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segunda-feira, junho 22, 2015

Reformas estruturais: resultados


    «Não há maior demonstração de que o ajustamento externo foi inteiramente conjuntural, isto é, inteiramente dependente da recessão, da destruição de emprego, da queda do consumo e do colapso do investimento, do que a evolução do excedente externo.

    O excedente externo atingiu uns fantásticos 5169 milhões em 2013, caiu para 3608 em 2014, cerca de 30%. Anualizando os 186 milhões que noticia o Expresso, o excedente de 2015 seria 558 milhões. Diz que o ajustamento era suposto ser estrutural. Estes dados mostram o oposto.»

sexta-feira, agosto 22, 2014

Comboio sem governo


1. O Eurostat informa de que Portugal regista o quinto maior défice comercial da União Europeia, tendo as exportações caído e as importações aumentado. São dados até Maio. Mas o INE já tem dados até Junho: o défice comercial registou o maior agravamento desde 2008 nos primeiros seis meses do ano.

2. A tripla degradação das balanças comercial, de rendimentos e de transferências correntes ditou um défice da balança corrente (que agrega as três anteriores) para 1.342 milhões de euros de 1,6% do PIB no primeiro semestre, um número já significativamente no vermelho, pelo menos quando comparado com a meta de um excedente de 3,4% do PIB para o final do ano, inscrita pelo Governo no documento de estratégia orçamental apresentado no final de Abril.

3. A dívida pública na óptica relevante para Bruxelas (Maastricht) aumentou 9,6 mil milhões de euros face ao final do ano passado. A meta para o final do ano assumida pelo Governo é de 130,2% do produto interno bruto (PIB). No primeiro semestre, de acordo com dados do Banco de Portugal, já atingiu os 134%.

4. O sinal deixado pelo indicador coincidente de actividade económica do Banco de Portugal indicia que a economia nacional está a caminho de nova contracção.

5. Os preços estão a cair há seis meses consecutivos.

segunda-feira, março 03, 2014

Nós precisamos de exportar sobretudo outros bens e serviços,
não tornar o que já exportamos ainda mais barato

• João Galamba, O futuro não pode ser o passado:
    «E à décima avaliação lá se foi mais um milagre. De acordo com o último relatório do FMI sobre o programa de ajustamento português, a redução, muito acima do esperado, do défice externo tem pés de barro e não é sustentável: no momento em que a procura interna dá sinais de estabilização ou crescimento, lá se vai o ajustamento externo, o que prova que a sua redução foi meramente conjuntural e, em grande medida, dependente da fortíssima contração do consumo e do investimento.

    Se o diagnóstico do FMI quanto à sustentabilidade do ajustamento externo tende a estar correto, o mesmo não se pode dizer da solução proposta, porque o corte dos salários, num dos países mais pobres e desiguais da zona euro, não é pura e simplesmente uma solução viável. O corte dos salários, para além de injusto, é ineficaz, senão mesmo contraproducente. Em primeiro lugar, as razões da chamada falta de competitividade do país não se prendem com competitividade-custo, mas sim com a estrutura produtiva do país. Nós precisamos de exportar sobretudo outros bens e serviços, não tornar o que já exportamos ainda mais barato. Por outro lado, a via dos cortes salariais agrava a já de si insustentável dinâmica da dívida pública, porque um país com menos rendimento terá, forçosamente, mais dificuldade em pagar o ‘stock' de dívida existente.

    A redução do défice externo não foi toda feita à custa da queda das importações e do empobrecimento. Entre 2011 e 2013, o défice comercial (exportações menos importações de bens e serviços) melhorou 9,353 mil milhões de euros. Se as importações caíram 3,435 mil milhões por causa do empobrecimento, as exportações aumentaram 5,917 mil milhões. Ou seja, 63% da redução do défice externo não se deve ao empobrecimento (a percentagem é, na verdade, menor, porque há exportações que aumentam apenas porque algumas empresas deixaram de vender para o mercado interno, e não porque tenham aumentado a produção). A solução para os nossos problemas, e a via que permite compatibilizar a redução do défice externo com o desenvolvimento do país, passa, pois, por perceber que o que explica este crescimento não é corte dos salários.

    Os crescimentos de 1,889 mil milhões nos combustíveis, 1,104 mil milhões no turismo, 711 milhões nas máquinas e equipamentos, 603 milhões em produtos agrícolas e alimentares ou os 193 milhões no calçado não se devem nem a cortes salariais, nem às famigeradas reformas estruturais que visam flexibilizar os mercados de trabalho, produto e serviço, defendidas pelo FMI. Devem-se sim, em grande medida, a investimento e a uma parceria entre políticas públicas e privadas que, sobretudo na chamada "década perdida", permitiram que Portugal modernizasse o seu tecido produtivo e, de forma necessariamente gradual, fosse criando as bases para uma economia mais desenvolvida e mais sustentável.

    Se o nosso objetivo for o de manter este crescimento nas exportações, então resta continuar o esforço, público e privado, de transformação estrutural da economia, e investir e preparar pessoas, empresas e territórios para um futuro que realmente novo. Não podemos regressar ao triste fado de um país miserável, desqualificado e barato. Por muito que falte imaginação ao FMI (e ao governo), o futuro do país não pode ser o seu passado

sábado, março 01, 2014

O direito à alucinação

Admito que possa ser mesmo o único leitor de Saraiva. A ideia de que o pequeno grande arquitecto entra em estado de alucinação quando se dispõe a ditar à secretária as suas bizarrias fascina-me. Ontem, dizia ele com aquele ar de especialista de ideias gerais: “Antes da crise, a dívida externa portuguesa (que inclui as dívidas todas, das empresas às famílias) estava a crescer assustadoramente, a dívida do Estado idem, o défice comercial a mesma coisa. O país era um carro que seguia a alta velocidade em direcção a uma parede.”

E “depois” da crise, ó pequeno grande arquitecto, já nos estatelámos contra a parede?

Vai ser um choque quando ele suspeitar que a dívida externa continua a subir e a dívida do Estado acabou de bater um record que resistia desde o século XIX. Quanto ao défice comercial, é verdade que foi sustido, tal como aconteceu em 1943, quando a II Grande Guerra impôs um racionamento. Mas é este o modelo que o pequeno grande arquitecto defende para o país? Os pregoeiros da direita perderam a vergonha.

sexta-feira, fevereiro 21, 2014

O tiro no porta-aviões

      «Exportações são o porta-aviões da recuperação do país»

• Pedro Silva Pereira, O tiro no porta-aviões:
    «Ainda se viam no ar os foguetes coloridos do Governo para comemorar o apregoado sucesso do "ajustamento estrutural" da economia portuguesa e já o FMI estragava a festa reconhecendo no Relatório da 10ª avaliação que esse ajustamento não passa de uma ilusão. Apanhado em falso, o Governo não gostou e discordou. Mas qual deles, Governo ou FMI, está em campanha eleitoral?

    As palavras do FMI são absolutamente claras e dizem que o tão falado ajustamento externo, expresso na balança de mercadorias, tem sido conseguido, em larga medida, devido ao efeito conjugado da queda das importações - por força do empobrecimento - e do crescimento das exportações de combustíveis. E com isso deixa, sobretudo, um aviso: os ganhos conseguidos podem ficar em causa "assim que as importações recuperarem de níveis anormalmente baixos e as unidades de refinação eventualmente esgotem a sua capacidade extra", sendo que a melhoria registada na exportação de serviços, designadamente no turismo, é também muito vulnerável a choques na procura.

    O que tudo isto significa é muito simples para quem o queira entender: os resultados obtidos no ajustamento externo - o tão falado porta-aviões das exportações - não traduzem uma reforma estrutural da economia mas sim o efeito da queda brutal da procura interna, do contexto favorável no sector do turismo e, sobretudo, da entrada em funcionamento de um projecto lançado ainda no tempo do Governo socialista: a refinaria da Galp, em Sines.

    Os números, aliás, são absolutamente claros: os combustíveis explicam quase 60% do aumento das exportações de mercadorias. E se excluirmos os combustíveis das exportações e das importações, a balança comercial de mercadorias seria afinal negativa e não positiva.

    Houve - ninguém o nega - uma resposta positiva das empresas portuguesas que reforçaram em vários sectores a sua aposta nos bens transaccionáveis. Isso é um facto. Como é também um facto positivo que a economia portuguesa dê finalmente sinais de recuperação, beneficiando de uma conjuntura externa menos desfavorável e tirando partido dos travões à política de austeridade impostos pelo Tribunal Constitucional. Ao contrário do que se pretende fazer crer, o Mundo não se divide entre os que se alegram com os bons resultados e os que se zangam com eles. Nem entre os que reconhecem o esforço dos portugueses e os que o menosprezam. Essa dicotomia primária é falsa e apenas serve para alimentar despiques parlamentares e políticos vazios de conteúdo e de sentido.

    O que está em causa é outra coisa: é saber se o País aproveita esta oportunidade para convergir numa leitura realista da situação da economia portuguesa. Que reconheça os problemas e não que os disfarce. Que crie condições para novas respostas políticas e não que insista no erro desta política que assenta numa nota só: austeridade.

    Nem adianta fingir: uma economia que sofreu três anos consecutivos de recessão, viu o desemprego disparar para 16% e regista uma dívida pública que galgou em três anos dos 94% para os 130% do PIB não está nem pode estar melhor do que estava. Não se insista, pois, na ilusão de um sucesso que ninguém vê e numa transformação estrutural da economia em que ninguém acredita. Faz mal o Governo em rejeitar o diagnóstico e faz pior em abusar da receita. Porque a fantasia já não engana ninguém. O Carnaval pode estar à porta mas a máscara já caiu.»

segunda-feira, novembro 11, 2013

Esta Europa contra nós


• João Galamba, Esta Europa contra nós:
    'O Presidente da Comissão Europeia (CE), Durão Barroso, seguramente “confirmando o seu apego aos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e liberdades fundamentais e do Estado de direito” e “resolvido a continuar o processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões sejam tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos, de acordo com o princípio da subsidiariedade”*, decidiu ameaçar o Tribunal Constitucional (TC) Português de que podia estar o caldo entornado se este insistisse em agir como se, em Portugal, “a validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas dependesse da sua conformidade com a Constituição”**.

    Durão Barroso garante que não ameaçou ninguém, limitou-se a informar o TC das “implicações de determinadas decisões” e a dizer que, se as medidas constantes do Orçamento de Estado para 2014 forem chumbadas, terão de ser substituídas por outras, “provavelmente mais gravosas”. Como é evidente, não estamos perante uma ameaça, mas apenas perante uma advertência de um Durão Barroso, que, mais do que Presidente da CE, é um patriota e um amigo de Portugal. E é como patriota e amigo que ele nos oferece, generosamente, uma reinterpretação do número 3 do artigo 3º da Constituição da República Portuguesa: a validade das leis em Portugal não depende da sua conformidade com a Constituição, mas da sua conformidade com as conveniências da Troika e do governo português em funções.

    Ao mesmo tempo que Durão Barroso ameaça um órgão de soberania e faz chantagem com um Estado Membro a braços com uma terrível crise financeira, económica e social causada pelas impostas medidas de austeridade, a CE, no âmbito do seu Procedimento por Desequilíbrios Macroeconómicos Excessivos, decidiu institucionalizar a desigualdade de tratamento entre Estados credores e devedores. Um país que tenha um défice externo superior a 4% tem de pôr em prática um conjunto de políticas para o corrigir, sob pena de pesadas sanções financeiras. Os países excedentários têm (inexplicavelmente, porque os excedentes também prejudicam o equilíbrio macro económico da União) direito a outro tipo de tratamento. Para além de só se considerar haver um desequilíbrio quando os excedentes são superiores a 6%, em caso de violação desse limite não há lugar a qualquer sanção financeira, apenas piedosas e pífias exortações.

    A Comissão Europeia de Durão Barroso não se comporta como a guardiã de Tratados que respeitam a igualdade entre Estados e que tem como um dos seus pressupostos constitutivos a existência de um Estado de Direito Democrático em cada um dos seus Estados Membros. Faz, sim, o seu exacto oposto agindo contra-- senão a letra-- seguramente o espírito dos tratados e tem contribuído para criar uma comunidade de desiguais que é incompatível com qualquer ideia (aceitável) de Europa.'

* Preâmbulo do Tratado da União Europeia
** Artigo 3º, número 3, da Constituição da República Portuguesa

sexta-feira, novembro 01, 2013

Alemanha no epicentro da crise do euro


Público — EUA acusam Alemanha de prejudicar o crescimento económico mundial:
    «No fundamental, o departamento liderado por Jack Lew - secretário do Tesouro - afirma que a Alemanha optou por um modelo de contenção da procura interna e de aposta forte nas exportações, o que fez com que a sua balança comercial atingisse um excedente superior ao da própria China no ano passado.

    "O ritmo anémico de crescimento da procura interna na Alemanha e a sua dependência das exportações dificultaram a retoma, numa altura em que muitos países estavam pressionados (...) a realizar severos processos de ajustamento. O resultado foi uma tendência deflacionária para a zona euro e também para a economia mundial", lê-se no relatório.»
Diário Económico — FMI do lado americano nas críticas à Alemanha:
    «O Fundo Monetário Internacional (FMI) junta-se ao Tesouro norte-americano nas críticas à política orçamental da Alemanha demasiado restritiva e que impede a zona euro, e em particular os países mais afectados pela crise, de uma transição mais suave no ajustamento que está a realizar.»
The Financial Times (editorial) — Europe’s flirtation with deflation — US is right to criticise Germany on its economic policy:
    «The eurozone’s slow march towards what some see as Japanese-style deflation began in crisis-hit countries, where companies cut prices to counter chronically feeble demand. Germany should help its weaker partners during this difficult transition, cutting taxes and letting wages rise. German workers would have more cash to spend on imports, some of which would come from countries such as Spain, Greece and Italy. Yet Berlin has repeatedly ignored this prescription. As the US Treasury notes, in 2012 Germany’s nominal current account surplus was larger than China’s.

    While fiscal expansion in Germany is desirable, it will not, on its own, rescue the rest of the eurozone from a lengthy depression. There is only so much money that Germans can spend on an extra holiday in Rhodes or a new designer bag made in Milan. Saving the eurozone from deflation requires a concerted effort among its institutions, starting with the European Central Bank.»
naked capitalism — Yanis Varoufakis: The US Treasury is Right About Germany’s Eurozone Policies: Here is Why:
    «Before the Euro Crisis, Germany and the rest of the surplus Eurozone countries had a large Current Account surplus both toward the rest of the Eurozone and towards the rest of the world. A large portion of the surplus countries’ profits (due to these net exports) were rushing back to the Eurozone Periphery thus fuelling consumer booms and real estate bubbles. During that period, savings (S) exceeded investment (I) in the surplus countries while the opposite held true in the Periphery (since capital was flowing freely to the Periphery in the form of ‘investments’ that helped aggregate investment there dwarfed local savings).

    Following the Euro Crisis, and the collapse of the Periphery’s aggregate demand (as a result of both the sudden reversal of the capital flows and the austerity measures taken), investment in the Periphery collapsed (sometimes to negative levels). Thus, suddenly, the Periphery mimicked the surplus countries in that savings exceeded investment there too (S>I). At the same time, imports into the Periphery subsided (courtesy of the sharp recession) and so the Periphery’s Current Account deficit narrowed (e.g. Greece) or was even transformed into a surplus (e.g. Spain).»

segunda-feira, junho 17, 2013

A culpa nunca é do FMI

• João Galamba, A culpa nunca é do FMI:
    ‘Para o FMI, a culpa não é da austeridade, é da prioridade que foi dada ao aumento de impostos. Tivessem os países da periferia cortado ainda mais salários da função pública, despedido mais trabalhadores, cortado mais a fundo no subsídio de desemprego, na educação, na saúde e nas pensões e tudo teria sido diferente. Como é evidente, nada disto faz sentido, porque os cortes na despesa são ainda mais recessivos do que os aumentos de impostos.

    Mas o maior pecado do FMI é a sua insistência na estratégia de desvalorização interna. Em primeiro lugar, o FMI parte de uma narrativa errada sobre as causas da deterioração da balança corrente e de capital dos países da periferia. No caso português, por exemplo, o FMI parece acreditar que o nosso desequilíbrio externo foi criado porque o país se tornou caro.

    Acontece que, na última década, a balança de bens e serviços se manteve relativamente estável, o que contraria a tese de perda de competitividade via preço. O que se deteriorou foi a balança de rendimentos, que se deve aos fluxos de capital que a integração monetária e financeira da moeda única tornou possível e que não tem qualquer relação com custos e competitividade. Mas este é um caminho que o FMI se recusa a trilhar.

    Quando se parte de uma premissa errada, é natural que a crise se agrave e os resultados teimem em não aparecer. Apesar de pressupor uma relação entre Custos Unitários do Trabalho e exportações que a experiência empírica desmente - os CUTs têm baixado sem que isso se reflita em maior dinamismo das exportações, antes pelo contrário - o FMI insiste na estratégia. No relatório da sétima avaliação, divulgada na última quinta feira, o FMI diz mesmo que se as exportações não crescem mais é porque os CUTs ainda não desceram o suficiente. Que o corte nos salários não seja a chave para a saída da crise é algo que não entra na cabeça dos economistas do Fundo. E que essa via possa agravar a crise e tornar a dívida do país (ainda mais) insustentável também não.

    O abismo vem já a seguir. E a culpa, como é evidente, não será do FMI.’

sexta-feira, junho 07, 2013

"Não há volta a dar: dois anos depois, o País está hoje pior do que estava. E vai continuar a piorar enquanto não se puser travão a isto"


• Pedro Silva Pereira, O duplo erro de julgamento:
    ‘Ao fim de dois anos de Governo de direita, há um largo consenso quanto a um balanço simples e triste: o País está hoje pior do que estava. O que falta acrescentar é que este falhanço prova que Passos Coelho cometeu um duplo erro de julgamento: enganou-se, primeiro, ao provocar a crise política que empurrou Portugal para a ajuda externa e enganou-se, depois, ao escolher a austeridade "além da ‘troika'" que arrastou a economia para uma terrível espiral recessiva. E ao enganar-se, enganou o País. Com as consequências que estão à vista.

    O primeiro erro de julgamento de Passos Coelho foi o de, na ânsia de chegar ao poder, ter desvalorizado as consequências de provocar uma crise política e de empurrar o País para a ajuda externa. Não é que Passos Coelho desconhecesse essas consequências - como já aqui provei, o líder do PSD sabia que um pedido de ajuda externa, em condições análogas às da Grécia e da Irlanda, deixaria Portugal, como ele próprio disse, numa posição em que "daqui a dois ou três anos não estaria em condições de cumprir" (Lusa, 10-2-11). Mas a verdade é que quando a oportunidade surgiu, entre o País e o poder, Passos Coelho escolheu o poder: desprezou o apoio do BCE ao PEC IV, provocou a crise política (dizendo-se contra o aumento dos impostos) e ficou à espera da ‘troika' - e dos votos. Foi por essa altura que começou a ver na ajuda externa vantagens que até então lhe tinham passado despercebidas, sobretudo como ocasião para diabolizar o PS e implementar a sua agenda ideológica neoliberal contra o Estado. Com Durão Barroso na Comissão Europeia, António Borges no FMI e Eduardo Catroga na mesa das negociações, não surpreende que tenha exultado com o programa da ‘troika' e que o tenha adoptado como o seu programa. Agora que falhou, é altura de lembrar que foi Passos Coelho que quis assim.

    O segundo erro de julgamento de Passos Coelho respeita à condução da governação e consiste em ter consentido a Vítor Gaspar a loucura de uma "austeridade além da ‘troika'", que arrastou Portugal para uma grave espiral recessiva. Na sétima avaliação, ao mesmo tempo que revelava o falhanço de todas as suas previsões e dava conta da necessidade de medidas adicionais, o ministro das Finanças gabava-se de ter aplicado o dobro (!) da austeridade prevista no Memorando inicial da ‘troika' - sem nunca lhe ocorrer que uma coisa talvez tivesse que ver com a outra. E sem que nunca Passos Coelho desse sinais de se lembrar que tinha prometido aos portugueses uma estratégia de combate às "gorduras do Estado" e não uma estratégia de empobrecimento das famílias e do País.

    Os indicadores traduzem com clareza as consequências desastrosas deste duplo erro de julgamento. A economia, que em 2010 cresceu 1,9%, está atolada, pelo terceiro ano consecutivo, numa grave recessão, registando uma queda de 4% no 1º trimestre deste ano. _O desemprego, que era de 12,1% quando o Governo tomou posse, disparou para os 17,8% no passado mês de Abril (945 mil desempregados) e em breve chegará aos 19%.

    A redução do défice, apesar da austeridade e dos sucessivos orçamentos rectificativos, falha todas as previsões. E a dívida pública, que era de 94% do PIB em 2010, já vai nos 127%. Apesar da propaganda, todos sabem que a revisão das metas acordada com a ‘troika' não se deve à "credibilidade reconquistada" mas sim à necessidade de acomodar os constantes falhanços do ministro das Finanças; a melhoria nas contas externas não traduz um saudável ajustamento estrutural da economia mas sim a redução conjuntural das importações imposta pelo impacto do empobrecimento na procura interna e a redução dos juros nos mercados financeiros reflecte mais a intervenção do BCE do que a confiança numa dívida pública que continua classificada como "lixo".

    Não há volta a dar: dois anos depois, o País está hoje pior do que estava. E vai continuar a piorar enquanto não se puser travão a isto.’

quinta-feira, maio 16, 2013

Exportações, emprego e emigração,o caminho do mau reequilíbrio

• Manuel Caldeira Cabral, Exportações, emprego e emigração (que merece ser lido na íntegra):


    ‘O caminho de reequilíbrio ideal passaria por aumentar a produção, e para isso aumentar o investimento, em particular nos sectores transaccionáveis, para que aumentassem as exportações. O ajustamento teria de passar não apenas pelo aumento da produção de transaccionáveis e pelo aumento do investimento, mas também pela redução dos gastos públicos e do consumo. O reequilíbrio externo seria feito tanto pelo aumento das exportações como pela redução das importações.

    Isso foi o que aconteceu entre 2010 e 2011. Os gastos públicos desceram mais que o consumo privado. O PIB caiu, o desemprego aumentou, mas a produção e o emprego na indústria transformadora e na agricultura aumentaram. Não se estava a seguir um ajustamento fácil, mas estava-se a caminhar no sentido correcto.

    No último ano, o ajustamento económico em Portugal não só está a ser mais duro, mas não está sequer a seguir no sentido correcto. O Investimento, que devia estar a aumentar, está a cair. O emprego nos sectores transaccionáveis, que devia estar a aumentar, está não só a cair, mas a cair de forma muito mais acentuada do que o emprego nos sectores não transaccionáveis – ver quadro.

    Os dados de Março também revelaram que as exportações, que deviam estar a aumentar, estão a cair. O reequilíbrio externo que, em 2010 e 2011, se estava a fazer mais pelo aumento das exportações do que pela redução das importações, está-se a fazer agora apenas pela redução das importações.

    Mesmo no que toca ao reequilíbrio da despesa interna, ao contrário do que aconteceu em 2010 e 2011, em 2012 a queda do consumo privado foi superior à queda dos Gastos públicos, situação que se deverá repetir no corrente ano. Os privados estão a fazer mais pelo ajustamento do que o Estado.

    O principal problema que o país enfrenta neste momento não é a instabilidade dentro do Governo, nem a lentidão a que se está a processar a consolidação, é o facto de as medidas socialmente muito duras que estão a ser impostas não estarem a gerar o ajustamento da economia no sentido necessário. Portugal precisa de investir mais, produzir mais e exportar mais. E nada disto está a acontecer.’

quarta-feira, março 13, 2013

O fardo das gerações vindouras

Em relação aos dados do INE através dos quais se observa a estrondosa quebra do PIB em 2012, não tem sido suficientemente sublinhado o que significa a diminuição da formação bruta de capital fixo (em particular, os bens de equipamentos). Pode Passos Coelho dizer, como hoje aconteceu no debate parlamentar a propósito do próximo conselho europeu, que o saldo da balança comercial melhorou, mas isso não pode escamotear a circunstância de se estar a reduzir a capacidade produtiva do país. Ao importar menos equipamentos, está-se a inviabilizar o crescimento, está-se a condenar as gerações futuras.

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

"Estamos a perder instrumentos para fazer uma reestruturação de baixo custo, eficiente, rápida"

O economista Ricardo Cabral, professor na Universidade da Madeira, dá hoje uma entrevista ao Público. Eis algumas passagens:
    Acredita na capacidade de Portugal garantir um regresso aos mercados sustentado?
    A trajectória da dívida portuguesa é insustentável. Bastam pequenos desvios de um ponto percentual na taxa de juro média e de um ponto percentual na taxa de crescimento e a dívida, em percentagem do PIB, cresce, em vez de diminuir. E o problema não é só a dívida pública, é sobretudo a dívida externa. De facto, o ajustamento externo exigido é muito superior ao ajustamento orçamental: 13,6% do PIB entre 2007/08 e 2017, mais de três vezes a melhoria do saldo orçamental nesse período. Ou seja, o plano da troika é que um país, que nos últimos 236 anos teve somente sete anos com superávites comerciais, se torne num país com um desempenho no sector externo superior à média histórica da Alemanha, numa altura em que vários dos seus principais parceiros comerciais - nomeadamente a Espanha - estão a implementar programas de ajustamento com objectivos idênticos. (…)

    Não acredita que estejamos a ganhar competitividade com os cortes laborais?
    Não me parece que o país ganhe competitividade baixando os salários. Este sacrifício absurdo que estamos a fazer destrói a procura interna e em resultado está a destruir algumas das nossas empresas mais competitivas. Uma empresa exportadora não vive só do mercado externo, vive também do mercado doméstico. Temos empresas como a Bial ou a TAP que exportam, mas também têm receitas cá e têm fornecedores nacionais. Por isso, sofrem na pele as consequências de terem uma recessão económica grave cá em Portugal.

    (…)

    Se a dívida pública e a externa não são sustentáveis, como se explica que Portugal esteja aparentemente a conseguir ensaiar um regresso aos mercados?
    Deve-se notar que a operação realizada foi preparada pelo Governo português e é apenas uma gota de água num oceano de dívida a refinanciar (cerca de 1% da dívida total). É possível que o Estado consiga, pelo menos no início, refinanciar-se nos mercados. Contudo, iludem-se aqueles que pensam que será possível o regresso aos mercados mesmo com o apoio da FEEF e do programa OMT. Não existe liquidez suficiente no mercado de dívida soberana nacional. Isto ocorre fundamentalmente porque os grandes investidores institucionais estão proibidos, pelos seus próprios estatutos, de adquirir a dívida nacional, que os impede de comprar títulos com rating lixo, que é o rating que a dívida portuguesa terá nos tempos vindouros. Na minha perspectiva, uma reestruturação de dívida é inevitável.

    Uma reestruturação juntos dos privados, somente?
    O sector oficial tem já um peso demasiado elevado no conjunto da dívida nacional e teria também de sofrer uma reestruturação de dívida, para minimizar as perdas que são impostas a todos os credores.

    E quanto mais rapidamente, melhor?
    Sim, até porque estamos a transformar dívida pública que é regida pela lei nacional em dívida que é regida por leis de Londres ou de Nova Iorque. Estamos a perder instrumentos para fazer uma reestruturação de baixo custo, eficiente, rápida, que foi o mecanismo utilizado no caso grego, em que fizeram a reestruturação de dívida em meses. Porquê? Porque a lei aplicável era a grega. No caso português era assim, mas estamos a passar uma quota-parte cada vez maior da nossa dívida para o sector oficial e a renegociação dessa dívida será muito mais difícil.

quarta-feira, janeiro 09, 2013

Exportações a desacelerar


Segundo o INE, as exportações diminuíram 0,1% no trimestre terminado em Novembro de 2012 face ao período homólogo de 2011 (Setembro/Novembro de 2011).

sábado, dezembro 22, 2012

1943 versus 2013

• José Pacheco Pereira, Viagem no passado por causa do presente [hoje no Público]:
    ‘Estamos a falar de cem, cento e cinquenta anos, mas saímos deste mundo há pouco mais de cinco décadas, com muito sofrimento, esforço e trabalho, consolidando melhorias e direitos. Na década de sessenta, a vida começou a melhorar muito lentamente. A emigração representou a válvula de escape para muita desta miséria, e na França, na Alemanha, como antes no Brasil e Venezuela. Uma lenta mas construtiva industrialização, iniciada nos anos cinquenta, e uma política de "fomento" permitiram, junto com a economia colonial acicatada pela guerra, algum progresso material. E Marcelo Caetano deu a reforma aos rurais e o 25 de Abril o resto.

    Foi um processo lento e nalguns aspectos pouco amável, que incluiu uma revolução e alguma violência, cá e principalmente em África. Conseguimos uma muito razoável integração dos "retornados", mais eficaz pela plasticidade da sociedade portuguesa do que o que aconteceu em França com os pieds noirs. Acabámos com os frutos malditos da pilha de ouro entesourada no Banco de Portugal, a mortalidade infantil, o analfabetismo, a pobreza, a absoluta desprotecção face aos infortúnios do trabalho e da vida.

    Melhorámos alguma coisa, mas não muito. Mas foi tudo muito lento e muito tarde, o que significa que os portugueses mais velhos ainda têm uma memória viva, muito provavelmente biográfica, desta pobreza ancestral. Mesmo os que já não a viveram sabiam pelos seus pais e avós que era assim, e isso significa, ao mesmo tempo, um certo conformismo e alguma revolta.

    O último tempo onde mais negra foi a miséria portuguesa que ainda pode ser lembrado pelos vivos foi por volta de 1943, o ano em que houve um excedente da balança comercial que a imbecil ignorância actual se permite louvar, sem saber do que está a falar. Ter havido excedentes na balança foi bom, a razão por que isso aconteceu foi péssima. É essa fractura entre a abstração e a realidade que torna obrigatório viajar pelo passado por causa do presente. Tudo é muito diferente, mas também muita coisa é demasiadamente igual. Esperemos que em 2013 não se torne ainda mais parecida.’

quarta-feira, dezembro 19, 2012

A certeza dos custos de sair do euro

• Pedro Nuno Santos, A certeza dos custos de sair do euro:
    ‘Os principais defensores da saída do euro, da esquerda à direita, têm optado por não abordar a elevada incerteza que assombra as potenciais vantagens da sua proposta e por desvalorizar os mais que certos efeitos negativos. São invocados, como principais exemplos argumentativos, os casos da Argentina e da Islândia sem fazer a exigida ressalva às diferenças entre as várias economias. E nesta matéria, as divergências são cruciais - o que funciona de uma determinada maneira numa economia, não funciona, necessariamente, noutra.

    Ao contrário da Argentina e da Islândia, Portugal não tem uma moeda própria. No nosso caso não se trata apenas de uma desvalorização cambial, trata-se de criar uma moeda nova, com todas as implicações que isso teria no sistema de pagamentos. E a mudança de moeda implicaria a rutura do sistema de pagamentos, com consequências potencialmente devastadoras no funcionamento da nossa economia, já demasiado fragilizada.

    As vantagens incertas não justificam que enfrentemos os evidentes efeitos negativos. Uma das vantagens invocadas é a de que a desvalorização cambial, que se seguiria a uma saída do euro, permitiria corrigir desequilíbrios externos, aumentando as exportações e diminuindo as importações. Esta relação causal não pode desprezar o padrão de especialização da economia em questão.

    Numa economia como a portuguesa, em que os setores exportadores incorporam um elevado valor de produtos importados, o efeito positivo proporcionado pelo embaratecimento dos nossos produtos nos mercados externos será reduzido pelo encarecimento das nossas importações. Esta vantagem é, portanto, de uma grande incerteza. Seria mais certa se fossemos exportadores de produtos primários, mas não é o caso. Só o aventureirismo se satisfaz com vantagens teóricas e despreza a certeza das desvantagens.’

domingo, dezembro 09, 2012

“Poderemos prolongar a queda acentuada do investimento produtivo?”

• J.A. Vieira da Silva, Ajustamento externo de Portugal — o que ainda falta dizer [ontem no Expresso-Economia]:
    ‘(…) a seriedade política e intelectual impõe que se analisem os motores desta correção. Os dados mais recentes do comércio internacional da economia portuguesa permitem-nos perceber a natureza da excecional quebra do défice comercial. Trabalhando perto de 100 sectores económicos da chamada Nomenclatura Combinada, e comparando os dados de janeiro a setembro de 2012 com os valores homólogos para 2008, importantes dados se revelam.

    A redução do défice foi de 65% em termos nominais, cerca de 9.6 mil milhões de euros. Mas a análise por sectores/produtos desta variação merece uma leitura mais cuidadosa.

    Cinco sectores concentram cerca de 60% da melhoria global verificada: automóvel; máquinas, aparelhos e material mecânico; elétrico; obras de ferro e aço e metais preciosos. Nos três primeiros sectores as importações caíram 4.5 mil milhões de euros e as exportações estagnaram.

    É nesta concentração sectorial da redução da balança de bens que os problemas se adensam. Porque nesses sectores há um fortíssimo contributo da diminuição de importações apenas parcialmente contrariado pelas exportações do sector automóvel e pelo "fenómeno ouro"; porque estas atividades não possuem significativa capacidade de substituir importações no prazo curto; e porque se verifica uma quebra dos valores exportados em bens duradouros da fileira eletromecânica fazendo com que a quebra de importações tenha que compensar as exportações perdidas.

    Estes fatores evidenciam de forma indiscutível a fragilidade deste ajustamento e até, em alguns casos, o seu efeito perverso em termos de modernização da economia e acréscimo do PIB potencial.

    É certo que estes dados não diminuem o importante contributo da nova capacidade gerada na fileira floresta/papel/mobiliário, a solidez exportadora do sector do calçado, o progresso na fileira agroalimentar. Mas este esboço sintético mostra com evidência que os progressos não se aprofundarão sem um regresso do investimento produtivo em muitas destas atividades.

    Valorizemos o que de bom se passa na modernização da nossa economia e no dinamismo de muitas empresas. Mas não é menos verdade que uma parte substancial da mais recente "correção estrutural" simplesmente não o é. Em grande parte ela é, antes, fruto de uma substancial quebra no consumo das famílias e de uma brutal quebra do investimento.

    Podemos prolongar sustentadamente uma quebra na importação de bens de consumo duradouro? Em parte sim, teremos que o fazer.

    Mas poderemos prolongar a queda acentuada do investimento produtivo? Seguramente que não, se queremos voltar a crescer.’

quinta-feira, novembro 22, 2012

O desempenho do “muito impressionante” Gaspar


aqui tínhamos feito referência ao facto de o memorando da troika exigir, para 2012, medidas de consolidação orçamental no valor de 5.073 milhões de euros, mas que o Governo tinha decidido quase dobrar a parada, apresentando um pacote de austeridade contendo medidas que atingem 9.042,3 milhões de euros (cf. Relatório do OE-2012, p. 22, na versão em papel, ou p. 30, na versão on-line) — e, muito possivelmente, nem um por cento de redução do défice conseguirá atingir este ano.

Numa desapaixonada análise comparativa dos efeitos da consolidação orçamental em 2011 e 2012, Manuel Caldeira Cabral escreve hoje o seguinte (num artigo intitulado Um ajustamento mais fraco e mais duro em 2013?):
    ‘Em 2012, o processo de ajustamento também acelerou tanto os efeitos recessivos como a destruição de emprego. Em 2011, o emprego caiu 1,3%, em 2012, diminuiu 4,3%. O PIB, que em 2011 teve uma contracção de 1,7%, em 2012, deverá cair 3%, de acordo com o relatório da proposta de OE para 2013. Pelo contrário a variação do saldo estrutural primário foi menos acentuada em 2012 do que em 2011. Isto é, em 2012, com menos consolidação tivemos mais recessão e mais destruição de emprego.’


Daí que, como se infere da questão colocada como título do artigo, assistiremos, em 2013, a um “ajustamento” mais fraco, exactamente por força de uma austeridade ainda mais dura.

quinta-feira, novembro 15, 2012

Sr. Ministro das Finanças, qual vai ser o défice de 2012?

Intervenções de João Galamba na audição do ministro das Finanças, hoje na Assembleia da República:


1.ª intervenção

2.ª intervenção

3.ª intervenção