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segunda-feira, novembro 16, 2015

Passos Calvinball


• João Galamba, Passos Calvinball:
    «Depois de 4 anos em choque com a Constituição, Passos Coelho parece querer ir mais longe e está mesmo disposto a romper com o património do seu próprio partido em matéria de organização do sistema político. Segundo o próprio PSD, foi a revisão constitucional de 1982 que finalmente instituiu a democracia em Portugal. Ora, são os princípios que essa revisão constitucional plenamente consagrou que Passos Coelho vem agora pôr em causa.

    Passos Coelho acusa a maioria absoluta de deputados que rejeitou o seu Governo de golpismo parlamentar e diz ser a sua vez de governar. E volta a referir-se à Constituição como sendo uma espécie de força bloqueio, desta vez porque não permite a dissolução da Assembleia da República nos seis meses após a sua eleição. Ao contrário do que sugere Passos Coelho, a não-dissolução da Assembleia da República nos seis meses após a sua eleição não é uma norma que impede a realização de eleições legislativas. É, isso sim, uma norma que existe para que as eleições legislativas que acabaram de se realizar sejam valorizadas e respeitadas nos seus resultados.

    (…)

    Quando ouvimos o que tem dito Passos Coelho ficamos com uma ideia da revisão constitucional que desejaria. Para além de se poder cortar salários, pensões e prestações sociais contributivas sempre que tal dê jeito em matéria orçamental, a Constituição de Passos Coelho também determinaria que, quando a direita ganha com maioria relativa, uma parte da maioria absoluta que se lhe opõe tem a obrigação (constitucional) de a apoiar. Instituída constitucionalmente a figura da coação parlamentar, Passos Coelho governaria legitimamente, como acha que é hoje o seu direito. Até que esse delírio ocorra, vigoram as regras que temos e que determinam que governa quem tiver uma maioria parlamentar e não governa quem não a tem. Ponto final.»

quinta-feira, novembro 12, 2015

Uma nova “convenção constitucional”?

• Vital Moreira, Uma nova “convenção constitucional”?:
    «(…) O que não existe é uma outra alegada praxe, segundo a qual os governos têm o direito de “passar” na AR, mesmo quanto minoritários. Sempre houve moções de rejeição. O primeiro governo minoritário do PSD em 1985 foi alvo de uma moção de rejeição do PS, que só não vingou porque o PRD não a secundou. O PSD (salvo em 1999) e o CDS não têm proposto a rejeição de governos minoritários do PS pela simples razão de que nunca tiveram a necessária maioria absoluta para a aprovarem. Tal “convenção” é, portanto, uma conveniente invenção, sem nenhum fundamento. (…)»

quinta-feira, novembro 05, 2015

«O Governo demitido é um pneu de substituição:
roda um pouco, mas não é para corridas»

    «CONSULTEM CONSTITUCIONALISTAS

    Um Governo antes de investidura parlamentar não pode aprovar propostas de lei. E se cair na AR, deixa de o poder fazer.

    Por sua vez, a AR não pode substituir-se ao Governo em matéria orçamental. Não há Governo-de-Assembleia.

    Só um Governo plenipotenciário pode propor medidas de emergência à AR precedendo a feitura do OE/2016.

    Se Cavaco apostar em manter os PAF's gera-se impasse: o Governo nem pode legislar (a competência é da AR) nem propor à AR soluções (porque não tem relações com o Parlamento estando demitido).Por sua vez, a AR não pode tomar medidas excepcionais à margem do Governo e sem ele.

    Na lógica constitucional o Governo demitido é um pneu de substituição: roda um pouco, mas não é para corridas.»

sexta-feira, outubro 30, 2015

O Governo de iniciativa presidencial


• Pedro Silva Pereira, O Governo de iniciativa presidencial:
    «Ouvidos os partidos, todos sabemos que este Governo minoritário da direita toma posse em confronto com a maioria do Parlamento. É, portanto, um Governo de iniciativa presidencial. E é um Governo condenado ao fracasso.

    Face ao debate destes últimos dias, vale a pena chamar a atenção para alguns aspectos essenciais do desenho constitucional do nosso sistema de governo. Como o próprio Presidente da República recentemente reconheceu, desde a revisão constitucional de 1982 que a Constituição portuguesa afasta os chamados "governos de iniciativa presidencial". Mais exactamente, a dupla responsabilidade política do Governo perante o Presidente e a Assembleia da República, prevista na versão original da Constituição de 1976, foi substituída por um modelo de maior pendor parlamentar em que a responsabilidade política do Governo passou a existir exclusivamente perante o Parlamento, sendo complementada por uma mera "responsabilidade institucional" perante o Presidente (a consequência mais visível desta alteração foi a redução da possibilidade do Presidente demitir o Governo aos casos muito excepcionais de "irregular funcionamento das instituições democráticas").

    Esta nova configuração da responsabilidade política teve profundas implicações no desenho do nosso sistema de governo, a ponto de levar muitos constitucionalistas a concluir que o sistema se converteu de semi-presidencial em semi-parlamentar, tal a dominância acrescida que passou a ter a componente parlamentar. De facto, não se tratou apenas de limitar o poder presidencial de demissão do Governo, libertando o Executivo de qualquer forma de tutela ou dependência da confiança política do Presidente. O que ocorreu foi uma alteração bastante profunda, que atingiu os próprios alicerces do sistema de governo: a fonte de legitimidade do Governo, que até então era dupla, passou a estar concentrada exclusivamente no Parlamento, assembleia representativa da Nação. E escusado será lembrar que a vontade do Parlamento, como é norma em democracia, se expressa pela regra da maioria.

    O que de mais importante resulta da revisão constitucional de 1982 para o desenho do nosso sistema de governo é que, embora o Presidente da República seja eleito por sufrágio universal directo, deixa de haver qualquer nexo entre a legitimidade do Presidente da República e a legitimidade do Governo, a qual se passa a fundar exclusivamente na Assembleia democraticamente eleita - e por isso, aliás, não dispensa o teste da "investidura parlamentar" (através da não rejeição do programa do Governo). A novidade, porém, não reside no facto de agora nenhum Governo poder existir apenas "pendurado" no apoio político do Presidente - em bom rigor, isso já era assim mesmo antes da revisão constitucional de 82, visto que a dupla responsabilidade política sempre implicou a sujeição do Governo também ao crivo parlamentar. A verdadeira novidade é outra: a eliminação da responsabilidade política do Governo perante o Presidente, autonomizando a legitimidade do Governo, tornou ilegítimo o uso - ou abuso - dos poderes presidenciais (incluindo o poder de nomeação do primeiro-ministro) para, em claro desvio de poder, forçar o Parlamento a conviver com um Governo de pura iniciativa presidencial.

    É certo, no uso do seu poder de nomeação do primeiro-ministro o Presidente goza de uma relativa margem de interpretação dos resultados eleitorais, embora deva levar em conta a opinião dos partidos com assento parlamentar. Mas num sistema em que o Governo depende exclusivamente da Assembleia, essa margem é tanto mais pequena quanto mais inequívoca for a mensagem que os partidos transmitem ao Presidente. Ora, no caso presente a mensagem dos partidos não podia ter sido mais inequívoca: um governo minoritário da direita não tem qualquer viabilidade parlamentar, ao contrário do que sucede com um Governo formado pelo Partido Socialista. Ainda assim, o Presidente preferiu ignorar a opinião maioritária dos partidos e optou por impor este seu Governo de iniciativa presidencial. Fez mal. Mas fará ainda pior se, contra a Constituição e os superiores interesses nacionais, insistir em abusar dos seus poderes para afrontar o Parlamento, convertendo este Governo de iniciativa presidencial num prolongado e danoso Governo de gestão. Se há coisa que a Constituição não permite é que a Presidência da República seja transformada numa "força de bloqueio" da solução governativa apoiada pela maioria parlamentar que resultou das eleições.»

sexta-feira, outubro 23, 2015

A cerimónia do chá


• Pedro Silva Pereira, A cerimónia do chá:
    «Ao contrário do que alguns parecem pensar, a Constituição não diz que o Presidente da República, antes de nomear o primeiro-ministro, tem de tomar chá com os partidos. Diz, isso sim, que tem de ouvi-los. O que só pode significar uma coisa: a decisão do Presidente deve levar em conta o que os partidos dizem.

    Sucede que os partidos representados na nova Assembleia da República levaram ao Presidente duas mensagens claras: a primeira, é que Passos Coelho falhou na sua missão de garantir a viabilidade política de um governo minoritário da direita, sendo portanto inútil a sua nomeação como primeiro-ministro; a segunda, é que há no novo Parlamento uma nova maioria de esquerda disposta a viabilizar, de forma duradoura, um Governo da iniciativa do Partido Socialista, liderado por António Costa.

    O Presidente ficou, assim, na posse dos dois dados fundamentais de que precisava, nos termos da Constituição, para decidir que primeiro-ministro devia nomear: conhecia os resultados eleitorais e a sua concreta tradução no novo quadro parlamentar (em que nenhuma das candidaturas obteve maioria absoluta) e conhecia, ouvidos os partidos, as exactas implicações desses resultados eleitorais nas condições de viabilidade política do Governo consoante o primeiro-ministro que nomeasse.

    Naturalmente, mesmo na ausência de maioria absoluta, faz todo o sentido conceder ao líder do partido mais votado a precedência na tentativa de reunir as condições políticas para viabilizar um Governo, ainda que minoritário. É o que normalmente se faz antes da nomeação do primeiro-ministro ao abrigo da figura da “indigitação” e que desta vez também foi feito, embora com menos formalismo, quando o Presidente, logo no dia a seguir às eleições, “encarregou” Passos Coelho de encetar diligências para “averiguar” se tinha condições para formar um Governo sólido e estável. Nestes termos, essa precedência, que faz jus à condição do PSD como maior partido parlamentar, já foi cumprida e teve o resultado que todo o País conhece: Passos Coelho, depois de interromper ele próprio as reuniões com o Partido Socialista, teve de reportar ao Presidente não ter conseguido garantir a viabilização do seu putativo Governo, o que aliás foi confirmado por todos os partidos com assento parlamentar. É por isso que a nomeação de Passos Coelho como primeiro-ministro será, certamente, um gesto inútil. Mas será mais do que isso: será também um gesto de desprezo pela posição maioritária dos partidos políticos, cuja audição, embora imposta pela Constituição, é tratada como se fosse irrelevante para a decisão de nomear o primeiro-ministro.

    Dizem alguns, em resposta, que não se pode nem deve “queimar etapas” e que o Governo da força política mais votada deve necessariamente cair no Parlamento. Mas o argumento não colhe: não há na nossa Constituição nenhum percurso de “etapas” na formação do Governo que obrigue o Presidente a proceder a uma nomeação condenada ao insucesso em nome da precedência do partido mais votado. Pelo contrário, o comando constitucional é outro e manda o Presidente nomear o primeiro-ministro tendo em conta “os resultados eleitorais”, em todas as suas implicações, designadamente aquelas que só os partidos políticos estão em condições de esclarecer - e por isso são ouvidos. E o facto é este: pela primeira vez na nossa história democrática é possível o que há muito se tornou comum nas democracias europeias - uma maioria parlamentar sem a participação do partido mais votado. Nomear um primeiro-ministro em condições de liderar um tal Governo não é outra coisa senão respeitar os resultados eleitorais.

    No início deste processo, o Presidente deu conta da sua compreensão do desenho constitucional do sistema de governo e foi ao ponto de sinalizar o seu respeito pelo papel dos partidos na formação do Governo. Mas isso foi no início, antes de ouvir o que não queria na “cerimónia do chá”

terça-feira, outubro 13, 2015

360º? Era preferível 180º…


Ontem, no programa 360º da RTP3, tivemos José Rodrigues dos Santos a entrevistar Álvaro Beleza, antes de abrir um debate sobre a situação política. Se bem entendi a selecção dos comentadores, caberia a dois militantes do Blasfémias — Zé Manel Fernandes e Helena Matos — a defesa do defunto governo, enquanto a Filipe Luís e a Nuno Saraiva estaria confiada a hercúlea tarefa de explanar pontos de vista opostos.

Ainda incrédulo com a intervenção (e até com a presença) de Helena Matos na estação de serviço público de televisão, aguardava-se com moderada ansiedade que Nuno Saraiva, a quem Rodrigues dos Santos deu a palavra a seguir, rebatesse as suas posições. Mas eis que o subdirector do DN surpreendeu tudo e todos, ao apropriar-se dos pontos de vista da direita radical, alegando que o fazia em nome da Constituição: «O que está inscrito na Constituição é que, tendo em conta os resultados eleitorais, o Presidente da República convida a formar Governo o partido mais votado em cada eleição. É isso que está inscrito na Constituição.»

Ora não faria mal a Nuno Saraiva frequentar um curso rápido sobre a Constituição da República Portuguesa, dando uma especial atenção ao capítulo sobre a formação do Governo. Se os afazeres profissionais não lhe permitirem esta perda de tempo, poderia, ao menos, ler o artigo 187.º, n.º 1: «O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.»

quinta-feira, outubro 08, 2015

O vigésimo saiu ao Governo fora de horas


O Governo andou quatro anos a brincar à lotaria com o Tribunal Constitucional. O vigésimo chumbo viu hoje a luz do dia, quando o Tribunal Constitucional ditou ser inconstitucional que o Governo decida sobre a aplicação das 40 horas de trabalho semanais nas autarquias:
    «O Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que conferem aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da administração pública legitimidade para celebrar e assinar acordos coletivos de empregador público, no âmbito da administração autárquica» por «violação do princípio da autonomia local».

David Crisóstomo dá-se ao trabalho de elencar as «duas dezenas de violações da lei fundamental da República». Rever estes 20 chumbos é uma boa perspectiva para recordar o que foram estes quatro dolorosos anos.

quinta-feira, setembro 24, 2015

«Uma parte não é o mesmo que o todo»


• Vital Moreira, Sinédoque
:
    «1. Segundo algumas previsões eleitorais, as eleições de 4 de outubro podem produzir um resultado inédito, ou seja, a vitória de uma coligação eleitoral sem maioria absoluta e sem que o maior partido da coligação seja o maior partido na Assembleia da República.

    Nesse caso, qual seria o partido vencedor das eleições? E quem deveria ser chamado a formar governo em primeira linha?

    Deve observar-se antes de mais que as coligações eleitorais não têm identidade política própria e não substituem os partidos que as compõem (os candidatos são sempre imputados aos respetivos partidos proponentes) e que - ponto crucial - elas se dissolvem automaticamente com as eleições e com a atribuição dos deputados eleitos.

    Os partidos da coligação eleitoral podem eventualmente vir mais tarde a constituir uma coligação de governo entre si, se tal se proporcionar. Mas para provar a natureza transitória e efémera das coligações eleitorais, basta pensar que nada impede que um deles venha a formar uma coligação de governo com um terceiro partido, preterindo o anterior parceiro.

    Seja como for, sob o ponto de vista constitucional e político quem forma os governos são os partidos políticos representados na Assembleia da República e não as eventuais coligações pré-eleitorais, entretanto desaparecidas. Quando o Presidente da República tiver de decidir sobre a nomeação do primeiro-ministro, a sua única referência é a geografia parlamentar resultante das eleições, independentemente das coligações eleitorais que tenham existido.

    2. Salvo a referência genérica aos "resultados eleitorais" - cujo expressão autêntica é a composição partidária da Assembleia da República -, a Constituição não estabelece um critério estrito para a nomeação do governo pelo PR após eleições. Nas quase quatro décadas de democracia constitucional entre nós, sempre foi chamado a formar governo o líder do maior partido parlamentar (que é também o partido real ou virtualmente mais votado), mesmo em caso de vitória com escassa maioria relativa (caso do PSD em 1985, com menos de 30% dos votos).

    Note-se que nos casos de vitória da AD, em 1979 e 1980, não só os partidos da coligação obtiveram em conjunto uma clara maioria absoluta de deputados mas também o PSD era o maior partido parlamentar, tendo por isso sido chamado a formar governo e tendo renovado a coligação com o CDS e o PPM para efeitos governamentais.

    Deve também registar-se que nas suas seis vitórias desde 1976 o PS só teve mais deputados do que a soma PSD-CDS em três ocasiões (1995, 1999 e 2005). Nas suas demais vitórias eleitorais (1976, 1983 e 2009) o PS teve menos deputados do que a soma dos dois partidos da direita. No entanto, mesmo nesses casos, o PS foi sempre chamado a formar governo, como maior partido que era.

    Numa democracia parlamentar são os partidos que disputam e ganham eleições (mesmo quando optam por coligar-se) e que formam governos (eventualmente em coligação governativa). As coligações pré-eleitorais não dão a nenhum dos partidos coligados o direito de se prevalecerem politicamente dos votos e dos deputados de toda a coligação. Uma eventual vitória da coligação de direita não é necessariamente uma vitória do PSD. Uma parte não é o mesmo que o todo.»

domingo, agosto 02, 2015

A Justiça e o BES


• Rui Pereira, A Justiça e o BES:
    «O que sucedeu no BES (e já acontecera no BPN e no BPP) revela que o artigo 80º da Constituição, ao proclamar a "subordinação do poder económico ao poder político democrático", é letra morta. A III República não cumpriu (ainda?) a promessa de democracia económica e social. A intervenção da Justiça Penal, em jeito de "112", não passa de um paliativo. No entanto, seria grave que se convertesse num placebo e, para o evitar, é preciso começar a fazer perguntas.

    Eis a primeira: uma caução de três milhões de euros é adequada a prevenir o suposto perigo de fuga de Ricardo Salgado – que terá recebido catorze milhões de euros de um empresário amigo, a título de mera "liberalidade"? E, já agora, a caução carcerária, destinada a impedir a fuga (e não a garantir dívidas), mantém-se depois de ter sido aplicada, ainda que noutro processo, a medida de coação privativa da liberdade de obrigação de permanência na habitação?

    A segunda é: como só o perigo de fuga (não a perturbação do inquérito) fundamenta a aplicação de obrigação de permanência na habitação que não haja sido promovida pelo Ministério Público, que novos indícios desse perigo surgiram após a fixação da caução no processo ‘Monte Branco’, há cerca de um ano? E o que justifica, neste caso, que a medida não seja fiscalizada mediante vigilância eletrónica, menos dispendiosa e mais eficaz do que a vigilância policial?

    Vamos à terceira: que expectativas subsistem quanto ao sucesso de medidas de garantia patrimonial como o arresto preventivo de bens, depois de ter decorrido mais de um ano após a implosão do BES? A cooperação com as autoridades judiciárias estrangeiras será eficaz, apesar de haver outros credores, com interesses contraditórios? Por outro lado, será que os tribunais irão considerar legítima a distinção entre "banco bom" e "banco mau" operada pelo Estado?

    Por fim, a quarta: quando se concluirá o processo do "Universo BES"? Como irão os tribunais exercer a faculdade prevista no artigo 30º do Código de Processo Penal, que permite separar processos, designadamente se estiver em risco a pretensão punitiva do Estado, o interesse dos lesados e ofendidos ou o protelamento excessivo do julgamento? Os lesados e ofendidos podem depositar alguma esperança no futuro? E que fatura irão pagar os cidadãos em geral?»

sexta-feira, julho 10, 2015

Constituição da República Portuguesa,
esse empecilho que azucrina a moleirinha de Passos


Passos Coelho escreveu no Twitter em 2 de Maio de 2011: «Vamos ter de cortar em gorduras e de poupar. O Estado vai ter de fazer austeridade, basta de aplicá-la só aos cidadãos

O alegado primeiro-ministro confessou hoje que tinha em mente um objectivo que fracassou: «Mais de dois terços da despesa pública concentram-se justamente nas prestações sociais e nos salários. Temos limitações óbvias do ponto de vista constitucional para lidar com o problema dos salários¹.» Daí que o pantomineiro-mor conclua ser uma «ilusão» pensar-se que reforma do Estado traz «profundas» poupanças.

Nesta conferência da CIP onde discursou, o alegado primeiro-ministro procurou explicar aos patrões como pretende superar este imbróglio. O que Passos Coelho lhes disse é que, para resolver «o problema dos salários» — ou seja, a redução dos salários —, necessita de previamente resolver «limitações óbvias do ponto de vista constitucional» — ou seja, virar do avesso a Constituição da República, como o projecto de revisão encomendado a Paulo Teixeira Pinto, que foi preciso esconder em 2011, preconizava.

No fundo, em período de eleições, Passos Coelho tem agora de suavizar o que disse, em 2013, na «Universidade» de Verão do PSD: «Não acredito que se possa persistir neste absurdo»… de ter um Tribunal Constitucional que obriga o alegado primeiro-ministro a governar de acordo com a Constituição. Mas, como se vê, ele não descansa enquanto não rasgar a Constituição — para «cortar em gorduras» (salários, pensões e outras prestações sociais).

ADENDA — Se Passos Coelho já tinha concluído que a reforma do Estado não resolvia o «problema dos salários», escusava de ter obrigado Paulo Portas à tristíssima figura de mostrar que não faz ideia nenhuma do que como está estruturado o Estado.

______
¹ Já o sabíamos, mas é bom que o pantomineiro-mor o confirme: quando ele se referia em 2011 aos «cidadãos», estava a excluir os pensionistas, os funcionários públicos e todos aqueles que, por estarem desempregados ou serem pobres, auferem prestações sociais.

domingo, maio 31, 2015

«O caminho a seguir devia ter sido criar um dever de declarar
bens e rendimentos e criminalizar a sua violação»


• Fernanda Palma, Novo Enriquecimento:
    «A Assembleia da República aprovou ontem uma lei que criminaliza o enriquecimento injustificado. O crime consiste em "adquirir, possuir ou deter património incompatível com os rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados" e pode ser praticado por qualquer pessoa, embora as penas, cujo máximo vai até oito anos de prisão, sejam agravadas para titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos.

    Mas existe um precedente que torna a medida duvidosa. Por acórdão de 4 de abril de 2012, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional uma lei que previa o crime de enriquecimento ilícito. A lei nunca entrou em vigor, porque o Presidente da República pediu a fiscalização prévia da constitucionalidade e a votação do acórdão foi categórica: só se registou um voto de vencido e mesmo esse foi parcial.

    Esta decisão do Tribunal Constitucional nem sempre é compreendida pela opinião pública. Afinal, um político (ou outra pessoa) que exibe uma fortuna inexplicável não pode ser obrigado a provar a sua origem, sob pena de ser sancionado? A dificuldade reside em a nossa Constituição consagrar o direito ao silêncio e a presunção de inocência do arguido e atribuir à acusação o "ónus da prova" em processo penal.

    Em 2012, o Tribunal Constitucional entendeu ainda que não havia um bem jurídico claramente definido. Agora, a lei afirma que o crime atenta contra o Estado de Direito. Duvido de que essa proclamação baste. Porém, o maior problema resulta de a norma legal configurar um estado de coisas e não um facto. O caminho a seguir devia ter sido criar um dever de declarar bens e rendimentos e criminalizar a sua violação.

    No entanto, se a lei entrar em vigor, uma última questão que se coloca é a do seu âmbito de aplicação temporal, que deveria ser limitado pela proibição constitucional de retroatividade das normas que preveem crimes e penas. Se o crime for punível abstraindo do facto que originou o enriquecimento, a lei poderá ser aplicada ao passado e o procedimento criminal não estará sujeito a um regime de prescrição

quinta-feira, maio 21, 2015

Há disciplina que obrigue a votar leis inconstitucionais?

• Rui Pereira, Antidisciplina:
    «Paulo Mota Pinto foi juiz constitucional. É deputado, presidente do Conselho de Fiscalização do SIRP e professor de Direito. Li, atónito, que "considera o sistema de registo de identificação criminal de condenados pela prática de abusos sexuais contra menores inconstitucional" e ainda que "só votou a favor porque foi imposta a disciplina de voto".

    Compreende-se a disciplina de voto quando se trata da sobrevivência de um Governo. Mas há disciplina que obrigue a calar a voz da consciência e a votar leis inconstitucionais? Não é a Constituição que proclama que "os deputados exercem livremente o seu mandato"? A "fidelidade" partidária vale mais do que a Constituição para os deputados?

    Paulo Mota Pinto tem a palavra. A notícia é verdadeira ou exagerada? Como explica o seu voto? Uma coisa é certa, o PSD impôs a disciplina. Como se arroga um partido, seja ele qual for, a negar a liberdade numa matéria em que há dúvidas constitucionais? São estes episódios que desacreditam a democracia. Não chorem, depois, lágrimas de crocodilo.»

quinta-feira, abril 23, 2015

A "ordenha"

• Rui Pereira, A "ordenha":
    «Em dois hospitais do norte do país, dirigentes (ou administradores) prepotentes congeminaram um método "expedito" de detetar eventuais abusos de enfermeiras no gozo dos períodos de dispensa do trabalho diário para amamentar os seus filhos. Estas mães foram obrigadas a espremer os seios à frente dos médicos de saúde ocupacional.

    Custa a compreender a atitude dos próprios médicos destacados para o efeito, visto que estão obrigados pelo juramento de Hipócrates a praticar a sua arte em benefício dos doentes e nunca para seu prejuízo ou com propósitos malévolos. Perderam uma excelente oportunidade de desobedecer a uma ordem ilegal, exercendo o direito de resistência consagrado no artigo 21º da Constituição.

    Mas também não é fácil compreender a posição do Ministro da Saúde. Disse que não ordenou o procedimento e que ignora a "metodologia". Faltou-lhe dizer o essencial: que a "ordenha" das enfermeiras viola o primeiro princípio da Constituição – a essencial dignidade da pessoa humana – e não pode ser tolerada em nenhuma circunstância.»

sábado, março 28, 2015

Do regular funcionamento das instituições democráticas

— Ó Sr. Presidente, deixe lá, continue a resguardar-nos as costas.

Aníbal Cavaco Silva já lê jornais. E foi ao deparar-se com um Liberato esbaforido a apontar para um artigo que o Presidente da República descobriu que o Governo preparava uma missão militar no estrangeiro, concretamente o envio de caças da Força Aérea Portuguesa para a Roménia.

Provavelmente, serão as primeiras medidas do Simplex 2 anunciado por Paulo Portas há dois anos. Com efeito, por forma a simplificar formalidades que os estarolas consideram desnecessárias, o Governo não levou o assunto à aprovação do Conselho Superior de Defesa Nacional e nem sequer Passos Coelho o comunicou a Cavaco Silva entre duas bolachinhas no chá das quintas-feiras.

Não fosse Klaus Iohannis, Presidente da Roménia, ter falado publicamente do assunto, o Comandante Supremo das Forças Armadas de Portugal chegaria a Janeiro de 2016 sem desconfiar que havia caças a fazer acrobacias nas fronteiras da Ucrânia.

segunda-feira, março 23, 2015

O Tribunal da Relação no divã


Não terei sido certamente o único a ficar siderado com o estilo e a «lógica pastoril» do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa relativo ao recurso dos advogados de José Sócrates. Quis imaginar como seria o juiz relator que ousara redigir uma peça tão peculiar. Procurei na Internet e apenas alcancei que o Juiz Desembargador Agostinho Torres, o autor do acórdão, fizera uma breve incursão fora da magistratura judicial pela mão do Governo de Santana Lopes & Portas. Por uma coincidência dos diabos, indicado para seu adjunto na Polícia Judiciária pelo Juiz Conselheiro Santos Cabral, o relator do pedido de habeas corpus.

Quando a curiosidade já esfriara, eis que um leitor me recomendou a leitura de um artigo de Agostinho Torres. O artigo em causa, intitulado «Exclusividade remuneratória dos juízes: a quanto e até quando nos obrigas?», ajudou a fazer um esboço da criatura — ou, nas palavras do leitor, um artigo que «foi “luminoso” na avaliação da isenção possível desse juiz face a um político dito “despesista”.»

Agostinho Torres disserta longamente sobre a «degradação do estatuto remuneratório» dos magistrados, que, segundo escreve, «atingiu quase 30%». Sendo embora uma situação que atinge todos os agentes do Estado, com excepção do conselho de administração do Banco de Portugal (e talvez dos outros reguladores), o juiz desembargador procura analisar os efeitos desta degradação na área que melhor conhecerá: a magistratura judicial.

Questiona Agostinho Torres: «A degradação do estatuto remuneratório implica a perda da serenidade que a estabilidade financeira propiciaria?» A conclusão que extrai não deixa margem para dúvidas:
    «Publicamente, o universo dos juízes diria sob juramento de hora que manteria a serenidade. Porém, na privacidade cúmplice dos corredores do desabafo, sem ouvidos indiscretos, ariscaria afirmar que quase todos diriam emotivamente o contrário e bem zangados com o poder político.»

E o juiz desembargador enumera diversas situações que podem pôr em crise a «serenidade» da magistratura judicial. Eis um exemplo dado:
    «(…) o juiz penal, afectado pelas ditas reduções remuneratórias, não estará já demasiado sensível à indignação pública pelos gastos perdulários eleitoralistas de certos governos e pela inexplicada falta de transparência ética da envolvência de notáveis em crises bancárias eivadas de fortes suspeições de ganância e de controle do poder financeiro?»

Daí que Agostinho Torres faça uma confissão:
    «O sentir (por muitos) de um ataque quase pessoal de alguns governantes e responsáveis políticos aos juízes pelo estado da justiça e pela tomada de certas decisões que puseram colarinhos brancos (ainda que poucos) na barra dos tribunais, não é tido como uma espécie de vingança, traduzida, entre o mais, no corte remuneratório dos últimos anos? Claro que é! Não sei se com razão, mas todos sabemos que, sendo os juízes humanos, em tempos de crise a serenidade que devia ser de oiro, corre o risco de passar a ser de latão.»

É neste contexto que o juiz desembargador descortina o que «os poderes de Estado, na sôfrega facção legislativa e, sobretudo, executiva» ainda não enxergam: «o Séc. XXI pode bem vir a ser o da emergência do poder judicial, como poder público de controlo de outros poderes de Estado e de um novo modo de exercício do judiciário.» Certamente que o juiz desembargador passou a escrito o que lhe vai no cocuruto. Atente-se:
    «Quer-me parecer que, neste conspecto, os poderes de Estado, na sôfrega facção legislativa e, sobretudo, executiva (predominante em todo o Séc. XX), nem sequer têm sido inteligentes. No afã de nivelar tudo e todos fora do estado social, esquecem que, e muitos o avisaram, o Séc. XXI pode bem vir a ser o da emergência do poder judicial, como poder público de controlo de outros poderes de Estado e de um novo modo de exercício do judiciário. Não me refiro, obviamente, aos “superjuízes”, se bem que esta nomenclatura tão querida a certos meios de comunicação social possa, aqui, reflectir tão somente o desejo messiânico de um poder maior mas providencialmente justiceiro.»

É inquestionável que Agostinho Torres sabe prender a atenção do leitor. Mas, infelizmente, dá por terminado o artigo sem nos elucidar como será, ou já é, o «poder judicial, como poder público de controlo de outros poderes de Estado e de um novo modo de exercício do judiciário». No Séc. XXI — o da «pós-modernidade». É pena, porque nos leva a conjecturar podermos estar perante alguém que não revela, no fundo, especiais simpatias pelas sociedades abertas.

sábado, março 07, 2015

Cavaco & Passos: farinha do mesmo saco

— Pronto, não se fala mais nisso.

1. Para o Presidente da República, são «jogadas político-partidárias» exigir esclarecimentos ao evasor continuado Passos Coelho, mesmo quando o alegado primeiro-ministro impôs aos portugueses uma ética austeritária, a pretexto da qual rejeitou, ainda há dias, uma proposta do PS para a suspensão de penhora da casa própria por dívidas ao fisco. Ou impediu que filhos de pais sem a situação regularizada perante a segurança social ou o fisco pudessem receber bolsas para prosseguir os estudos universitários.

2. Se Passos Coelho desconhece as suas obrigações perante a segurança social, Cavaco Silva — que na posse jurou «cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa» — revela não conhecer a Constituição. Disse ele hoje: «A Constituição proíbe o Presidente da República de demitir o Governo.» Ora a lei fundamental prevê que o Presidente da República possa demitir o Governo, nos termos do n.º 2 do artigo 195.º.

3. Cavaco Silva não deixa de acrescentar que «o Governo responde perante a Assembleia da República e não perante o Presidente da República.» Assim a modos de quem diz: — Ó Dr. Portas, trate lá disso que eu não quero chatices. No próximo prefácio dos Roteiros, há-de surgir uma nota, na qual Cavaco dirá que deu uma dica para o afastamento desta trupe de saltimbancos.

4. Cavaco Silva aproveitou a oportunidade para declarar que «há razões para ter esperança num futuro melhor para os portugueses.» É de presumir que a esquálida Casa Civil de Belém ande a ocultar as más notícias que chegam de Bruxelas para não atormentar o inquilino do palácio: Cinco gráficos que destroem o otimismo do Governo.

5. No fundo, o problema é que Cavaco Silva sente que não está em condições de tomar uma atitude: sisa de Cavaco foi paga com base na avaliação da casa que nunca existiu.

quinta-feira, fevereiro 05, 2015

É preciso arrumar a cabeça do Alvarinho do CDS



    «Acabo de ouvir o ministro da Economia comparar a privatização da TAP com o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a adopção gay. Linha de raciocínio: se esses assuntos dispensam referendo, por que carga de água a venda da TAP levaria em linha de conta a opinião pública? Portanto, Pires de Lima confunde direitos humanos com negócios. E foi no Parlamento, não foi à mesa do café.»