Mostrar mensagens com a etiqueta Consolidação orçamental. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Consolidação orçamental. Mostrar todas as mensagens

domingo, julho 19, 2015

Uma pedrada no charco

«O Que Fazer Com Este País» é um livro excelente (e muito útil). Ricardo Paes Mamede desmonta várias ideias feitas que imperam nas conversas de café, como a de que «vivemos acima das nossas possibilidades» (dois terços dos portugueses nunca tiveram acesso a crédito bancário) ou a de que o Estado foi, na década anterior, despesista (os salários na função pública registaram uma variação real negativa de -3,4%, para remunerações inferior a mil euros, e -6,7%, para remunerações superiores). O autor explica a natureza dos problemas com que se debate a economia portuguesa e dá pistas para a sua superação.

Estava a ler o livro quando dei por mim a pensar que não há muitos livros sobre a economia portuguesa. Salvo honrosas excepções, chego à conclusão de que os economistas portugueses (e as suas universidades) se demitiram de procurar soluções alternativas à política austeritária: uns porque se transformaram em meros propagandistas da TINA (There Is No Alternative), outros porque se estiolam em debates que não transpõem os muros das universidades. Até por isso a obra de Ricardo Paes Mamede é uma pedrada no charco.

terça-feira, junho 09, 2015

Da série "Frases que impõem respeito" [924]


Com franqueza, não reconheço ao doutor Paulo Portas nem ao actual primeiro-ministro autoridade para me darem lições sobre finanças públicas, porque a verdade é esta: eu também herdei uma dívida muito grande e em vez de chorar sobre a dívida fiz aquilo que compete aos políticos, que é gerir, e reduzi em 40% a dívida da Câmara Municipal de Lisboa ao longo destes oito anos. Eles aumentaram 18%.

terça-feira, março 31, 2015

Consolidação orçamental e reestruturação da economia:
que andaram eles a fazer durante quatro anos?


Intervenção de João Galamba na audição do Comissário Europeu
dos Assuntos Económicos e Financeiros, Fiscalidade e União Aduaneira,
Pierre Moscovici

Cortar (n)o futuro


    «O expediente que o Governo tem usado para tentar cumprir as metas definidas para o défice publico é sempre o mesmo: chegados ao último trimestre de cada ano, o Governo, quando vê a meta do défice em perigo, corta sempre a fundo no investimento público, violando (para baixo) as metas que ele próprio havia anunciado aquando da apresentação, em Outubro, do OE para o ano seguinte.

    Foi assim em 2012, em 2013 e em 2014. Se, por exemplo, o Governo não tivesse travado a fundo no investimento no último trimestre de 2014, o défice não seria de 4.5%, mas sim de 4.9%.

    Podemos ter cumprido a meta do défice, mas a pergunta que interessa é: com que custo? Sacrificar o futuro, cortando a fundo no investimento, pode ser muita coisa, mas não é seguramente uma política inteligente do ponto de vista económico; nem orçamental, já agora.»

segunda-feira, março 30, 2015

Crónica de uma retoma não anunciada


• João Galamba, Crónica de uma retoma não anunciada:
    «Na passada sexta-feira, a ministra das Finanças decidiu entrar em modo farsa e acusou a oposição de falhar todas as previsões. E fez isso sem se rir. Vejamos o que o actual Governo, no seu primeiro Documento de Estratégia Orçamental (DEO), apresentado no final de Agosto de 2011, anunciava ao país. A recessão ia durar apenas um ano, com o PIB a cair 1,8 em 2012; em 2013, vinha a retoma, com a economia a crescer de forma robusta e sustentável. O que verdadeiramente aconteceu foi que a economia colapsou, caindo 4% em 2012 e 1,8% em 2013; e a dívida pública, que o Governo disse que ia aumentar apenas seis pontos percentuais (pp), cresceu mais de 20 pp, ultrapassando os 130% do PIB.

    O objectivo inicial de regressar aos níveis de endividamento de 2011 logo em 2015 foi adiado lá para 2020. Para além de uma recessão muito maior e mais duradoura do que o previsto, com os custos económicos e sociais que todos conhecemos, a retoma que o Governo está a celebrar consegue a dupla proeza de ser anémica e insustentável...segundo os critérios de sucesso definidos pelo próprio governo no seu primeiro DEO. Em vez de um crescimento de 2,5% assente na estagnação do consumo e inteiramente dependente do investimento e da procura externa líquida, temos um crescimento que é um terço do previsto e que depende quase exclusivamente do consumo, uma vez que a procura externa líquida foi negativa, e o investimento, em vez de crescer em torno dos 4%, cresceu apenas 2,3%, desacelerando no último trimestre, devido à forte travagem do investimento público.

    Crescimento do consumo superior ao crescimento do PIB, crescimento das exportações que é metade do previsto, crescimento das importações muito acima do previsto, investimento que regressou a níveis pré-adesão à CEE, mais concretamente a 1984 - o ano de 2014 mostra que o Governo está á celebrar uma retoma que é o contrário do que o próprio governo sempre defendeu. Esta retoma, embora insustentável, é, no curto prazo a melhor do ponto de vista orçamental: o crescimento assente no consumo, sobretudo na compra de automóveis, é o que mais faz crescer as receitas fiscais, que é o que explica toda a redução do défice de 2014.

    Sim, a economia cresce, como crescem todas as economias em que um governo é obrigado a recuar na austeridade que previa executar. Mas 2014 não é o ano do sucesso das políticas do governo: é o ano em que a economia portuguesa se libertou de parte das políticas de austeridade da maioria e também é o ano em que se confirma que não houve qualquer tipo de transformação estrutural que assegure a sustentabilidade futura da economia portuguesa. Um crescimento de 0,9%, que degrada a balança externa em 30% e que depende quase exclusivamente do consumo, é a prova disso mesmo.

    2014 não é o ano do sucesso das políticas do governo: é o ano em que a economia portuguesa se libertou de parte das políticas de austeridade da maioria.»

sexta-feira, março 27, 2015

Afinal os cofres estão cheios?

• Paulo Trigo Pereira, Afinal os cofres estão cheios?:
    «(…) Maria Luís, primeiro, e Passos Coelho, depois, reafirmaram que os cofres estavam cheios. Com a dívida pública a atingir 130,2% do PIB, retiremos o montante dos depósitos do Tesouro e veremos que os “cofres cheios” são uma migalha da nossa dívida. É certo que estamos em pré-campanha, mas espera-se um pouco de decoro.»

sábado, março 21, 2015

Homens sem qualidades e sem responsabilidades


• José Pacheco Pereira, Homens sem qualidades e sem responsabilidades:
    «É difícil aceitar (…) o que se está a passar ao nível do discurso político em Portugal. Três exemplos mostram essa degradação: o “caso” da lista VIP, as declarações do ministro Pires de Lima sobre o relatório do FMI, e o modo como Paulo Portas se comportou na audição parlamentar do “caso” BES.

    (…)

    O terceiro caso tem a ver com Paulo Portas, que nunca mais se vai livrar nem dos submarinos, nem do “irrevogável”. Não é a oposição que assim pensa, são os portugueses, para quem se tornou uma figura particularmente detestada e por boas razões. Ele sabe disso e anda nervoso. No Parlamento, Portas comportou-se com uma notória insolência quando inquirido e o filme da sessão, acessível no You Tube, é exemplar e deve ser visto por todos. Foi interrogado pelo deputado José Magalhães que não é conhecido por ser manso e que muitas vezes é excessivo. Não foi o caso desta vez, perante um Portas malcriado até ao limite, Magalhães parecia um santo e fazia perguntas pertinentes a que Portas respondia “eu fiz, mas vocês também fizeram pior”. E, em tudo o que era delicado, fazia uma diatribe pessoal contra Magalhães - que um Presidente digno da Comissão deveria interromper de imediato - e não respondia. Ora, por muito que custe a Portas, a questão dos submarinos tem a ver com o caso BES e o que se veio a conhecer entretanto sobre a ESCOM e a partilha obscena de proveitos pelos Espírito Santo e pelos seus administradores, que foram a correr meter o dinheiro em offshores, implica um retorno aos submarinos. Ora, no centro dos submarinos está Portas, num processo que a Procuradora disse com clareza que foi mal conduzido pelo Ministério Público.

    O presidente da Comissão, deputado do PSD, deixou passar em claro os insultos e postura inaceitável de Portas e admoestou Magalhães por duas vezes, esquecendo-se que na Comissão, o Vice-Primeiro-Ministro pode ter os chapéus governamentais todos, mas responde ajuramentado ao deputado. Não são iguais, mas, na balda actual, tudo é permitido. Homens sem qualidades não assumem responsabilidades.

    Tudo isto são incidentes, “casos”, pormenores? Alguns são, como as declarações inqualificáveis de Pires de Lima. Mas são sinais, sintomas, emanações, efeitos, pestilência, do que está por baixo. Sempre que há degradação no poder político, seja por incompetência, abuso do poder, dolo, ou corrupção, os “casos” proliferam e são fendas pelas quais se podem perceber coisas bem mais importantes. Como esta: os homens sem qualidades não assumem responsabilidades.»

sexta-feira, novembro 07, 2014

Empurrar com a barriga as previsões


Quando o Governo apresentou o Orçamento do Estado para 2015, fez um foguetório com a sua previsão para o défice orçamental: 2,7% do PIB. O pantomineiro-mor apareceu a reclamar que esta será a primeira vez em 15 anos que Portugal terá um défice abaixo dos 3%. O vice-pantomineiro foi, como é seu hábito, ainda mais longe: é a «primeira vez em 40 anos que temos um défice abaixo dos 3%». E a Miss Swaps secundou-os: «será a primeira vez que este será efectivamente cumprido».

O Governo mentiu, porque o Governo de Sócrates já havia atingido um défice abaixo de 3%, certificado pelo Eurostat [cf. aqui e aqui]. E tanto barulho o Governo fez com a sua previsão que até se poderia pensar que se estava perante um dado real e não uma previsão.

Acontece que, entretanto, se vão conhecendo as avaliações do OE-2015 feitas por entidades independentes e todas elas convergem no sentido de considerar o quadro macroeconómico em que assentam as previsões uma fantasia despudorada do Governo. O Conselho Económico e Social, presidido por José Silva Peneda, emitiu um parecer demolidor. O Conselho de Finanças Públicas sublinha, com a delicadeza possível, que «40% da medidas de consolidação orçamental do OE "não estão bem especificadas"». A Comissão Europeia disse com todas as letras que não acredita na obra de ficção da Miss Swaps. E o FMI é ainda mais pessimista do que Bruxelas sobre o défice para 2015.

Temos, assim, que aos 2,7% de défice que o Governo assegura ir cumprir, a Comissão Europeia sustenta que o défice orçamental de 2015 não será inferior a 3,3% e o FMI coloca a fasquia em 3,4%.

Perante este quadro, o foguetório inicial do Governo foi perdendo a chama. Agora, Passos Coelho e a Miss Swaps passam os dias a referir que se trata apenas de previsões. Mas a reacção mais pitoresca veio do vice-pantomineiro. Questionado sobre as avaliações de todas as instituições estrangeiras e nacionais, Paulo Portas, com o descaramento a que nos habituou, pôs o inimitável ar grave e disparou [vídeo]: «Eu trabalho com factos. As previsões são úteis, mas os factos são mais sólidos.» Isto já está ao nível do teatro de revista mais decadente.

Os Cinco na casa em ruínas

• Pedro Silva Pereira, O fiasco do ajustamento:
    «O Orçamento para 2015 chumbou com estrondo no teste da credibilidade: não há ninguém, em Portugal ou no estrangeiro, que acredite nas contas do Governo. Mas é preciso perceber a razão de fundo, que é tremenda: já não é possível continuar a disfarçar o fiasco do ajustamento.

    A Comissão Europeia diz que os cálculos da Ministra das Finanças estão errados e prevê que o Governo falhe por muito a meta do défice, que deverá ficar afinal bem acima dos 3%, violando os compromissos assumidos. O BCE confirma. E se o FMI discorda é apenas porque acha que será ainda pior: antecipa para 2015 um défice "marcadamente superior" ao do Governo (3,4% do PIB) e avança que, por este andar, nem em 2016 teremos um défice abaixo de 3%. Até o caseiro e sempre prestável Conselho das Finanças Públicas, órgão criado para validar a credibilidade do exercício orçamental, desta vez não conseguiu evitar dois "pequenos" reparos: não acredita no corte da despesa e não acredita na estimativa das receitas. E todos, incluindo a UTAO e o Conselho Económico e Social, liderado pelo social-democrata Silva Peneda — esse famigerado cabecilha da "brigada do resgate" — parecem concordar nisto: o cenário macroeconómico em que assenta todo o Orçamento é uma pura fantasia. A saraivada foi de tal ordem que, antes ainda deste Orçamento ser votado, a Ministra das Finanças já teve de admitir "ajustar" o ajustamento.


    Seria um erro, todavia, resumir as divergências a um mero problema contabilístico quanto ao rigor na estimativa das receitas ou das despesas. O que está em causa e resulta das análises da Comissão Europeia, do BCE e do FMI é um duplo problema muito mais fundo: o falhanço na redução estrutural da despesa e o falhanço no ajustamento estrutural da economia. Em suma, o fiasco do ajustamento e o fracasso da política de austeridade. Bem vistas as coisas, o empolamento das receitas em que se baseia a previsão irrealista do défice, vigorosamente denunciada pelas instituições internacionais, destina-se a compensar a incapacidade do Governo para operar a prometida consolidação orçamental pelo lado da despesa, cumprindo a sempre adiada agenda de reformas estruturais e de corte nas "gorduras do Estado". Por outro lado, o facto de termos um (escasso) crescimento económico suportado não pelas exportações (que perdem força à medida que se vai esbatendo o valor económico acrescentado dos projectos industriais lançados ainda pelo Governo socialista) mas pela procura interna (implicando o crescimento das importações e dos tradicionais desequilíbrios externos) desmente de forma eloquente a fantasia da "transformação estrutural" da economia portuguesa, que o Governo andou a alimentar com a conivência da "troika".

    O desencanto das previsões de Outono da Comissão Europeia não diz apenas respeito a Portugal. Ao fim de três anos de austeridade, o crescimento económico, que já era baixo, é revisto em baixa, desfazendo a ilusão de uma retoma sustentável da economia europeia. E constata-se, não sem esconder alguma estranheza, que a procura interna ainda é o único motor que impede uma recessão generalizada. O falhanço da política de austeridade é geral. As palavras da Comissão Europeia dão que pensar: "A recuperação na União Europeia parece ser particularmente fraca, não apenas em comparação com outras economias avançadas mas também com os exemplos históricos de recuperações após crises financeiras". Falta agora que a Comissão Europeia medite nas suas próprias palavras e tire daí as devidas conclusões. Mas não é certo que isso tenha acontecido. A única resposta que se encontra nestas previsões de Outono da Comissão Europeia ao apelo de Mário Draghi para uma mudança na política orçamental é esta: a actual política orçamental é "neutral". Por outras palavras: não há problema, a austeridade acabou. Por outras palavras ainda: não perceberam nada.»

terça-feira, outubro 14, 2014

Um mentiroso é um mentiroso

O Governo de Passos & Portas nunca conseguiu, apesar (e por causa) da brutal austeridade imposta, cumprir os défices orçamentais acordados com a troika. Foi preciso, por isso, esticar, ano após ano, as metas.

Mas, hoje, Passos Coelho veio gabar-se do défice que o Governo estima para 2015, afirmando que é a «primeira vez» que ficará abaixo dos 3%. Para além de pretender disfarçar que a previsão dos estarolas falha a meta negociada com Bruxelas, o que importa observar é que o alegado primeiro-ministro não hesita em mentir com quantos dentes tem.

Com efeito, convém avivar a memória de Passos Coelho. Em 2008, o défice foi de 2,6% — logo, inferior a 3%, quando o défice orçamental herdado pelo Governo do PS em 2005 havia sido de 6,83%. O défice atingido em 2008 foi, na realidade, o valor mais baixo conseguido desde Abril de 1974.

Há uma razão muito forte para Passos Coelho conduzir a opinião pública a concentrar a atenção na previsão do défice orçamental de 2015. É que o défice de 2014 pode vir a ser a cereja em cima de um bolo em acelerada decomposição: segundo a própria Comissão Europeia, o défice deste ano «pode subir para 7,5% do PIB com SEC2010 [novo sistema europeu de contas] e 10% do PIB com SEC95» — estimativa que a UTAO já tinha avançado. E é aqui que a porca torce o rabo (já muito torcido, de resto).

sábado, outubro 11, 2014

Mandato cumprido


• Augusto Santos Silva, Mandato cumprido:
    «Os leitores talvez estejam surpreendidos com o súbito afrouxamento da vigilância das instituições credoras e das autoridades europeias sobre o desempenho português.

    O défice orçamental de 2014 não ficará abaixo dos 4,8%. A dívida pública cresceu quase 40 pontos percentuais face a 2010. O desemprego está mais alto e o crescimento é mais baixo do que o objetivo fixado. O défice externo não foi corrigido. O orçamento navega à vista, entre cortes de salários, pensões e transferências sociais e aumentos de taxas e impostos. O ataque às rendas excessivas foi brando e o saneamento financeiro das empresas públicas de transportes está por concluir. E, contudo, parece que Bruxelas, Frankfurt e Washington deixaram de estar muito preocupadas. Até há quem já veja "margens", "folgas" e outras delícias semelhantes......

    Como é isto possível? Como se explica que os mesmos que nos obrigaram a castigar sem contemplações um povo e uma economia inteira, porque tínhamos um problema de finanças públicas, se mostrem agora tão benevolentes, quando, em certos aspetos, o problema até se agravou?

    Parte da resposta está aqui: ao contrário do que disse, a troika sabia que a causa do problema português não era apenas, nem sobretudo, interna. A partir do momento em que a intervenção do Banco Central Europeu pôs alguma ordem nos mercados financeiros, os juros das dívidas públicas desceram expressiva e consistentemente para valores razoáveis. Os Estados deixaram de ser presas fáceis da especulação. A "crise das dívidas soberanas" perdeu dramatismo.


    Mas a outra parte da resposta é política. E essa é a parte mais importante.

    O mandato implícito no chamado programa de ajustamento era este: alterar o equilíbrio político-económico, a favor do capital; embaratecer o fator trabalho, diretamente e através da redução significativa da provisão de bens públicos, fosse na educação, na saúde ou na proteção; e acelerar a integração subalterna de Portugal na economia internacional, através da privatização do que restava de empresas públicas e da renúncia a qualquer estratégia política de defesa dos interesses e centros de decisão nacionais.

    Este mandato não colhia nem colhe o apoio de todas as forças que contam na Europa. Pelo contrário, é motivo de uma tensão que está à vista. Paris não pensa o mesmo que Berlim, Roma não pensa o mesmo que Helsínquia, Estrasburgo não pensa o mesmo que Frankfurt, que por sua vez já não pensa o mesmo que Berlim. E assim por diante. Nem esse mandato de destruição do tecido económico e social pode ser imposto tal qual, contra um certo nível de oposição dos países. A Espanha e a Itália resistiram-lhe com estrondo e sucesso, à França e à Holanda nem se sonhava aplicá-lo, a Irlanda soube adequá-lo a si pelo menos tanto quanto se ajustava a ele.

    Mas Passos Coelho esteve sempre do lado dos que forçavam este mandato, sempre se declarou convicto da sua razão e executor zeloso das suas consequências práticas. Teorizou, aliás, abundantemente sobre as "responsabilidades" do Estado social na anemia económica portuguesa, o "arcaísmo" da Constituição e a necessidade de "ir mais além da troika". O seu Governo falhou no défice orçamental, no défice externo, na dívida, na redução da despesa, na moderação fiscal. Mas não falhou no enfraquecimento brutal das condições de vida e do poder negocial dos trabalhadores. Não falhou na desvalorização radical do Estado. Não falhou na rutura do contrato social. Quase não falhou nas privatizações a eito e sem critério. E nem se esqueceu de faltar à defesa dos interesses nacionais, assistindo passivamente (para dizer o menos) à destruição de pilares da economia nacional, como os casos da TAP, do BES e da PT emblematicamente ilustram.

    A troika recompensa-o agora, encolhendo os ombros a mais um ano de insucesso nas finanças públicas. É uma triste recompensa? Pois é. Mas o prémio tinha de ser tão miserável como o mandato imposto, cumprido e premiado.»

sexta-feira, setembro 26, 2014

«Os dias do fim»: uma retrospectiva [2]

Eurico Brilhante Dias participou ontem na Quadratura do Círculo na qualidade de apoiante de António José Seguro. Na ocasião, o efémero participante contrariou veementemente a opinião de Pacheco Pereira de que há diferenças notórias entre António Costa e Seguro em relação ao posicionamento face à Europa e que, no essencial, a estratégia da direcção do PS não se distinguia da linha de submissão do Governo.

A verdade é que Pacheco Pereira tem razão neste caso. Ainda a 18 de Março deste ano, Brilhante Dias, enquanto porta-voz da direcção do PS para os assuntos económicos e financeiros, lembrou que existe «consenso» em Portugal sobre uma «consolidação orçamental sustentável», recordando que o PS assinou o tratado orçamental europeu e deu luz verde à lei de enquadramento orçamental: «O consenso em torno da consolidação orçamental sustentável em Portugal tem um amplo apoio social e político. E hoje, em Berlim, a chanceler alemã reconheceu que o maior partido da oposição em Portugal assume os seus compromissos, honra os seus compromissos, e por isso esta posição do PS fortalece Portugal num momento difícil».

No dia a seguir a estas declarações de Brilhante Dias, António José Seguro repetiu esta posição no debate quinzenal. E o ainda secretário-geral do PS nem se esqueceu de fazer alusão ao atestado de bom comportamento passado por Angela Merkel.

segunda-feira, setembro 15, 2014

Não jogar um jogo viciado


• João Galamba, Não jogar um jogo viciado:
    «(…) As metas orçamentais foram sempre sendo ajustadas aos sucessivos fracassos e só foram cumpridas na exacta medida em que foram flexibilizadas. E a situação só correu melhor do que era esperado quando a política do governo foi travada, isto é, quando parte da austeridade que o governo tinha previsto executar foi considerada inconstitucional. Os aparentes "sucessos" dos últimos tempos não são a prova de que a austeridade funciona, mas o seu exacto oposto.

    Insistir em debater a política orçamental no quadro das chamadas de políticas de austeridade é, portanto, persistir num erro. E recusar jogar esse jogo significa tão só que, se o objectivo for mesmo o de afirmar uma alternativa a uma política que fracassou, então temos de sair do terreno que o actual governo e os seus apoiantes (alguns de forma inconsciente) nos garantem ser o único que existe. Que existe outro caminho não é uma promessa, é uma necessidade. É, aliás, o pressuposto de toda e qualquer projecto que se queira constituir como alternativa. E é um dos pressupostos da moção de António Costa às eleições Primárias no Partido Socialista.

    Ao contrário de António José Seguro - que, como Passos Coelho, considera que a actual situação se deve à irresponsabilidade orçamental do passado -, António Costa reconhece que os nossos problemas orçamentais são uma consequência da crise e nunca a sua causa; problemas esses que as actuais políticas só podem agravar. O Tratado Orçamental foi um erro porque institucionalizou a interpretação (errada) que a direita fez da crise; e, já agora, como se tem visto, porque não funciona.

    "Quem pensa como a direita pensa", quem se orgulha e faz gala de ter assinado o Tratado Orçamental como se estivesse a expiar uma culpa e quem não contesta a leitura que a actual maioria faz das causas da crise não é capaz de defender de forma coerente e credível uma reorientação dos objectivos estratégicos da política orçamental. (…)»

sexta-feira, setembro 05, 2014

Quim Barreiros e o perímetro orçamental

    «1. O que o tempo tem feito à disciplina orçamental!

    2. No meu tempo (digamos assim), a ordem era de meter tudo no défice: começamos 2010 com um défice validado de 6% e depois foi sempre a meter lá coisas, até ultrapassar os 10. Tudo a mando de Bruxelas: eram empresas que passavam a consolidar, eram gastos com desvarios bancários, e já para não falar da despesa oculta do governo da Madeira.

    3. Agora que os interesses mudaram, já não há problema, a bem dizer, com o valor da défice. Para a mesmíssima Bruxelas, já se pode tirar tudo: o financiamento das empresas de transportes, o dinheiro para o BES...

    4. Assim temos que, de 2009 a 2011, tudo tinha que ser contabilizado, e era grave. Em 2013 e 2014, também tem de ser, mas é uma ninharia.

    5. Ora se trata de meter tudo, ora de tirar tudo. Mete tudo, tira tudo: mas isto não é orçamento, é letra de Quim Barreiros.«

terça-feira, agosto 26, 2014

Pântano

• Manuel Caldeira Cabral, A retoma que não chega e a consolidação que não acontece:
    «(…) Num ano em que se esperava que o crescimento, puxado pela procura externa, estivesse a contribuir para uma recuperação do emprego e uma melhoria progressiva e sustentável dos desequilíbrios externo e orçamental, vemos que Portugal se mantém num pântano em que o pouco crescimento que teve se reflectiu de imediato em degradação do saldo externo e em que, perante mais uma derrapagem do processo de consolidação, poderá outra vez assistir a medidas de austeridade a comprometerem as já fracas perspectivas de retoma.»