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domingo, agosto 02, 2015

A Justiça e o BES


• Rui Pereira, A Justiça e o BES:
    «O que sucedeu no BES (e já acontecera no BPN e no BPP) revela que o artigo 80º da Constituição, ao proclamar a "subordinação do poder económico ao poder político democrático", é letra morta. A III República não cumpriu (ainda?) a promessa de democracia económica e social. A intervenção da Justiça Penal, em jeito de "112", não passa de um paliativo. No entanto, seria grave que se convertesse num placebo e, para o evitar, é preciso começar a fazer perguntas.

    Eis a primeira: uma caução de três milhões de euros é adequada a prevenir o suposto perigo de fuga de Ricardo Salgado – que terá recebido catorze milhões de euros de um empresário amigo, a título de mera "liberalidade"? E, já agora, a caução carcerária, destinada a impedir a fuga (e não a garantir dívidas), mantém-se depois de ter sido aplicada, ainda que noutro processo, a medida de coação privativa da liberdade de obrigação de permanência na habitação?

    A segunda é: como só o perigo de fuga (não a perturbação do inquérito) fundamenta a aplicação de obrigação de permanência na habitação que não haja sido promovida pelo Ministério Público, que novos indícios desse perigo surgiram após a fixação da caução no processo ‘Monte Branco’, há cerca de um ano? E o que justifica, neste caso, que a medida não seja fiscalizada mediante vigilância eletrónica, menos dispendiosa e mais eficaz do que a vigilância policial?

    Vamos à terceira: que expectativas subsistem quanto ao sucesso de medidas de garantia patrimonial como o arresto preventivo de bens, depois de ter decorrido mais de um ano após a implosão do BES? A cooperação com as autoridades judiciárias estrangeiras será eficaz, apesar de haver outros credores, com interesses contraditórios? Por outro lado, será que os tribunais irão considerar legítima a distinção entre "banco bom" e "banco mau" operada pelo Estado?

    Por fim, a quarta: quando se concluirá o processo do "Universo BES"? Como irão os tribunais exercer a faculdade prevista no artigo 30º do Código de Processo Penal, que permite separar processos, designadamente se estiver em risco a pretensão punitiva do Estado, o interesse dos lesados e ofendidos ou o protelamento excessivo do julgamento? Os lesados e ofendidos podem depositar alguma esperança no futuro? E que fatura irão pagar os cidadãos em geral?»

quinta-feira, maio 21, 2015

Há disciplina que obrigue a votar leis inconstitucionais?

• Rui Pereira, Antidisciplina:
    «Paulo Mota Pinto foi juiz constitucional. É deputado, presidente do Conselho de Fiscalização do SIRP e professor de Direito. Li, atónito, que "considera o sistema de registo de identificação criminal de condenados pela prática de abusos sexuais contra menores inconstitucional" e ainda que "só votou a favor porque foi imposta a disciplina de voto".

    Compreende-se a disciplina de voto quando se trata da sobrevivência de um Governo. Mas há disciplina que obrigue a calar a voz da consciência e a votar leis inconstitucionais? Não é a Constituição que proclama que "os deputados exercem livremente o seu mandato"? A "fidelidade" partidária vale mais do que a Constituição para os deputados?

    Paulo Mota Pinto tem a palavra. A notícia é verdadeira ou exagerada? Como explica o seu voto? Uma coisa é certa, o PSD impôs a disciplina. Como se arroga um partido, seja ele qual for, a negar a liberdade numa matéria em que há dúvidas constitucionais? São estes episódios que desacreditam a democracia. Não chorem, depois, lágrimas de crocodilo.»

quinta-feira, abril 23, 2015

A "ordenha"

• Rui Pereira, A "ordenha":
    «Em dois hospitais do norte do país, dirigentes (ou administradores) prepotentes congeminaram um método "expedito" de detetar eventuais abusos de enfermeiras no gozo dos períodos de dispensa do trabalho diário para amamentar os seus filhos. Estas mães foram obrigadas a espremer os seios à frente dos médicos de saúde ocupacional.

    Custa a compreender a atitude dos próprios médicos destacados para o efeito, visto que estão obrigados pelo juramento de Hipócrates a praticar a sua arte em benefício dos doentes e nunca para seu prejuízo ou com propósitos malévolos. Perderam uma excelente oportunidade de desobedecer a uma ordem ilegal, exercendo o direito de resistência consagrado no artigo 21º da Constituição.

    Mas também não é fácil compreender a posição do Ministro da Saúde. Disse que não ordenou o procedimento e que ignora a "metodologia". Faltou-lhe dizer o essencial: que a "ordenha" das enfermeiras viola o primeiro princípio da Constituição – a essencial dignidade da pessoa humana – e não pode ser tolerada em nenhuma circunstância.»

quinta-feira, abril 09, 2015

A ausente sempre presente

• Rui Pereira, A lista VIP:
    «(…) A composição da lista tem o seu quê de enigmático. Percebe-se que o autor tenha querido contemplar a hierarquia: Presidente da República, Primeiro e Vice-Primeiro Ministros e Secretário de Estado. Mas falta na lista VIP, precisamente, a Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. Borges disse que muitos livros escondem o seu objeto sob o título (em "Os três mosqueteiros", Dumas trata, sobretudo, do quarto mosqueteiro - D’ Artagnan). Para perceber o enredo da novela, eu gostaria de saber a razão da ausência da Ministra.»

quinta-feira, março 26, 2015

Cor de pérola


• Rui Pereira, Cor de pérola:
    «(...) Afinal, a única forma de honrar um poeta é ler os seus poemas. No tempo conturbado em que vivemos, seria bom conceder à poesia e à arte, em geral, o espaço que merecem – ou melhor, que todos nós merecemos.

    E quando, por sorte, estão em causa seres humanos que associam à capacidade de criação uma integridade inabalável, conseguiremos dar "bons exemplos" fora daquele contexto duvidoso da cultura política, económica ou desportiva de "sucesso".»

quinta-feira, março 19, 2015

A procissão no adro

Hoje no Jornal de Notícias (notícia referida aqui)

• Rui Pereira, A procissão no adro:
    «(…) O que pensarão os cidadãos de tudo isto? Falta responder a duas perguntas cruciais. Quem é o proprietário das quantias em dinheiro sob investigação? E como foram adquiridas? É da resposta a estas questões que deve depender a absolvição ou condenação. Ao inquérito poderá seguir-se a instrução, o julgamento e a fase de recurso. Todos devemos aspirar a que se descubra a verdade e se faça justiça. (…)»

quinta-feira, março 12, 2015

O pé de Cinderela

• Rui Pereira, O pé de Cinderela:
    «Transfigurado no príncipe de um célebre conto de fadas, o Presidente da República deu a conhecer qual é o sapatinho que, em sua opinião, deve abrigar o pé do seu sucessor. Pelos vistos, só um sapato da consagrada marca "Experiência Internacional" poderá ajudar o próximo primeiro magistrado a reerguer o esplendor de Portugal. As reações ao anúncio presidencial não se fizeram esperar. Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Santana Lopes garantiram logo que o sapato lhes serve na perfeição. E o segundo acrescentou que nem Marcelo nem Rui Rio têm pés para esse calçado.

    Quem é quem nesta história? Não custa a crer que Marcelo e Santana desempenhem, no imaginário de Cavaco, o papel de irmãs ociosas e malvadas. Já Rui Rio deverá resistir melhor a tal etiquetagem. Talvez Cavaco, pouco confiante na recondução da coligação, acalente, a título de mal menor, a ideia de o ver como vice-primeiro-ministro de António Costa, numa reedição do bloco central que, por ironia do destino, tanto combateu há trinta anos. Mas falta a personagem central da história: quem será a modesta Cinderela, que tem trabalhado sem o merecido reconhecimento?

    A lista de políticos com vasta experiência internacional parece incluir apenas quatro nomes: António Guterres, António Vitorino, Diogo Freitas do Amaral e José Manuel Durão Barroso (ordem alfabética). Ora, não é necessário grande esforço para perceber qual, de entre todos, merece a preferência do Presidente. Só Barroso pertence à sua família política e Cavaco, homem de ideias persistentes, ungiu-o seu sucessor, no Partido e no Governo, já lá vão trinta anos. Acresce, ainda, que Cavaco não tem regateado elogios ao recente desempenho do ex-Presidente da Comissão Europeia.

    Todavia, para concretizar o desejo presidencial seria necessário superar dois obstáculos "intransponíveis". Em primeiro lugar, Barroso trocou o governo de Portugal pelo governo da Europa, opção que os seus compatriotas talvez compreendam mas não perdoam com facilidade (ao contrário do que pretendia Sartre, tudo compreender não significa tudo perdoar). Em segundo lugar, o seu último mandato europeu coincidiu com um período de grande turbulência, em que não foi claro o lucro que Portugal terá retirado do exercício de tão elevado cargo por um cidadão nacional.»

quinta-feira, fevereiro 26, 2015

Sombras de Schäuble

• Rui Pereira, Sombras de Schäuble:
    «A fazer fé na imprensa alemã, a nossa Ministra das Finanças terá pedido pessoalmente ao homólogo teutónico para se manter duro com a Grécia. Em época alta para o sadomasoquismo (depois de Lars von Trier apresentar ‘Ninfomaníaca’, ‘As 50 Sombras de Grey’ provocaram uma romaria aos cinemas e excursões pelas ‘sex shops’), tal prática parece fugir aos cânones habituais. O Governo português, que às vezes parece comprazer-se com as dores da austeridade, não pediu que a nossa dose fosse reforçada (era só o que faltava!), mas sim que a dose dos gregos não seja aliviada.

    Esta "fuga controlada" para a imprensa alemã destina-se a endossar cinicamente para os portugueses a renitência em aliviar a carga dos gregos ("nós até queremos, os latinos é que não deixam…"). Mas o que será mais ético e racional: ser sadomasoquista por conta alheia ou ser solidário com os gregos? Dividem-se as opiniões. Enquanto a esquerda censura o Governo por não alinhar com os países europeus que enfrentam dificuldades semelhantes ou mesmo piores do que as nossas, a direita evoca o dinheiro emprestado à Grécia e alega que os sacrifícios são para todos.

    Na realidade, a única atitude ética, racional e consentânea com o interesse nacional consiste em revelar empatia pelas dificuldades que o povo grego enfrenta, invocando essa situação para obter uma maior abertura da União Europeia às políticas de coesão e solidariedade. O Governo português tem toda a legitimidade para pedir, em nome da igualdade e em defesa do seu Povo, que lhe sejam aplicados todos os benefícios resultantes de uma mudança de orientação quanto à Grécia. Pelo contrário, uma atitude mesquinha só nos deixará ficar mal perante gregos e alemães.

    O que se ouve em sentido contrário causa perplexidade. Não precisamos de ajuda nenhuma? Concluído o programa de "assistência", chegámos à terra de leite e mel? Se é assim, ainda ninguém o percebeu. Os sinais de crescimento económico e abrandamento do desemprego são incipientes, os jovens emigram, a escola pública e o sistema de saúde declinam, a taxa de mortalidade aumenta e a taxa de natalidade continua a diminuir. Ninguém quer dinheiro para o "despesismo", mas o alívio da servidão da dívida é necessário para iniciar um ciclo de crescimento solidário e sustentável.»

quinta-feira, fevereiro 05, 2015

Justiça sem segredo

• Rui Pereira, Justiça sem segredo:
    «Há uma lei certa e sabida que dispensa explicações metafísicas: a violação do segredo de justiça não existe ou passa despercebida quando estão em causa cidadãos anónimos. Mas quanto mais mediático é o processo e notório é o arguido, tanto mais provável se torna a violação do segredo. Por exemplo, o processo-crime contra o ex-primeiro-ministro José Sócrates prova-o categoricamente. Para além de fonte inesgotável de notícias, ele é responsável pelo quase silêncio que rodeia o chamado processo dos "vistos dourados", em que são arguidos altos dignitários do Estado.

    Os acontecimentos mais recentes em torno da "Operação Marquês" confirmam outra regra menos óbvia: em geral, as violações do segredo são irrelevantes na perspetiva do "bem jurídico" protegido pela norma incriminadora, que é, muito precisamente, o êxito da investigação criminal e a descoberta da verdade material. Na esmagadora maioria dos casos, as notícias referem-se a factos – reais ou putativos – que são do sobejo conhecimento dos sujeitos do processo. Está aí em causa, apenas, o chamado "segredo externo", isto é, o conhecimento por parte de terceiros.

    Esta constatação transporta-nos para outra questão mais complexa: para que serve o dito segredo externo e qual deve ser o seu âmbito, num sistema que consagra, desde a Reforma de 2007, a publicidade como regra e o segredo como exceção? Um segredo orientado apenas para o exterior do tribunal pode, por vezes, preservar o bom nome do arguido, antes de um julgamento incerto. Todavia, é necessário cumprir o dever de informar. Como reagiriam, afinal, os portugueses à detenção de um ex-primeiro-ministro, se tal detenção não fosse acompanhada de nenhuma explicação?

    Talvez o segredo de justiça seja um segredo de polichinelo, cuja violação é impossível evitar. Isso não deveria ser difícil, uma vez que tal violação é um crime que pode ser cometido por qualquer pessoa e não só por magistrados, advogados ou polícias. Sempre foi assim, e a Reforma de 2007 clarificou-o em nome da eficácia. Mas vale a pena repensar a questão: será que podemos equiparar, em sede de ilicitude e de culpa, quem decreta ou tem o dever de guardar o segredo (e o viola) a quem tem o dever de informar e até mesmo o direito de desconfiar do sistema de justiça?»

quinta-feira, janeiro 15, 2015

Lições de Paris

• Rui Pereira, Lições de Paris:
    «Primeira lição: o terrorismo jihadista está dentro da Europa, não vem de um lugar distante num tapete voador. Não podemos responsabilizar a emigração ou o Espaço de Liberdade, Justiça e Segurança, partilhado por vinte e seis Estados que aboliram fronteiras, por atentados levados a cabo em França por cidadãos franceses. Isso não obsta a que se introduzam, no Tratado de Schengen, melhoramentos que impeçam deslocações destinadas a doutrinar ou treinar jihadistas, desde que se preserve, no essencial, esse valor matricial que é a livre circulação de pessoas.

    Segunda lição: o Direito Penal antiterrorista não é simbólico, deve ser levado muito a sério. Na sequência dos atentados de 11 de setembro de 2001, a União Europeia aprovou a Decisão Quadro nº 2002/475/JAI, que inspirou as leis dos Estados-membros. Hoje, a lei portuguesa decreta a punição severa dos atos preparatórios (prisão de um ano a oito anos), da mera adesão a organizações terroristas (prisão de oito a quinze anos) e dos crimes de terrorismo mais graves (prisão até vinte e cinco anos). Tais penas devem ser mesmo aplicadas para evitar futuros crimes e defender bens jurídicos.

    Terceira lição: não devemos incorrer no paradoxo de deixar a liberdade ser destruída pelo abuso da liberdade. A liberdade de expressão não pode servir para os fanáticos recrutarem terroristas em nome de Deus ou de outra causa qualquer e liquidarem a liberdade de expressão.

    A apologia do terrorismo deve ser criminalizada sem complexos, como um crime de perigo abstrato, com comprovada eficácia para desencadear atentados terroristas, que é. Mas no exercício da liberdade de expressão não nos devemos deixar intimidar. Ser "amigo de Charlie" significa só isso.

    Quarta lição: a extrema-direita não é a força mais habilitada para fazer frente ao terrorismo nem retira sempre lucro político dos atentados terroristas. Os governos que se confrontam com atentados não devem ceder à tentação de recorrer à tortura ou (re)introduzir a pena de morte, mas devem garantir com firmeza a preservação da segurança, usando a força necessária. Nenhuma ponderação ingénua deve evitar o exercício dessa força para "neutralizar" terroristas armados de metralhadoras que ameaçam cidadãos indefesos e os próprios elementos das forças de segurança.»

quinta-feira, dezembro 18, 2014

A entrevista

• Rui Pereira, A entrevista:
    «Sujeito à medida de coação de prisão preventiva, José Sócrates foi proibido de conceder uma entrevista a um jornal semanário. A proibição suscitou curiosidade na opinião pública e várias questões jurídicas relevantes. Quem proibiu a concessão da entrevista: o Ministério Público, o juiz de instrução, o Diretor-Geral dos Serviços Prisionais ou todas essas entidades? A proibição é legítima à luz da Constituição e do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade? E justifica-se, no caso concreto, de acordo com os dados disponíveis?

    A lei aplicável (de 2009) estabelece que, "tratando-se de recluso preventivo, a autorização da entrevista depende ainda da não oposição do tribunal". A expressão "ainda" causou confusão, mas tem um significado preciso: nos casos de cumprimento de pena de prisão, cabe ao Diretor-Geral dos Serviços Prisionais conceder a autorização, por estar sobretudo em jogo um problema de administração penitenciária; estando em causa a prisão preventiva, é preciso que haja autorização do juiz e do diretor-geral. Se algum se opuser, não pode haver entrevista.

    Em suma, o juiz tem competência para impedir uma entrevista de um recluso preventivo e não apenas para "dar parecer". Cabe-lhe ponderar o prejuízo dessa entrevista para as finalidades da prisão preventiva (prevenir o perigo de fuga, perturbação do inquérito, continuação da atividade criminosa ou perturbação da ordem pública). É claro que a sua decisão é passível de recurso, mas a norma que o habilita a decidir não é inconstitucional. O recluso preventivo é excecionalmente privado da liberdade de expressão, em função de uma medida de coação avulsa.

    Justifica-se a proibição de dar uma entrevista neste caso? De entre todos os perigos, só a perturbação do inquérito poderá ser invocada. Porém, tal justificação não se basta com a inconveniência da entrevista na perspetiva da acusação. Seria necessário que a entrevista pudesse frustrar a atividade probatória, o que aconteceria se, por exemplo, tivesse o propósito de intimidar testemunhas ou de avisar suspeitos. Sem conhecer o processo, é difícil avaliar a medida de coação aplicada. Todavia, a proibição da entrevista não é facilmente compreensível.»

quinta-feira, dezembro 11, 2014

Da tortura em democracia

• Rui Pereira, Tortura virtuosa:
    «A Comissão para os Serviços de Informações do Senado dos Estados Unidos da América acaba de divulgar uma síntese de cerca de 500 páginas de um relatório prolixo (6300 páginas) acerca do programa de interrogatórios adotado pela CIA após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. A investigação, que se estendeu por cinco anos e custou 40 milhões de dólares, confirmou o que se sabia: os suspeitos de terrorismo foram obrigados a permanecer acordados durante dias a fio, ameaçados de violação e sujeitos a execuções e afogamentos simulados.

    A senadora democrata Dianne Feinstein, presidente da Comissão, afirmou que estas práticas mancharam os valores e a história dos EUA. Todavia, muito mais significativa foi a declaração do Presidente Obama, que recordou ter proibido a tortura, em termos inequívocos, quando assumiu o cargo e prometeu continuar a exercer a sua autoridade para impedir que tal método volte a ser autorizado. A descodificação destas palavras é simples: Obama reconheceu, de modo implícito, que o seu antecessor George W. Bush concedeu o mais alto patrocínio à tortura. A primeira conclusão do relatório merece uma especial atenção: o uso de técnicas "aprofundadas" de interrogatório não constituiu um meio eficaz de obter informações sensíveis ou de suscitar a colaboração dos detidos. Só depois se acrescenta que os interrogatórios decorreram em circunstâncias brutais e muito piores do que as descritas aos decisores políticos.

    Porém, o diretor da CIA, John Brennan, insistiu em que a submissão dos suspeitos a estas práticas violentas ajudou a descobrir os planos de atentados, capturar terroristas e salvar vidas humanas.

    É precisamente este aspeto que suscita uma reflexão séria. Afinal, é da eficácia que depende a legitimidade da tortura? A resposta é um não rotundo. Ainda que fosse eficaz, a tortura seria ilegítima por atentar contra a essencial dignidade da pessoa humana, como ilegítima é a pena de morte, apesar de prevenir a reincidência. O torcionário, por mais úteis que sejam as informações que extorque, acaba por se confundir com o terrorista. Por isso, a ineficácia da tortura, com o seu séquito de falsas confissões, não passa de um argumento de reforço.»