte dos políticos, economistas e comentadores preferem contar-nos histórias de encantar, politicamente convenientes, sobre o que se passou para trás e o que se vai passar para a frente. (…)»

sábado, maio 17, 2014

Balanço de três anos de guerra civil: um povo massacrado

A brutal destruição de emprego


A violenta destruição de emprego não aconteceu por acaso nem pela consabida incompetência dos estarolas. Tratou-se de uma estratégia friamente concebida pelo Governo de Passos & Portas, de que o alegado primeiro-ministro se vangloriou: a «selecção natural das empresas que podem melhor sobreviver» está feita. Esta «selecção natural» causou a destruição de cerca de 420 mil empregos até ao final de 2013.

A quebra abrupta do poder de compra


A preços constantes, o rendimento médio por habitante passou de 15,3 mil euros em 2010 para 14,4 mil euros em 2013. Por outras palavras, cada português teve em 2013 um poder de compra que era 843 euros mais baixo do que o registado em 2010. Os resultados da estratégia de empobrecimento, tendente a criar uma economia assente em baixos salários, estão à vista.

O «enorme aumento de impostos»


O «enorme aumento de impostos» anunciado e levado a cabo por Vítor Gaspar foi uma das marcas deste Governo. Com a carga fiscal a atingir valores historicamente muito elevados, esta operação de grande envergadura atingiu sobretudo os trabalhadores por conta de outrem. No plano político, causou também danos irrevogáveis no autodenominado partido do contribuinte, pondo termo ao tempo de dissimulação de Paulo Portas.

O enorme aumento da dívida


O grande objectivo do Governo e da troika fracassou: a redução da dívida externa. Em especial, a dívida pública disparou. A contracção do PIB (que está ao nível de 2001) e o «efeito bola de neve» (cf. aqui e aqui) sugerem que, apesar da poeira lançada para o ar («libertação da troika»), o Governo está a atirar o país contra a parede.

Como escreve hoje o Libération, depois destes três anos, «le Portugal a la gueule de bois» (i.e., está de ressaca). Com o Governo a querer prosseguir a obra de desmantelamento do Estado Social e de imposição de uma economia de baixos salários.

* Baseado neste artigo do Jornal de Negócios

sexta-feira, março 21, 2014

A confissão de Passos Coelho:
o cenário de sustentabilidade da dívida
não cumpre o tratado orçamental



O vídeo reproduz uma passagem de uma intervenção de Passos Coelho no debate de preparação do Conselho Europeu, antontem na Assembleia da República. Vê-se o alegado primeiro-ministro a admitir que o cenário de sustentabilidade da dívida não cumpre o tratado orçamental. Ora, se não cumpre, serve exactamente para quê? Para impor a agenda da direita que visa desmantelar o Estado social, descapitalizar a segurança social, intensificar a precariedade laboral e esmagar os salários.

Vale a pena ver a confissão de Passos Coelho.

segunda-feira, março 17, 2014

O elefante na sala


• João Galamba, O elefante na sala:
    «Quem não gosta do manifesto e das suas propostas só tem uma opção: aceitar a interpelação dos seus 70 subscritores e apresentar uma solução melhor. No famoso prefácio do seu "Roteiros VIII", Cavaco Silva anunciou ao país que as atuais políticas são para manter durante mais 20 anos e pediu um consenso em torno desse calvário. O consenso apareceu; só não era o consenso que o presidente tinha pedido. Perante o cenário desolador apresentado pelo presidente, 70 personalidades subscreveram um manifesto que parte do pressuposto de que a estratégia que está pensada para o País é económica, social, financeira e politicamente insustentável. Perante isto, como é evidente, torna-se necessário uma alternativa, que, segundo os subscritores do manifesto, tem de passar pela reestruturação da dívida pública, sem a qual não será possível libertar os recursos necessários para garantir o desenvolvimento económico e social do país, condenando Portugal e os Portugueses a um empobrecimento permanente.

    As reações não demoraram a aparecer. Ataques pessoais, acusações de anti-patriotismo - tudo serviu para atacar o manifesto, mas, sobretudo, quem o subscreveu. Aparentemente, dizer que o rei vai nu e que é preciso uma alternativa é pecado, um crime de lesa-pátria. Passos Coelho chegou mesmo a referir-se aos subscritores - que incluem nomes como os de Adriano Moreira, Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix, Ferro Rodrigues, Francisco Louçã, Carvalho da Silva, António Saraiva (CIP) - com o epíteto "essa gente".

    Os críticos do manifesto podem achar que a proposta é arriscada ou até mesmo errada; o que não podem fazer é ignorar o elefante na sala e fingir que está tudo bem. Essa posição, sem mais, redunda numa defesa implícita da atual estratégia, que os subscritores do manifesto consideram insustentável. Uma crítica séria ao manifesto deve contrariar o ponto de partida dos seus 70 subscritores, isto é, a ideia de que a estratégia que está em cima da mesa e que tem sido defendida pelo Governo não é insustentável. Curiosamente, não vi nenhum dos críticos tentar sequer fazer este exercício. Assumem, sem argumentar, que não há alternativa. Como é evidente, isto é uma não-resposta.

    Passos Coelho, justiça lhe seja feita, foi um pouco mais longe e tentou defender as suas opções, apresentando números. Acontece que os números do primeiro-ministro dão razão aos subscritores do memorando. De acordo com um texto do economista Ricardo Pais Mamede no blog Ladrões de Bicicletas, o cenário avançado por Passos consegue três proezas: viola o tratado orçamental (o ritmo de descida da dívida é três vezes inferior ao previsto), tem uma probabilidade de acontecer próxima de zero e, mais ainda, consegue ser bastante optimista. Se o objetivo de Passos era o de assegurar a credibilidade e sustentabilidade da sua estratégia, este não é seguramente o caminho.

    Por tudo isto, o máximo que os críticos do manifesto conseguiram fazer foi regressar à casa da partida, isto é, a uma situação insustentável que carece urgentemente de uma resolução. Quem não gosta do manifesto e das suas propostas só tem, portanto, uma opção: aceitar a interpelação dos seus 70 subscritores e apresentar uma solução melhor. Até que isso aconteça o manifesto "Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente" é a única proposta séria que existe.»

Por que devemos debater reestruturações

• Rui Peres Jorge, Por que devemos debater reestruturações:
    «A última semana ficou marcada por uma acesa polémica sobre um manifesto apresentado por mais de sete dezenas de portugueses que apoia a reestruturação da dívida pública. O debate vem tarde e só peca por não enquadrar a questão no contexto mais amplo do endividamento total, privado e público. E que o desafio é de tal ordem que o que me espanta não é que 70 pessoas tenham colocado a questão na ordem do dia, mas que muitos mais se recusem discutir abertamente o problema na sua essência.

    Comecemos por alguns dados:
      • A dívida pública portuguesa atingiu os 130% do PIB no final de 2013, o que coloca Portugal como o sexto país do inundo com maior peso de dívida (à frente estão Japão, Grécia, Líbano, Jamaica e Itália). A média da Zona Euro está nos 90%, já superior aos máximos registados no pós-Segunda Grande Guerra;

      • A factura de juros da actual dívida ronda os 4,5% do PIB ao ano. Para cumprir o compromisso europeu mais básico, Portugal terá de caminhar para um excedente orçamental antes de juros na casa dos 4% do PIB nos próximos anos, e de 3% na década seguinte, valores nunca registados no Portugal democrático e difíceis de encontrar na Europa nas últimas décadas. Acresce que o envelhecimento populacional pressiona cada vez mais as contas e as perspectivas de crescimento não são animadoras;

      • Todos, mesmo a troika, concordam que para a dívida pública ser sustentável, será central que a economia cresça próximo dos 4% em termos nominais (2% em termos reais), num momento em que decorre todo um debate internacional sobre a possibilidade de termos entrado numa fase de baixo crescimento permanente nas economias avançadas;

      • Na frente privada, as empresas e as famílias devem cerca de 280% do PIB, do qual 165% está por conta das empresas, que ocupam o quarto lugar, no ranking da Zona Euro. Para manter o "stock" de dívida privada constante, seria necessário que o sector privado crescesse quase três vezes mais do que a taxa de juro, num contexto de bancos com prejuízos e custos de financiamento especialmente elevados;

      • Finalmente, entre 1970 e 2008, mais de 80% dos casos de incumprimento em países de rendimento médio aconteceram com níveis de dívida externa (privada e pública) inferiores a 80% do PIB. Entre 1970 e 2000, a média da dívida externa nas economias avançadas foi de 55% do PIB. No final do ano passado, Portugal devia ao exterior mais de 250% do PIB - quase cinco vezes mais.

    Perante estes valores, como digo, é muito mais estranho que se recuse debater o problema, do que existirem 70 pessoas que considerem que a situação é insustentável. Aliás, o risco de algum tipo de reestruturação é uma percepção generalizada entre especialistas em endividamento. E é mesmo muito fácil encontrar economistas da área financeira que as recomendam. (…)»

sexta-feira, março 14, 2014

Com amigos destes, quem precisa de inimigos?

«Estão a defender aquilo que António José Seguro defende há dois anos», foi a reacção de Álvaro Beleza, dirigente do PS, ao Manifesto dos 70, para depois fazer um convite pouco amistoso à adesão ao Novo Rumo: «Podem inscrever-se».

Duas breves frases disparatadas revelam o que não se deve fazer em política. Por um lado, Beleza enfatiza que as palavras de António José Seguro não têm tido a ressonância que seria de esperar. Por outro lado, ao hostilizar os signatários do Manifesto dos 70, não está a contribuir para um consenso alargado de todas as forças e personalidades que se opõem à política da canalha que se alçou ao poder. Entre abrir o Novo Rumo à sociedade ou transformá-lo num bunker, Álvaro Beleza parece ter feito a escolha errada.

quinta-feira, março 13, 2014

«Só será possível em ditadura»


«70 personalidades vieram dizer o que estava à vista de todos mas não podia ser dito: a dívida tem que ser reestruturada nos seus prazos, juros e montantes. Passos apressou-se a reafirmar a fantasia oficial, amparado por considerações morais despropositadas sobre a obrigação de cumprir que impende sobre os devedores, como se a economia existisse com o exclusivo propósito de blindar os credores contra o risco de incumprimento, e como se este risco não fosse remunerado pelos juros reclamados. Como pode Passos persistir na fantasia, ainda por cima convencido que a realidade dos números não se impõe aos credores com a mesma força com que se impôs aos 70 subscritores? A explicação é brutal, mas simples: Passos considera que a despesa pode ser ilimitadamente comprimida, ano após ano, para se ajustar às metas fixadas. Acredita que novas medidas, novas falácias, novas mentiras, inimagináveis sacrifícios pseudo-temporários, poderão submeter continuamente o país, aterrorizado, a um destino de austeridade eterna. Acha que a chave do problema é a despesa, ou seja, os velhos, a saúde, a educação, os funcionários. Agora uns, depois outros, no fim todos. Com o despedimento a gosto e um exército de desempregados e emigrados, Passos vai converter Portugal num novo Chile. Passos não o diz (se calhar não o compreende) mas ele representa o fim do projecto nacional iniciado com o 25 de Abril. Com ele ou sem ele, a revolução reaccionária que planeia e executa só será possível em ditadura

As 9 falácias de João Vieira Pereira

• João Galamba, As 9 falácias de João Vieira Pereira:
    «1- O uso da palavra reestruturação só é um erro presumindo que os investidores são tolos. Ficamos sem perceber se João Vieira Pereira prefere outra palavra ou - o que é o mais provável - prefere que nem se fale do tema. Se for a segunda, a posição de JVP deve ser reformulada, passando a ser "aceitemos, de forma resignada, a nossa servidão", não ousando nunca pô-la em causa. Pelo menos ficava mais claro e sempre se percebia que o problema de JVP não é com um alegado erro deste manifesto, mas sim toda e qualquer iniciativa que vise a reestruturação da dívida. Quanto ao facto de uma reestruturação ser "suja e traumática", importa perceber se será menos suja e traumática do que a estratégia alternativa, que é a que temos hoje e que não consta que seja limpa e regeneradora;

    2- O problema dos saldos primários positivos é saber qual o seu impacto económico e que precisamos de fazer para lá chegar, realidade que JVP parece desconhecer ou, pior, desvalorizar, assumindo, sem argumentar, que saldos primários positivos são naturalmente desejáveis e indolores. Reduzir o défice público por via da austeridade retira recursos da economia (mau para a economia), corta salários dos FP (mau para os FP e para a economia), corta pensões (mau para pensionistas e para a economia), corta prestações sociais (mau para quem delas precisa ou tem direito e mau para a economia), corta no investimento público (mau para a economia presente e futura), diminui a capacidade de desalavancagem do sector privado (empresas e famílias têm menos rendimento, logo têm mais dificuldade em poupar), etc. A austeridade é um erro económico, um erro financeiro, um erro social e, sim, um enorme erro politico. Que JVP, depois da experiência dos últimos anos (em Portugal e não só), não perceba isto diz mais sobre JVP do que sobre qualquer dos subscritores do manifesto;

    3- Os últimos dados do PIB não desmentem a afirmação de que sem reestruturar a dívida não será possível canalizar recursos para a economia; na verdade, confirma-o. Basta ver o que nos dizem os dados do INE: a procura interna cai menos do que o previsto porque houve menos austeridade do que o previsto, pelo que mais austeridade, como defende JVP, prejudica a retoma, nunca o inverso. O manifesto não defende que o Estado é o motor da economia, limita-se a constatar verdades elementares de macroeconomia que qualquer estudante do primeiro ano de licenciatura tem o dever de conhecer;

    4- Quem diz que "sem reestruturação a única via é a da austeridade" limita-se a constatar que se cerca de 8 mil milhões de juros forem intocáveis, então, para baixar o défice como está previsto nas regras europeias, temos de cortar salários, pensões, saúde, educação, prestações sociais e investimento público, o que prejudica o crescimento;

    5- A reestruturação da dívida não tem um impacto menos nos balanços dos bancos do que a austeridade que está prevista, como se constata pelos valores do crédito malparado, que, em Janeiro, atingiram um novo máximo histórico. Mais, como dizem todos os estudos, o principal bloqueio à retoma do investimento é a falta de procura (ver, por exemplo, o inquérito de conjuntura publicado pelo INE), problema que é agravado pela insistência nas políticas de austeridade;

    6- Entre os subscritores do manifesto, há quem sempre tenha dito que a entrada no euro foi um erro, outros que chegaram à conclusão que foi um erro, outros que acham que, não tendo sido um erro, o euro, na sua actual configuração, é insustentável, etc. Enfim, esta parece-me uma questão certamente fascinante, mas absolutamente irrelevante para avaliar o manifesto e o que lá está proposto;

    7- As taxas de juro são baixas ou altas consoante o contexto. Taxas de 3.9% não têm de ser mais sustentáveis do que 5.6%, tudo depende da taxa de crescimento do PIB nominal. Ora, com crescimentos reais previstos não muito diferentes dos da (alegada) década perdida, mas num cenário de deflação, estas taxas não são mais sustentáveis. Aliás, basta ver o quadro que consta da página 36 do relatório do OE2014 para se perceber, mesmo num contexto de taxas nominais historicamente reduzidas, o efeito bola-de-neve (diferença entre taxa de juro nominal e taxa de crescimento nominal do PIB) é a principal causa para o aumento da dívida pública;

    8- A dívida ao sector oficial também inclui a dívida detida pelo BCE. Mesmo excluindo a dívida ao FMI, estamos a falar de mais de 70 mil milhões de euros, mais de um terço do total. É pouco? Mais, para quem se assusta tanto com a reacção dos investidores, devia apoiar esta posição: é a garantia de que os investidores não se assustavam tanto; isto até podia fazer baixar os juros nos mercados da dívida;

    9- JVP acha que crise que vivemos é da responsabilidade de políticas orçamentais do passado. Haverá certamente subscritores do manifesto que partilham dessa posição, mas será assim tão difícil de perceber que há muitos que olham para esta crise de uma forma radicalmente diferente de JVP. Eu, por exemplo, acho que esta não é uma crise de finanças públicas, mas sim uma crise de balança de pagamentos numa moeda que foi criada no pressuposto de que esse tipo de crise era uma impossibilidade. Esta minha posição não é uma excentricidade socialista, basta estar atento ao que muitos (em Portugal e, sobretudo, "lá fora") têm dito e escrito sobre os tempos que vivemos. A proposta de encontrar uma solução num quadro europeu abandona a interpretação moralista e comportamental da crise e coloca o problema da esfera de onde nunca devia ter saído, a da dimensão sistémica, e portanto, europeia desta crise;

    JVP acha que este manifesto vem perturbar uma trajectória que, primeiro, até está a correr bem e, segundo, tem todas as condições para ser bem sucedida. Como este é o ponto que os subscritores do manifesto rejeitam, a argumentação de JVP incorre numa petição de princípio. Como manda a lógica, não se pode invocar um pressuposto contestado pelo manifesto para criticar o manifesto. É como alguém dizer que as regras do euro têm de ser revistas porque são insustentáveis e, depois, vir alguém criticar essa posição dizendo que ela viola as regras do euro. Tenho a certeza que JVP concordará que isso seria um absurdo argumentativo.»

«Nenhum entendimento é possível
em torno de uma política de austeridade patológica
que apenas conduz ao empobrecimento,
à perpetuação de atrasos e à acentuação de desigualdades»


• Francisco Assis, Um documento de excepcional significado:
    «(…) este texto tem ainda a vantagem de recolocar o debate político interno nos termos mais adequados: não importa tanto saber como vamos sair deste período da troika, interessa sobretudo perceber como vamos iniciar e prosseguir o período pós-troika. A questão fundamental não é a de saber se teremos uma saída mais ou menos limpa, ou mais ou menos condicionada. A questão é outra: é a de sabermos como poderemos conciliar preocupações sérias em matéria de consolidação das finanças públicas com objectivos imperiosos de crescimento económico e manutenção de um Estado-providência de elevada qualidade. Já se constatou que nenhum entendimento é possível em torno de uma política de austeridade patológica que apenas conduz ao empobrecimento, à perpetuação de atrasos e à acentuação de desigualdades. Precisamos urgentemente de conceber outro tipo de entendimentos em torno de políticas de natureza diferente. (…)»

sábado, março 01, 2014

O direito à alucinação

Admito que possa ser mesmo o único leitor de Saraiva. A ideia de que o pequeno grande arquitecto entra em estado de alucinação quando se dispõe a ditar à secretária as suas bizarrias fascina-me. Ontem, dizia ele com aquele ar de especialista de ideias gerais: “Antes da crise, a dívida externa portuguesa (que inclui as dívidas todas, das empresas às famílias) estava a crescer assustadoramente, a dívida do Estado idem, o défice comercial a mesma coisa. O país era um carro que seguia a alta velocidade em direcção a uma parede.”

E “depois” da crise, ó pequeno grande arquitecto, já nos estatelámos contra a parede?

Vai ser um choque quando ele suspeitar que a dívida externa continua a subir e a dívida do Estado acabou de bater um record que resistia desde o século XIX. Quanto ao défice comercial, é verdade que foi sustido, tal como aconteceu em 1943, quando a II Grande Guerra impôs um racionamento. Mas é este o modelo que o pequeno grande arquitecto defende para o país? Os pregoeiros da direita perderam a vergonha.

quinta-feira, fevereiro 20, 2014

Sobe, balão, sobe


Foi hoje publicado o Boletim Estatístico (2/2014) do Banco de Portugal. Observa-se que a dívida externa — o maior problema do país — não pára de aumentar:
    • 104,8% em 2011;
    • 116,1% em 2012;
    • 118,9% em 2013.
Isto mostra que, mesmo reduzindo o défice externo a zero, a dívida externa não se tem tornado mais sustentável.

terça-feira, setembro 24, 2013

Ainda que mal pergunte… [159]

Hoje no Jornal de Negócios, Pedro Santos Guerreiro escreve:
    ‘A previsão da troika é de que a dívida pública portuguesa, segundo os critérios de Maastricht, atinja 124% do PIB em 2014. A OCDE aponta para 132%. Se considerarmos a dívida total das Administrações Públicas sem o sector financeiro (conceito bem mais amplo que a dívida de Maastricht), ela estava nos 167,8% do PIB em Junho deste ano. Qualquer que seja a métrica, o valor é demasiado elevado para uma economia sem crescimento. Sobretudo se as taxas de juro forem altas, como hoje, em mercado, são. Por isso é que é especialmente frustrante observar que ao fim de três anos de austeridade, dois dos quais sob resgate, o Governo não consegue livrar o Estado do défice. Cristina Casalinho, tão credível quanto insuspeita, aqui escrevia na sexta-feira: "Para se reduzir a dívida pública nos próximos vinte anos, seguindo as novas regras orçamentais europeias, a manutenção do défice público da última década exige um crescimento económico real de 8%." Impossível.’
Como é que, perante este quadro, há economistas que mantêm que tudo vai bem e alguns deles continuam a afastar a necessidade de uma renegociação da dívida?

domingo, setembro 01, 2013

Pós-troika sem troika?


• Ricardo Cabral, Pós-troika sem troika? [hoje no Público]:
    ‘Discute-se já há algum tempo o pós-troika baseado no mito de que através dos programas de ajustamento Portugal será capaz de deixar de necessitar de ajuda externa, encetando um processo de regresso aos mercados. Contudo, na realidade, o país está cada vez mais dependente da troika.

    De facto, dos 387 mil milhões de euros de dívida externa bruta no final do 1.º trimestre de 2013, quase 40%, mais de 150 mil milhões de euros (cerca de 90% do PIB), eram empréstimos do BCE, FMI ou União Europeia ao Estado e ao Banco de Portugal. No final do programa de ajustamento, em Junho de 2014, o financiamento pelo sector oficial internacional representará mais de 100% do PIB.

    Uma parte significativa deste montante é utilizada para financiar dívida pública, directa ou indirectamente através da banca nacional. Esta dívida está fora dos mercados, pelo que as necessidades de financiamento do Estado português nos mercados financeiros internacionais têm sido relativamente diminutas.

    No que se refere à dívida pública só uma fracção - 75 mil milhões de euros, pouco mais de um terço do total da dívida directa do Estado - é transaccionada nos mercados. Uma parte significativa desta é detida pela banca e companhias de seguros nacionais e pelo Fundo de Estabilização da Segurança Social. Não obstante isso, a dívida pública a 10 anos transacciona-se a taxas próximas de 6,5%.

    A estratégia da troika e do Governo para o pós-troika é aparentemente simples. Um programa de austeridade permanente sem precedentes, para que: o Estado passe a gerar excedentes primários (receita menos despesa sem juros) sistemáticos e muito elevados; e o país passe a registar excedentes externos sistemáticos e significativos. Tais excedentes não permitiriam pagar a dívida. Permitiriam somente pagar os juros devidos pela dívida pública e pela dívida externa.

    Qualquer um destes objectivos é irrealista. Desvios substanciais face ao previsto colocarão a estratégia da troika e do Governo em causa, como ocorrido nos últimos dois anos - ou seja, será na prática impossível ao país autofinanciar o pagamento dos juros sobre a dívida pública e a dívida externa existentes.

    Mas a estes dois desafios olímpicos soma-se a dificuldade de refinanciar o stock de dívida existente à medida que se vence. Se os investidores internacionais se recusarem a refinanciar essa dívida, Portugal seria - não obstante toda a austeridade orçamental que possa vir a realizar - obrigado a entrar em incumprimento, porque seria incapaz de amortizar a dívida que se vence.

    A estratégia da troika e do Governo para responder a este terceiro desafio é igualmente simples sem deixar de ser, no entanto, arriscada. Consiste em pedir emprestado um ano antes de os fundos serem necessários para amortizar a dívida. Por exemplo, em 2014, as necessidades de financiamento do Estado português serão, se o défice público for o previsto (i.e., já com o corte de 4 mil milhões de euros de despesa), de cerca de 21 mil milhões de euros.

    Deste montante, as tranches do empréstimo da troika que irão ser transferidas até Junho de 2014 e o pré-financiamento realizado pelo Estado português em 2013 asseguram cerca de 13 mil milhões de euros, pelo que o Estado terá de obter financiamento nos mercados de cerca de 8 mil milhões de euros. Metade desse montante fica assegurado com o recurso aos capitais do Fundo de Estabilização de Segurança Social, que o ex-ministro de Estado e das Finanças, em despacho conjunto com o ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, determinou que passaria a poder ser investido até 90% em dívida pública portuguesa - libertando cerca de 4 mil milhões de euros desse Fundo para compras dessa dívida.

    Assim, o Estado português só necessitaria de se financiar em cerca de 4 mil milhões de euros em 2014, sendo provável que tente pré-financiar esse montante já em 2013. O Estado poderá dessa forma ser capaz de evitar o incumprimento em 2014.

    Seguindo a mesma estratégia, em 2014, tentaria pré-financiar os cerca de 20 mil milhões euros que constituem as necessidades de financiamento previstas para 2015. E adoptaria procedimento similar nos anos seguintes.

    Ora, esta estratégia da troika e do Governo tem custos. Para além dos já amplamente reconhecidos custos macroeconómicos e humanos de uma estratégia orçamental de duríssima austeridade permanente, noto que os custos financeiros de tal estratégia de regresso aos mercados são elevadíssimos: (1) o pré-financiamento de 20 mil milhões de euros, um ano antes do necessário, custaria cerca de mil milhões de euros por ano em juros, se se assumir, de forma optimista, uma taxa de juro da dívida de médio e longo prazo de 5%; (2) acresce que as taxas de juro a que o Estado se conseguirá financiar nos mercados serão muito mais elevadas do que as taxas a que Portugal estava habituado antes de 2010, dado o risco e o rating "lixo" da dívida da República. Daí resultará um aumento adicional da despesa com juros.

    Mas além de dispendiosa é uma estratégia insustentável e perniciosa. Porque, em 2014, obriga a usar o capital do Fundo de Estabilização da Segurança Social, no que se afigura ser uma violação do direito de propriedade dos actuais e futuros pensionistas e uma violação do dever fiduciário dos responsáveis políticos e gestores do Fundo face aos actuais e futuros pensionistas. Em 2015, obrigaria à venda de outra qualquer "prata da casa" ainda disponível.

    Pelo que, mesmo se for possível evitar o incumprimento em 2015, em 2016 será quase certo, após todos os sacrifícios que se revelarão inúteis e toda a despesa desnecessária com juros.

    Tal insucesso terá consequências muito gravosas para o país. É provável que Portugal se veja obrigado a sair do euro nessa altura e não disporá de divisas para assegurar o regular funcionamento da sua economia (e.g., financiar importações de combustíveis). Verá ainda o regresso aos mercados financeiros internacionais cortado durante muitos anos. Terá de enfrentar litigância jurídica em diversas praças internacionais, porque entretanto uma parte significativa da dívida será regida por lei que não a portuguesa.

    Em conclusão, se o país prosseguir com a estratégia actual, não existirá um pós-troika sem troika, no sentido em que o país terá de solicitar financiamento externo - um segundo resgate ou um programa cautelar - que virá associado a mais austeridade, i.e. novos memorandos explícitos ou implícitos. Mas mesmo com tal ajuda externa a dinâmica de crescimento da dívida pública e da dívida externa é tal que a entrada em incumprimento é meramente uma questão de tempo. Um novo resgate ou um programa cautelar apenas prolongam a agonia do país antes da entrada em incumprimento. É pois urgente mudar de estratégia, para que Portugal pós-troika seja um Portugal sem troika.’